Ceará na Série A em 2010

Análises



Ceará: uma segunda chance

Por Arthur Ferraz*

Para a paixão do torcedor alvinegro, não existe time maior ou mais importante do que o Ceará, independentemente do campeonato que estiver disputando. Para a razão de quem acompanha futebol, falta ao clube cumprir etapas para alcançar o desejado reconhecimento de sua importância no cenário nacional. Nesse paralelo, o retorno à primeira divisão dá a segunda oportunidade de atingir esse objetivo, agora com perspectivas mais animadoras.

Por que segunda oportunidade? A explicação é histórica. Até 1970, não havia um conceito de campeonato brasileiro por índice técnico, nos moldes de hoje. Os times do Rio e São Paulo dominavam o cenário e atuavam basicamente entre si (aos poucos, gaúchos e mineiros foram sendo incluídos). Equipes do Nordeste só tinham vez nos grupos regionalizados da Taça Brasil e em exóticas excursões de pré-temporada de cariocas e paulistas.

Apesar disso, a força do Ceará já era respeitada. A prova está na criação do primeiro Campeonato Nacional, como era chamado, em 1971. O Alvinegro entrou no seleto grupo de 20 participantes. Nada de Atlético-PR, Vitória ou Goiás. Do Nordeste, só Ceará, Bahia, Sport e Santa Cruz. Daí em diante, 10 participações consecutivas e 13 presenças no total em 16 anos de torneio até 1987, quando o modelo de disputa do Brasileirão mudou radicalmente.

Os 16 anos de convívio direto com a elite do futebol brasileiro representaram, na minha avaliação, a primeira oportunidade de se firmar nesse universo. Que não foi aproveitada por conta de uma cultura ultrapassada de privilegiar as disputas estaduais e ignorar qualquer sentido de planejamento ou investimento em infra-estrutura. O imediatismo dominante cobrou um preço alto nas duas décadas seguintes, com um distanciamento esportivo e institucional cada vez maior em relação aos principais clubes do país.

Nesse mesmo período, clubes que não tinham o mesmo prestígio do Ceará se impuseram no mercado graças a estratégias mais apropriadas. Para ficar só na comparação com as equipes que mencionei anteriormente, Atlético-PR, Goiás e Vitória, que não têm a representação popular do Alvinegro, possuem hoje um reconhecimento muito maior, fruto da construção de patrimônio físico, títulos e campanhas de destaque nacional e internacional, causa e conseqüência da capacidade de arrecadar recursos.

Mais de vinte anos depois, o Ceará tem uma segunda oportunidade de cumprir essas etapas. O clube tem investido em estrutura, em planejamento e o primeiro resultado colhido foi o acesso merecido dentro de campo. O que foi feito demonstrou ser suficiente para que o time alcançasse o retorno à primeira divisão, mas será preciso mais para permanecer lá.

O desafio agora é dar o passo adiante e não permitir que o deslumbramento e a arrogância interrompam essa trajetória. É tempo de comemorar e de sonhar. É tempo, principalmente, de trabalhar sério, de aproveitar o potencial para crescer dentro da realidade e ter como meta garantir à torcida o clube que ela merece.

*Arthur Ferraz é advogado e jornalista




Ceará: um grande passo

Por Emmanuel Macedo*

Um dia escutei de amigos alvinegros: "Queria ver o Ceará na Primeira Divisão antes de morrer". Amigos que já haviam perdido a esperança tamanha a desorganização administrativa que parecia sem fim. A cada ano, o Ceará estava cada vez mais longe de uma modernização e organização de sua estrutura física e administrativa.

Prova disso, além de salários atrasados, pagamentos em saco plástico, etc., é que, antes da campanha de 2009, se fizermos um balanço com as outras 15 temporadas em que o time ficou na Série B, o alvinegro estava, digamos, "negativado". Saldo de gols no negativo, mais derrotas do que vitórias, e, em apenas 2 oportunidades conseguiu terminar a competição entre os 10 primeiros. A campanha de 2009 equilibrou as contas deixando até um saldo positivo. Um absurdo para um time da grandeza do Ceará.

