[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Circuitos afetivos | O POVO
Imagem & Movimento 22/02/2013

Circuitos afetivos

A sétima edição do festival Ponto.CE homenageia o realizador paraibano Dellani Lima, com uma mostra especial de seus filmes, no dia 10 de março
Leo Lara / Universo Producao / Divulgação
O realizador Dellani Lima: em defesa da produção de cinema independente
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O paraibano Dellani Lima é um artista multifacetado. Realizador audiovisual, músico, ator e curador, ele mantém intensa produção artística autoral e independente. “Tudo na raça, na colaboração, nos circuitos afetivos. Cheio de vontade, de calor, de intensidades, de afetos”, afirma, situando o que faz como “cinema de garagem” – termo criado junto com o crítico e curador Marcelo Ikeda.


Os fortalezenses terão a oportunidade de conhecer o trabalho de Dellani no próximo dia 10 de março, quando será exibida uma mostra especial em sua homenagem na programação do festival Ponto.CE. Além de curtas e vídeos experimentais, a mostra exibe o mais recente longa de Dellani, Vertigem Branca, co-dirigido com Breno Silva e Simone Cortezão, em Minas Gerais.


Dellani nasceu em Campina Grande, mora em Belo Horizonte, mas cresceu em Fortaleza, onde consolidou fortes laços afetivos com artistas locais. Participou como ator do novo longa-metragem do cearense Alexandre Veras, Linz – Quando Todos os Acidentes Acontecem. Para este ano, Dellani pretende dirigir três longas – Rock de Subúrbio, Jardim para o Campo Aberto e Aos Amores Possíveis – todos já em processo de produção. Em entrevista ao O POVO, o realizador fala sobre sua trajetória e projetos.


O POVO – No período da sua formação audiovisual em Fortaleza, quais laços foram criados com os realizadores daqui e como era a cena audiovisual naquela época?
Dellani Lima - Na verdade, fui para Fortaleza ainda bem criança. Praticamente cresci por aí. Tive grande parte de minha formação intelectual e de minha vida afetiva entre os bairros Serrinha, Montese, Cidade dos Funcionários e, é claro, o Centro, a Praia do Futuro e Iracema. Tenho família, pais, irmãos, sobrinhos, primos e dois filhos, Caio e Ítalo no Ceará. Desde 2000, moro em Belo Horizonte, onde desenvolvi  todo meu trabalho artístico, do cinema, da música e das artes visuais. Sou da época que só tínhamos como estudar cinema pela importante Casa Amarela Eusélio Oliveira, com os cursos de Wolney  Oliveira, de Telmo Carvalho, e principalmente do mestre Firmino Holanda. Nosso cineasta representativo era o Rosemberg Cariry; não tínhamos uma produção significativa como a de Pernambuco naquele período. Até que surgiu, em meados dos anos 90, a proposta do Instituto Dragão do Mar, na sua frente Orlando Senna e Maurice Capovilla, através da Secretaria de Cultura do Estado na época, na gestão do Paulo Linhares. Esse momento foi muito especial em minha vida. Tudo mudou daí em diante. Fiz os cursos de Dramaturgia e Realização em Cinema e Televisão - este não cheguei a finalizá-lo. Pude conhecer muitos artistas e pessoas importantes para mim, as muitas possibilidades de se produzir audiovisual, de compreender, experimentar e de reinventar a vida e a própria arte. Fiz e tenho laços importantes com muitos realizadores cearenses (Guto, Ivo, Danilo, Pedro, Ýthalo, Victor, Mouramateus, Petrus, Salomão, Bárbara, Marcos, Eduardo e mais outros que esqueci no momento), mas da época os que mantenho contato e até mesmo fizeram os cursos, são Armando, Eric (que hoje mora no Recife), Heraldo e Micheline. Mas tenho muito contato  principalmente com os poetas e cineastas Uirá dos Reis e Alexandre Veras. Além de meu grande amigo músico e agora pintor Apolônio e recentemente o admirável poeta e performer urbano Jonnata Doll. Tento sempre que possível acompanhar a cena artística do Ceará. Conheço e admiro muito também os trabalhos de Andrea Bardawil, Milena Travassos, Yuri Firmeza, Ticiano Monteiro, Waléria Américo, Vitor Colares, Karine Alexandrino e Cidadão Instigado, entre outros importantes artistas. Naquele momento, mesmo com o Instituto Dragão do Mar, as coisas eram bem mais difíceis, principalmente por causa da falta de acesso a equipamentos e a distribuição. O que restavam eram vários artistas cheios de vontade e de ideias, mas sem possibilidades de realização. As tecnologias digitais e a internet ainda estavam no início de seu caminho para a popularização. Mas que ainda não tínhamos acesso fácil, praticamente em universidades e algumas grandes empresas, além de ser uma conexão lenta e discada. Os equipamentos de vídeo ainda eram de péssima qualidade e não eram tão baratos e acessíveis. Provavelmente isso sufocou muitos talentos locais e que até mesmo migraram para outros lugares, como eu mesmo. O acesso também não era só técnico. Não tínhamos um hábito cinéfilo bem saciado como nos dias de hoje, com tantas ofertas para baixar grandes filmes, além de discografias incríveis facilmente acessíveis na rede. Não existiam também, como disse antes, muitos cursos (livres ou universitários) de arte, como hoje em dia. Eram tempos difíceis. O amor tinha que transbordar para você resistir. Mesmo assim muitos desistiram. Estou vivo por um triz. Fazer arte em nosso país é uma tarefa muito árdua e muito difícil, muito suor, não só no Ceará.

