[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Mulherão | Coluna Rui Lima | O POVO Online
Ruy Lima 26/01/2012

Mulherão

Publicitária, mais de um metro e oitenta de altura, 120 quilos e lésbica. Numa época em que assumir a homossexualidade era para mulheres de fibra
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Angela Borges foi uma das mulheres mais extraordinárias que já conheci. Publicitária, mais de um metro e oitenta de altura, 120 quilos e lésbica. Numa época em que assumir a homossexualidade era para poucas mulheres de fibra. Sempre muito elegante e bem vestida. Olhos verdes de ofuscar. Jamais passava despercebida. Também com esse tamanho, dirão. Era uma das conversas mais agradáveis da cidade. Inteligente e mordaz. Polêmica, crítica e ferina. Doce e delicada. Contraditória. Amável e sutil. Generosa e expansiva. Ângela foi uma guerreira da liberdade, transgressora contumaz. Muito antes de surgirem os movimentos coletivos, foi uma líder em defesa da livre expressão, do respeito às diferenças.


Recentemente a imprensa brasileira voltou a falar do cearense Paulo Abel, uma das mais belas vozes da ópera mundial. Paulo era um “castrato” natural, ou seja, tinha um registro vocal de mezzo soprano. No século 16, quando as mulheres foram proibidas de cantar nos corais, a santa igreja católica castrava jovens rapazes, em geral órfãos, para fazer as vozes femininas no coral da Capela Sistina. Não foi o caso de Paulo Abel, que não perdeu o bilau. Tinha apenas uma deficiência congênita na produção de testosterona. A castração de rapazes para servir como cantores da Igreja só foi abolida em 1878, pelo papa Leão XIII.


Em 1991, Paulo Abel fazia carreira na Europa e veio a Fortaleza. Alguns anos antes havia participado do filme Ligações Perigosas. O diretor Stephen Frears ficou tão fascinado pela voz de Paulo que usou praticamente toda a sequência que ele gravara cantando. No Brasil, passou por várias humilhações, fruto do preconceito e da intolerância. Chegou a ser expulso do Festival de Campos de Jordão.


Ângela Borges organizou para ele, na casa do Porto da Dunas, uma noite inesquecível. Jantar a luz de velas com direito a recital. Foi um reconhecimento quase tardio a um grande talento. Uma bofetada de pelica numa elite cultural arrogante e medíocre. Coisas de Ângela Borges. Paulo Abel já estava doente e morreu pouco depois, em Paris, vítima de complicações decorrentes da Aids.


Certa época renovava-se a direção da TV Manchete, de Fortaleza. Oscar Bloch, vice-presidente da empresa, pediu a Guto Benevides, diretor da sucursal, para selecionar três ou quatro candidatos. Ele viria entrevistá-los pessoalmente. Lá estava Ângela Borges e outros três concorrentes. Homens.


Oscar, machista inveterado, deixou Ângela por último. Deu-lhe um chá de cadeira. Ângela impassível. Ao ser chamada, entrou com todo charme e simpatia do mundo. Deu uma aula de mercado, exibiu talento e profissionalismo. Impecável. Oscar Bloch virou-se para ela com ar de desdém e jogou-lhe na cara:


“E por que você acha que eu vou escolher uma mulher, em detrimento dos outros candidatos, tão brilhantes quanto você e com a vantagem de serem homens?”


Ângela jogou o corpanzil na direção dele por cima da mesa, olhou com aqueles olhos verdes fulminantes, bateu na mesa com a mão direita e disparou:


“Porque eu tenho o pau maior do que o deles, seu Oscar!”


Foi contratada na hora.

 

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Chico Neto 26/01/2012 19:06
Saudades. Ela foi delicada comigo. E disse que eu tinha talento. E que tudo daria certo para mim. Obrigado pelo texto e pela lembrança boa, Ruy Lima.
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Ricardo Borges 26/01/2012 15:40
Essa minha saudosa mana que a chamava de "Birringa" foi o meu "Xerife" nas minhas dificuldades e a saudade que tenho dela é de uma dimensão tão extensa que ainda nos dias de hoje derramo lágrimas sentindo a sua falta. Rui Lima agradeço em nome da Família Joaquim Borges esse seu artigo.
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