A presença do Ceará na Série A de 2010 vai melhor a imagem do time. Claro que é necessário manter a boa política administrativa e não cometer loucuras. Se endividar para permanecer só iria prejudicar o futuro do time. É preciso dar um passo de cada vez. Pensar em se manter na elite em 2010 não é pensar pequeno. É ter cautela e saber crescer, aos poucos.

Para o Campeonato é uma festa à parte. Mesmo gaúchos, paulistas, cariocas, mineiros, preferem ver o Ceará do que times de empresários de seus estados. O Campeonato com times de torcida e tradição regional, como o Ceará, deixa a competição mais bonita, empolgante e, por que não dizer, justa.

Um grande passo foi dado. E, mesmo com as dificuldades de estar longe do centro político-financeiro do País, um trabalho sério, honesto e bem feito tem vez em qualquer lugar.

*Emmanuel Macedo é jornalista




Felicidades (hihihi) Ceará

Guálter George*

O jogo era contra o Ipatinga, se não estou enganado. Uma parte da Redação o acompanhava atentamente quando veio o lance do pênalti contra o Ceará, o goleiro defendeu e aquele colega, que sempre se identificou como tricolor, vibrou como se alvinegro fosse. Cobrei-o de imediato e ele, politizado todo, justificou que era, acima de tudo, “cearense, bairrista”. Balela pura.

Nada mais cearense, nesse momento, do que ter uma boa parcela da população alegre, feliz, soltando fogos e, claro, tirando sarro de uma outra boa parcela que enfrenta seu momento mais delicado da história recente do vitorioso time com o qual simpatiza. No primeiro grupo estão os que torcem pelo Ceará, por razões óbvias e justificadas, enquanto no outro estamos nós, que gostamos do Fortaleza. Eles festejam a chegada à 1ª, nós choramos uma indesejada visita à 3ª.

Evitarei discutir os méritos do Ceará na sua classificação porque assim não precisarei reconhecê-los. Até por ser um sacrifício pessoal desnecessário, pelo que demonstram os números e a forma equilibrada como eles foram sendo construídos ao longo da competição. Por mais que eu tenha feito minha parte, cearense que sou, torcendo por todos os seus adversários, desejando, jogo a jogo, que ele perdesse aquela irritante estabilidade, que o time enfim demonstrasse temor de que a meta do acesso à elite não seria alcançada. Em vão, reconheço.

Eles já tiveram a oportunidade de nos ver nos melhores palcos do futebol, em três temporadas recentes. Perceberam, embora eu torça para que não, o quão desafiante é lá permanecer, já que nem sempre a parte mais difícil está na campanha de acesso, como bem demonstra o próprio exemplo do Fortaleza, sobre o qual tantos tripudiam nesse momento.

Não desejo boa sorte ao Ceará. Apenas reconheço que ele se fez merecedor da classificação que ora festeja, a partir de resultados que obteve por méritos.

E, quer saber, vai ser uma delícia ser tetracampeão cearense, em 2010, numa temporada eventual de time de terceira divisão e contra um adversário que credenciou-se para dar uma passada pela primeira.

Coisa rápida, tenho certeza, tanto num caso como em outro.

*Guálter George é jornalista e tricolor

*Guálter George é Fortaleza na 1ª, na 2ª, na 3ª e até (toc-toc-toc) na 4ª Divisão



Fala Torcedor



Obrigado

Por Cyro Thomaz*

Obrigado ao Buiú.

Se não fosse aquele gol do Central aos 36 do segundo tempo, teríamos seguido em frente na Copa do Brasil. Daí, com um pouco mais de sorte, poderíamos ter superado o Vasco na fase seguinte. Lotaríamos o Castelão, relembraríamos o vice de 94, falaríamos mais uma vez que o Ceará tem tradição na competição e, finalmente, chegando às oitavas ou quartas, aquele velho sentimento de dever cumprido se transformaria em desculpa: "é, até que fomos longe".

