Aqui tem Ciência 31/08/2014

Criança não é adulto em miniatura

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José Evangelista angel888@terra.com.br

Foi pensando assim que a professora Helena Lutéscia Coelho, criadora do grupo de pesquisa Melhores Medicamentos para Crianças (MEMECRI), na Universidade Federal do Ceará (UFC), deu início a um trabalho dedicado a melhorar a forma como os remédios são usados em pacientes que vão de neonatos a adolescentes.

 

Essa ainda é uma área pouco estudada. Basta ver que só em 2007 a Organização Mundial de Saúde (OMS) lembrou-se de elaborar uma lista de remédios essenciais para crianças. Antes, existia apenas uma lista para adultos. No Brasil, até hoje, ainda não há uma lista desse tipo.

 

São várias as razões para essa demora. Para começar, o número de estudos clínicos específicos é pequeno. Testes com crianças são mais complicados e envolvem aspectos éticos limitantes. Soma-se a isso o desinteresse da indústria farmacêutica em atuar nessa linha de produção considerando que existe um mercado relativamente pequeno e com altos custos de pesquisa e desenvolvimento.

 

O resultado desse quadro é o costume de se usar em crianças os mesmos remédios usados em adultos, modificando-se, apenas, a dosagem. E mesmo assim, essa adequação é feita de forma precária, sem considerar que organismos de crianças e adultos são bastante diferentes em quase todos os aspectos biológicos.

 

O uso inadequado de drogas não testadas especificamente em crianças soma-se ao uso de excipientes também impróprios na produção desses medicamentos. Vários deles contêm substâncias potencialmente nocivas quando receitadas para uso até em recém-nascidos, como o etanol, o benzoato de sódio e o propilenoglicol.

 

Os países mais desenvolvidos já começaram a procura de normas para a pesquisa, o desenvolvimento e o registro de novos medicamentos específicos para o uso infantil. No Brasil, como foi observado pela professora Helena Lutéscia, esse tipo de ação está apenas começando. O Ministério da Saúde tem, há vários anos, uma Relação de Medicamentos Essenciais (Rename), mas, essa lista ainda não tem uma relação específica de medicamentos infantis.

 

Por outro lado, a prescrição e a aplicação de remédios em crianças ainda precisam melhorar significativamente, no Brasil, mesmo nos hospitais exclusivamente pediátricos. Em muitas ocasiões, o grupo da pesquisadora constatou a inexistência de condições adequadas para a manipulação de remédios para os pacientes de pequena idade. É frequente o uso de dosagens incorretas, contaminação por tratamento inadequado e alta taxa de descontinuidade no uso do remédio, depois que as crianças e seus responsáveis deixam o hospital ou a clínica.

 

Uma linha interessante do trabalho do grupo da professora Helena Lutéscia tenta evitar essa baixa na adesão criando uma relação com os responsáveis pelas crianças. Além disso, o grupo desenvolveu um produto que pode ser usado no momento da administração do medicamento, facilitando a aceitação pelas crianças. Remédios essenciais, como o Captopril e a Furosemida, têm gosto muito ruim e costumam ser recusados pelas crianças. Principalmente até seis anos de idade, o fator gosto é determinante para essa aceitação sem maiores problemas. Esse produto é um veículo útil para dissolver medicamentos sólidos que não existem na dose apropriada à criança ou são difíceis de engolir. Foi criado pelo professor Said Fonseca, do Laboratório de Farmacotécnica da UFC. Pode ter sabor neutro ou conter flavorizantes com gosto de menta, morango ou cereja.

 

O veículo foi testado, inicialmente, em crianças e adultos saudáveis e voluntários, entre eles, os próprios pesquisadores. Todo o estudo foi acompanhado e aprovado pelo Comitê de Ética da UFC. Na fase seguinte, os testes foram feitos com pacientes infantis do Hospital de Messejana, com a participação constante dos responsáveis por elas. Para facilitar a resposta desses pacientes na apreciação do uso do veículo junto com o medicamento, foi usada uma Escala Hedônica que vai de 1 a 7, em termos crescentes de aceitação. Os resultados mostraram uma boa aceitação dos medicamentos preparados com o veículo, mesmo sem a adição de flavorizantes.

 

O trabalho do grupo da professora Helena Lutéscia já resultou em publicações em revistas internacionais e está contribuindo para o estabelecimento de novos protocolos na produção e uso de remédios para uso exclusivamente infantil em nosso País.

 

DANDO OS DEVIDOS CRÉDITOS

Na coluna passada, lembramos o trabalho do professor João Ramos e sua equipe de fazedores de chuva e mostramos a foto acima com parte do grupo junto ao avião usado na nucleação de nuvens. Por um feliz acaso, essa foto chegou a nós pelas mãos da pesquisadora cujo trabalho é assunto da coluna de hoje, a professora Helena Lutéscia, da UFC. Dessa forma, ficamos sabendo que o pai da professora, senhor Bráulio Leite Coelho, fez parte da equipe do professor João Ramos e aparece em pé, na extremidade esquerda da foto. A foto original foi restaurada por Normania Siebra.

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