OP - Há mais de 15 anos, você trabalha com um cinema mais poético, experimental, que não se furta em dialogar com o underground. Você tem trabalhos disponíveis na internet, buscando dialogar também com outros públicos pelos "circuitos afetivos" que extrapolam os limites das  mostras e dos festivais tradicionais. Para seu trabalho, o que significam estas redes afetivas, junto ao pensamento deste cinema de garagem, mais livre e independente?
Dellani - Desde que a Internet se tornou um pouco mais viável de se exibir pequenos vídeos, mais ou menos 2002, com o streaming da Realplayer, mas com definições de imagem horríveis, que chegavam a  alterar o próprio vídeo, cheguei a realizar um longa metragem fragmentado para a rede. Montei um site e tudo, mas na época você tinha que pagar pelo plugin e não tive condições de manter sem retorno algum. Daí tiraram do ar em seis meses. Anos depois surge a possibilidade de uma tecnologia streaming (flash) mais interessante, principalmente com o surgimento do Youtube. Daí em diante posto sempre meus curtas e vídeos assim que eles são projetados em espaços mais convencionais de exibição, como os festivais e mostras de cinema e arte pelo País e pelo mundo. Alguns trabalhos  também faço mais especificamente para a rede. Vídeos bem curtos e muitas vezes clipes musicais, que são lançados diretamente na internet. Procuro sempre postar, porque, na maioria das vezes, são outros espectadores e de vários lugares do mundo. Sem comentar das afinidades sociais, estéticas e conceituais que a rede possibilitou. Hoje podemos facilmente encontrar aquilo apenas que  nos interessa, através de comunidades, redes sociais e blogues especializados. Além das ferramentas de busca.  O alcance é bem maior que os meios convencionais de distribuição e exibição. Podemos acrescentar ao que chamo de "circuito afetivo" - que também inclui os métodos convencionais – o que é realizado pela cena artística, cultural, underground entre outras, há muito tempo. Recentemente coloquei em cartaz por um tempo o Vertigem Branca, e tivemos mais de três mil acessos em duas semanas. Foi ótimo. Assim que o filme terminar sua trajetória nos circuitos tradicionais, irei postá-lo novamente. Muitos realizadores e produtoras já estão realizando estas ações na rede. Como a produtora cearense Alumbramento. Além do mais, isso é muito importante, pois sempre temos retornos críticos e mesmo afetivos dos trabalhos. O que é muito importante para um artista, assim ele pode repensar sua obra e para uma realização posterior. Sempre escuto muito. Assim compreendo melhor o que faço e que poderei fazer.

