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Folheio o livro de Augusto Borges (Então eu conto) e me detenho nas guardas onde encontro integrantes da primeira geração da TV Ceará, numa foto de Leocácio Ferreira, a panorâmica que decorava a sala da direção artística, testemunha de minha primeira entrevista com Guilherme Neto, em maio de 1965, que resultou num teste com o cenógrafo Rinauro Moreira e minha entrada imediata naquela casa, no verdor dos dezenove anos.
Com alguns dos figurantes guardei estreita relação profissional e mesmo de amizade, como o próprio Guilherme e o João Ramos aos quais atribuía nova paternidade já que o biológico se fora há quatro anos. E Rinauro Moreira, Karla Peixoto, Ary Sherlock, Mestre Artur, Hildeberto Torres, Daniel Menezes, Tantico Duarte, Ivan Prudêncio, Neide Maia, os Adersons, Maia e Braz, Manuelito Eduardo e o autor do livro em questão, Augusto Borges.
No início cruzava com Augusto apenas nos estúdios quando ele participava de telenovelas (algumas das quais dirigia) ou nos programas que apresentava: Noite Cearense e Prenove’s Club do colunista social dos Associados, Calazans Pires, dito Bayard. Até que a Ceará Rádio Clube veio do Edifício Pajeú, no centro da cidade, para as novas instalações, na Estância, ao lado da TV Ceará. E aí nos conhecemos mais de perto devido minha camaradagem com Carlos Paiva e Willame Moura, a dupla de criação da sua agência de propaganda, a Virma Publicidade.
Vai daí que o José Domingos Alcântara é convidado para a nova agência do Borges, a Bira, e chamou-me para fazer dobradinha com ele. Quando fiquei duplamente seu escravo, já que ele passara a ocupar o alto cargo de Gerente de Produção do sistema (rádio e televisão), posto acima da direção artística onde era atrelado. Como, por aquela época, pouco havia a fazer na cenografia (o videoteipe havia engolido o teleteatro) fui lotado no departamento de arte tendo como companheiros o dito Willame (Jomar Pereira e Emanuel Cabral estavam se despedindo), Wilton Pinheiro e Antonio Costa. A Bira já era Borges quando passei para a A.S. Propaganda do Anastácio Sousa e larguei também a TV Ceará, chamado pela Imagem Comunicação, do grupo financeiro Terra (Aldemir Sobreira). Rolei algum tempo pela propaganda e voltei à casa paterna onde fiquei até os últimos estertores.
Há duas frases que bem definem a TV Ceará e seu desempenho no contexto social da cidade emergente. Manuelito Eduardo a chamou de “fábrica de sonhos” e Assis Chateaubriand cunhou o slogan que foi parar na parede ao lado de sua cabeça em bronze: “Tudo aqui é bem feito e feito com amor”. Certamente, a emissora do indiozinho foi forjada mais com devoção que com objetos eletrônicos e que tais. Na verdade a maquinaria era quase sucateada das Tupis do Rio e São Paulo. “Das tripas, coração” seria uma sentença bem mais apropriada.
E neste clima de entusiasmo o menino Augusto galgou os umbrais do rádio em sua época de ouro. E na querida Perrenove foi de contínuo a diretor. Atuando como contrarregra, radiator, comediante, redator, produtor, locutor, discotecário, animador de estúdio e auditório, o escambau. Chega a televisão e o inquieto Augusto mete lá seu bedelho: realiza, produz, encena, apresenta, faz jornalismo e chega aos píncaros do organograma como Gerente de Produção, vizinho ao primeiro escalão. Esteve lá do começo ao final, a bem dizer abriu e fechou a estação.
Pois nesse livro (cerca de 450 páginas), Irapuan Augusto Borges conta de um tudo sobre sua passagem nesses templos da comunicação cearense e algo mais sobre a vida, infância, passagem pela publicidade, perfis de amigos e postais da cidade de então. Passeia, como ele mesmo confessa, “dentro de uma linguagem acessível, com as características de seu estilo de trocadilhista” para resgatar a memória de um tempo de sonho marcado com lufadas de romantismo e rasgos de realismo, solidificando principalmente a nossa dramaturgia. Augusto foi testemunha ocular e personagem atuante deste processo. Agora, memorialista desta fase esplendorosa. Do real e do folclórico. Desenfurnou do baú amáveis velharias e comoveu a todos revivendo momentos já esquecidos. Falou de Ayla Maria, Guilherme Neto, Luiz Vieira, Wilson Machado, Narcélio Limaverde, Moreira Filho, Neide Maia, Chico Anysio, Eduardo Campos, Ary Sherlock, Evaldo Gouveia, Rinauro Moreira, Antonio Mendes, Maria Luiza, Mozart Brandão, Karla Peixoto, Renato Aragão, João Ramos, Emiliano Queiroz, Polion Lemos, Lucio Brasileiro, Rômulo Siqueira, Paulino Rocha e muitos outros. Documentos avalizados por fotografias memoráveis, a maioria da lavra do dito Leocácio, que construía seu próprio equipamento.
E, de repente, como se não houvesse mais nada a ser experimentado se fez poeta, para surpresa geral. Fala de si, de madrugadas perdidas, sonhos e desencantos e até satiriza Drummond. E permeia textos com esverdeados balões onde destaca trechos de letristas da MPB, arroubos filosóficos de Zé Lisboa, tiradas de autores desconhecidos e de próprio punho. Trocadilhos que exercitava desde os tempos da Carrocinha, do Festa na Caiçara, do Show do Mercantil.
Augusto Borges começou cedo no rádio, com apenas treze anos já tentava ser locutor. Hoje, com setenta e sete (desculpa a indiscrição) nos couros, não larga o microfone. Mantém programa na Rádio Clube do Brasil (clone da PRE-9) e apresenta na TV Ceará (ironia do destino), que era a TV Educativa, o musical “Ontem, hoje e sempre” para cujo cenário trouxe, como mascote, antigo integrante de seu corpo de jurados, o Gustavinho da Silva.
E no final do calhamaço, num abreviado currículo, enfatiza um autógrafo especial do escritor Eduardo Campos num livreto também notável: sua carteira de trabalho, sua bíblia de evangelista único. Mas bem que teve um patrão bem antes, o pai, dono de um armarinho nos baixos do Excelsior Hotel. Onde o pequeno Augusto vendia gravatas e cuecas; cintos e pentes; perfumes e camisas; miudezas que o encaminharam para o mercado das ilusões perdidas.
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