Obrigado ao Douglas.

Se não fossem os verdadeiros milagres operados pelo goleiro do Fortaleza na final, teríamos sido campeões cearenses. Aí, com a faixa no peito, teríamos coroado a incompetência de um péssimo segundo turno. Teríamos entrado num lenga-lenga de Parque dos Campeonatos X Reconhecimento de Penta X Maior Torcida do Estado e versus tudo que é discussão sem fim. E, por fim, teríamos zoado tanto o nosso rival, que por sua vez teria se reforçado muito mais para a série B e, sem precisar do Chiquinho de Xangô ou Bento XVI, talvez hoje tivesse numa situação menos vexatória.

Obrigado às seis primeiras rodadas.

Se não fosse o desastroso começo de campeonato, provavelmente teríamos prosseguido com o Zé Teodoro. Assim, com uma derrotinha aqui e uma zoninha acolá, teríamos feito a décima sétima proposta para o Givanildo - e escutado o décimo sétimo "não". O tabu de não vencer fora estaria completando 3 anos, e o seis de 16 anos de Série B estaria pintando o 7. PC Gusmão seria treinador do Fluminense. Geraldo, meia do Naútico. E o Mota, bem, o Mota estaria comendo carne de cachorro na Coreia e fazendo uma ruma de gols pra gente ver só no Youtube.

Obrigado ao Wellington Silva, ao Charles Hebert e à Ticiane Falcão.

De coração, gostaria de cumprimentar pessoalmente cada um deles. Dando a mão, claro. Tudo bem, se não fosse o digno trio, poderíamos ter empatado ou até vencido aquele jogo contra o Paraná. Mas aí, pense bem, não teríamos escutado o PC Gusmão garantir para todo o Brasil, na vigésima quinta rodada, que o Ceará iria subir, sim senhor. Não teríamos mostrado para o restante do país o quanto cearense é tinhoso, o quanto temos sangue nos olhos e, principalmente, o quanto nos tornamos invocados quando arengados.

Obrigado à Varicela.

Se não fosse fosse a catapora do Rômulo, é possível afirmar que o Sérgio Alves não teria sido relacionado para nenhuma partida. Certo, sem o Carrasco, poderíamos até estar onde estamos. O Luizinho poderia ter desencantado, o Preto poderia ter voltado a marcar e, inesperadamente, o Éslei poderia mostrar a que veio. Mas, uma coisa é certa, sem as bolinhas vermelhas do Rômulo, não teríamos visto um estádio ir à loucura, vibrando com um gol aos 44 do segundo tempo - literalmente chorado. Não teríamos cantado mais uma vez a música que está virando segundo hino e, o que é pior, não teríamos a imagem de um dos nossos maiores ídolos, aos 39 anos de idade, comemorando um gol feito um menino.

Obrigado.

Não, não vou agradecer ao PC Gusmão, ao Geraldo, ao Michel, ao Mota, ao Boiadeiro, ao Fabrício, ao Evandro Leitão, enfim, não vou agradecer a ninguém que hoje faz o Ceará Sporting Club. Não agradeço porque, simplesmente, não consigo. Com palavras, não. Mesmo sendo redator, mesmo escrevendo trocentos textos, há trocentos anos, definitivamente não sei expressar o tamanho dessa gratidão. Ok, posso até dizer obrigado pelos gols, pelas vitórias e pelo acesso à série A. Se fosse assim, estaria feito. Mas é que pra mim, o Ceará, este Ceará aí, é bem mais do que isso. E é aqui que a coisa começa a ficar preta. E branca. Por exemplo, como que eu posso agradecer pela felicidade de ver um sujeito, que não ia ao estádio há 10 anos, vibrar e marejar a cada gol do Vozão? Ainda mais quando este sujeito é seu próprio pai? Por favor, quem conseguir descrever, aceito currículos. E mais: como é que eu posso ser de fato gentil a quem está fazendo com que nossas crianças tenham mais orgulho em ser Ceará do que torcer um time de SP ou do RJ? É, acho que é por isso que, no lugar de escrever, torcedor expressa paixão - e gratidão - cantando: Valeu, Vovô. Valeu, Vovô...