OP – Vertigem Branca partiu de um roteiro antigo, que foi reescrito durante o processo. Como foi a retomada do material para chegar ao que foi realizado?
Dellani - Na verdade, pouco ficou do roteiro original. Até porque havia muitos conflitos estéticos e mesmo conceituais que nós discordávamos muito. Daí repensamos a partir da espinha dorsal, que era a  saga do poeta solitário, revirando seus fantasmas, principalmente sua relação com as mulheres. E ao mesmo tempo construir e apresentar este personagem através dos espaços e da música. Foi quando começamos a reescrever tudo em uma escaleta (roteiro bem estrutural). Além de muitos diálogos entre o elenco e a equipe, revimos muitos filmes das vanguardas artísticas, desde os anos de 1920 aos 1970, principalmente aqueles onde o corpo e o espaço eram privilegiados, entre os quais, Shuji Terayama, Júlio Bressane, Kenneth Anger, Maya Deren, entre outros artistas experimentais. Talvez daí surgiu o delicioso anacronismo que o filme possivelmente tenha, sem problemas. E escutamos muitos repertórios e influências dos compositores da trilha, Miguel Duarte, músico e agitador da cena musical underground de Belo Horizonte, e Rodrigo Lacerda Jr, este meu grande parceiro em muitas jornadas audiovisuais.

OP - Três pontos fortes do Vertigem Branca são a exploração da arquitetura dos espaços (as ruínas, o mato/floresta, os cômodos da casa), a performance dos atores (assumindo em vários  momentos a frontalidade com a câmera) e a música (que vai das notas contemporâneas do violoncelo ao samba de Noel Rosa). Como vocês pensaram estes três elementos do filme dentro da ideia do cinema de poesia?
Dellani - O filme tem toda uma carga poética. Pelo menos tentamos muito explorar a poesia, tanto em sua musicalidade, métrica, quanto na sua construção de imagens. O corpo escrevia no espaço as  partituras da música composta a partir da poesia e todos, em sua harmonia ou mesmo caos, eram os elementos desta escrita imagética. Uma possível dramaturgia ou estética do sonho, como diria  Glauber Rocha.

OP - O filme se chamaria "estruturas modulares", que remete também à repetição formal que está anunciada naquela frase sempre pontuada: "O poeta sempre insistiu em tocar as  mesmas suítes para violoncelo, mas nunca conseguiu repetir essas músicas". No filme, a repetição formal leva sempre a algo novo. De que forma foi pensada a montagem do material a partir destas estruturas modulares?
Dellani - Realmente este seria o nome originalmente do filme. Desde o início, pensamos numa estrutura de blocos e na repetição, com mudanças mínimas, mas significativas nos elementos narrativos ou mesmo estruturais. O que praticamente acontece na vida, no cotidiano e dessas pequenas diferenças, é que resistimos; o embrião da potência do sonho. A crença da mudança plena é uma utopia, que muitas vezes só nos frustra, nos deprime. É muito difícil mudar completamente algo, alguém ou você mesmo. É muita pretensão. Tudo começa nas pequenas coisas, nas pequenas mudanças. E o que mesmo realmente devemos mudar?

OP – Como foi a criação do disco Curioso, especialmente a faixa "Canção ao Ceará"?
Dellani - Foi composta principalmente em memória a dois grandes amigos meus de juventude em Fortaleza, Ramón, que se suicidoue em meados dos anos 90 e o Wagner, o Xuxu, que sumiu desde essa época  na grande São Paulo. Além dos que se perderam no crack. Droga que apareceu em minha juventude e de muitos amigos. Uma luta intensa, diária, de uma vida toda. Para você, Cássio. Nessa canção eles foram minha grande inspiração. Para eu não deixar de viver intensamente a vida, os amigos e a família. Mas também pensei muito nos que ficaram, nos que estão cada vez mais vivos, e no afeto e na saudade imensa que tenho do Ceará, da minha família, dos meus filhos e grandes amigos e parceiros, como Apolônio, Uirá, Veras, Marquinhos, Ikeda (que é  carioca, mas hoje reside em Fortaleza), entre outras pessoas queridas. Uma canção de um amigo atento, cuidadoso, às vezes muito severo, mas que fala no ouvido baixinho para o outro: viva! Só isso. Quem quiser escutar, é só baixar o álbum Curioso no meu blogue pessoal: dellanilima.blogspot.com.

OP
- Como aconteceu a preparação como ator para o Linz – Quando Todos os Acidentes Acontecem? Qual a diferença em relação a outros filmes que você participou também como ator, como Os  Residentes?
Dellani - Tive a alegria e privilégio de ser acompanhado na preparação pelo Armando Praça, que é realizador também e, além do mais, é um velho amigo; estudamos juntos no Dragão do Mar. Pensamos o corpo como um instrumento musical. Todos os dias afinávamos meu corpo com inúmeros exercícios físicos, de meditação e mesmo diálogos conceituais sobre o personagem, juntamente com o Alexandre Veras. Todos os dias, antes das gravações. Vimos muitos filmes de referência, lemos textos e pensamos muitas vezes partituras corporais e suas inúmeras possibilidades de ação no espaço  e mesmo na narrativa. Foi uma experiência impar. Única. Podemos pensar a atuação como um elemento fundamental na história e na construção da imagem, tanto como a fotografia e o som. Pude  acompanhar todas as etapas e suas questões, desde produção, arte, som, fotografia e até em alguns momentos a montagem. Outro fator importante para a construção desse personagem, além da  liberdade que o Veras me deu para criar com meu corpo, improvisar também, foi de termos gravado o filme de forma cronológica, linearmente. Assim pude viver com o personagem aquela história. Um filme no qual aprendi, tanto como ator como realizador. Outro grande momento em minha trajetória como artista. É claro que as outras experiências como ator também me possibilitaram compreender cada vez mais a atuação do corpo na produção da imagem. Foram experiências diferentes, fiz recentemente dois curtas e mais dois longas na sequência, mas esta, no Linz... - principalmente porque sou protagonista na história, o que pesa muito no processo -, foi marcante, fundamental, até mesmo para meus próximos filmes.

OP - Em que pé está o longa a partir de lembranças de sua juventude em Fortaleza?
Dellani - Por enquanto, o nome do filme, minha primeira ficção, e que já estou na metade do processo de gravação, é Rock de Subúrbio. Inspirado livremente na minha própria trajetória como artista. O contexto era minha juventude em Fortaleza, no momento em que a vontade transborda o corpo e a inquietação surge com todo fervor. Mas como sempre, a vida mostra seu lado áspero e assim inicia-se o conflito entre desejo e sobrevivência. Ainda mais para um  artista de origem suburbana, periférica, sem acesso, sem grana e geograficamente "longe demais das capitais".  Quando o artista decide se realmente ele vai encarar a vida árdua de fazer arte, e arte que pensa, que se transforma, que se expande, que extrapola limites, que experimenta, independente do retorno financeiro, mesmo que ainda seja um clichê romântico ou anacrônico. Mas no filme, teremos uma protagonista e até mesmo seu contexto de vida. Para eu me distanciar mais da história e não ser apenas um filme autobiográfico. Infelizmente não pude convidar ninguém do Ceará. Por razões de logística, o filme é totalmente independente. Toda produção será mineira. Só a trilha sonora será produzida pelo Lê Almeida, da Transfusão Noise Records, da cena lo-fi carioca. A atriz Izabela Alves irá protagonizar com o elenco que eu e ela encontramos. A maioria é de jovens músicos (de rock) da cidade industrial de Contagem, e a maioria já fazia parte da vida afetiva da protagonista. Busco o máximo possível de  sinceridade na construção desses personagens, por isso que o elenco é totalmente do contexto da história. É uma ficção com a construção narrativa de documentário. Sobre minha geração no Ceará, uma juventude cheia de vontades, de criatividade, de potência, mas sem as possibilidades de explorar essas forças. O sonho segue sua boca!

SERVIÇO

 

Festival Ponto.CE - 7ª edição - Música, Dança e Audiovisual

Quando: de 7 a 10 de março (a mostra em homenagem a Dellani Lima acontece no dia 10)

Onde: Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (rua Dragão do Mar, 81 – Praia de Iracema) e Sesc Iracema (rua Boris, 90 – Praia de Iracema)

Entrada: 1kg de alimento não perecível (pontos de troca em breve).

Programação completa e mais informações em: www.facebook.com/pontoce e www.pontoce.com.br

 

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