*Cyro Thomaz é publicitário




Um novo ciclo

Por Felipe Araújo *

Há exatos dez anos, no fim da temporada de 1999, o então presidente do Ceará Sporting Club, Átila Bezerra, participava de uma mesa redonda dominical numa emissora local de TV e avaliava as perspectivas do clube para o ano seguinte. O Ceará acabara de ser tetracampeão estadual; batera na trave na disputa por uma vaga na primeira divisão do Campeonato Brasileiro – perdendo a vaga para o Goiás –; via seus rivais locais afundados em graves crises financeiras; e estava na iminência de fechar uma parceria com o banco Icatu Hartford, que prometia reinventar o modelo de gestão esportiva no futebol cearense a partir da profissionalização dos quadros da administração alvinegra. Para 2000, anunciou o mandatário, o (segundo) pentacampeonato estadual estava garantido e a sonhada vaga na elite do futebol brasileiro era apenas uma questão de tempo em função dos novos ares em Porangabuçu.

Mesmo o mais desconfiado dos alvinegros não poderia imaginar quão infelizes seriam aquelas declarações. A partir de 2000, a era de aquarius para o Ceará virou uma quadra de tristeza e frustrações. O calendário alvinegro passou a ser pautado pelas disputas fratricidas entre seus dirigentes, pela demagogia e pela incompetência administrativa de seus gestores, pela obtusidade e pelo cinismo de setores da imprensa comprometidos com interesses inconfessáveis dentro do clube e, por tabela, pela impaciência da torcida. Com isso, os anos 00 foram uma das piores décadas da história alvinegra: a fogueira de vaidades em que ardia o ego dos tragicômicos “cardeais alvinegros” inviabilizou a parceria com o banco e legou uma herança maldita que durante anos assombrou as contas de Porangabuçu, o clube viu seu principal rival renascer das cinzas, conquistou apenas dois campeonatos cearenses (embora o campeonato de 2004 não tenha sido decidido dentro de campo por conta de uma constrangedora armação da FCF) e balançou por diversas vezes na corda da bamba que dava para o abismo da terceirona.

Ontem, o Ceará chegou por seus méritos (sem precisar ser guinchado de divisões inferiores, ressalte-se) à elite do futebol brasileiro. Uma campanha que emocionou a maior (e mais fiel) torcida do Estado e arrancou elogios mesmo dos comentaristas mais sisudos. Dentro de campo, o time de PC Gusmão soube combinar o pragmatismo tático com a garra exigida pelas arquibancadas. Não houve futebol vistoso, mas houve futebol compromissado. Nenhum novo Zé Eduardo despontou, mas bons jogadores (Mota, Geraldo, Michel, Boiadeiro, Erivelton, Misael, Fábio Vidal e outros) vestiram com muita dignidade a camisa alvinegra e suaram lágrimas junto com a massa.

Fora de campo, a gestão de Evandro Leitão abraçou com seriedade e competência o desafio de comandar a maior paixão esportiva do Estado, implementando novas práticas gerenciais e reerguendo a auto-estima do torcedor alvinegro. Dez anos depois da famigerada barrigada do então presidente alvinegro, que deu início a um ciclo a ser esquecido pelos alvinegros, Evandro tem a oportunidade de novamente olhar para o futuro anunciando uma nova era para o Vozão. Um novo ciclo marcado não pela presunção vazia ou pela vaidade inútil; mas pelo planejamento e pela seriedade no trato com o patrimônio alvinegro. Um novo tempo marcado não apenas pelo desafio de montar times vencedores, mas pela missão de fazer do Ceará um grande clube.

É o que deseja o torcedor alvinegro, que hoje vai dormir bêbado de alegria, comemorando o tão sonhado acesso de nosso time querido. Mas que amanhã vai acordar com o desafio da primeira divisão pela frente.

Parabéns, Vozão!

*Felipe Araújo é jornalista