O tempo de Chico

1910, 2 de abril
nasce, em Pedro Leopoldo (interior de Minas Gerais), Francisco Cândido Xavier, o caçula dos nove filhos do vendedor de bilhetes de loteria, João Cândido Xavier, e da dona-de-casa, Maria João de Deus.
1915, 29 de setembro
Chico fica órfão de mãe, aos cinco anos de idade. Seu João, sem ter como arcar com o sustento de todos, distribuiu a ninhada entre amigos e parentes. O menor vai morar com a madrinha, Maria Rita de Cássia, e tem visões da mãe já falecida. Acreditando que o menino vidente estava possuído pelo ‘demo’, a madrinha açoita e maltrata Chico por dois anos.
1917
seu João se casa outra vez. Com Cidália Batista, reúne os primeiros filhos e amplia a família em mais seis meninos e meninas.
1919
Chico, com oito anos, inicia a alfabetização, no Grupo Escolar São José. Alcançou somente até o 4º ano primário (que repetiu). Ao mesmo tempo, vendia os produtos da horta que a família cultivava no quintal e ganhava algumas moedas no curioso trabalho de espantar os mosquitos - fumando um cigarro de talo seco de chuchu e soprando a fumaça - que incomodavam os catadores de algodão, durante a safra.
Anos 20
o padre Sebastião Secarzello, além de rosários e penitências, na tentativa de afastar Chico do manicômio prometido pelo pai (seu João não aceitava as visões do filho), ocupa o menino nos serviços da Companhia de Fiação e Tecelagem Cachoeira Grande: “Você entrará às três da tarde e voltará para casa logo depois da meia-noite. Terá boas horas para dormir e levante-se, cada dia, às seis e meia de manhã. Irá à escola as sete e voltará para o almoço as onze. Depois da refeição, fará algum exercício marcado pela professora e descansará dormindo até às duas e meia da tarde, regressando à fábrica às três horas”. Foi sua rotina por mais de três anos, quando a inalação acumulada do pó do algodão afetou seus pulmões. Chico, então, trabalha no comércio: torna-se auxiliar de balcão e cozinha no bar do Dove e, em seguida, é caixeiro da venda de José Felizardo Sobrinho.
1927
converte-se ao Espiritismo, quando uma de suas irmãs, Maria da Conceição Xavier, fica doente e, desenganada pela medicina tradicional (que atestou loucura), é curada por um tratamento espírita (que considera um espírito obsessor). Na sessão, havia dois livros que iriam ser o ponto de partida de Chico Xavier: O Evangelho segundo o Espiritismo e O Livro dos Espíritos, ambos de Allan Kardec. Também em 1927, no dia 21 de junho, Chico se torna secretário do recém-fundado Centro Espírita Luiz Gonzaga (ainda em funcionamento), no barracão onde morava o irmão dele, José Xavier. Em 8 de julho, “o médium recebe, oficialmente, a sua primeira página mediúnica de além-túmulo”. O espírito psicografado por Chico não se identifica.
1928
as psicografias aumentam e, até 1931, mantém o anonimato dos espíritos-autores e a característica de serem, em maioria, poemas (trovas e sonetos). São publicadas em jornais e suplementos como Aurora, Jornal das Moças e Almanaque de Lembranças (este, de Portugal).
1931
Emmanuel se apresenta a Chico Xavier como seu mentor espiritual (ou espírito-guia). “Disciplina, disciplina, disciplina” são os três mandamentos para Chico cumprir sua missão de “trabalhar na mediunidade com Jesus”, seguindo as lições de Allan Kardec. Ainda em 1931, morre dona Cidália Batista, a madrasta boa, e Chico psicografa pela primeira vez (um texto do poeta Casimiro Cunha, também espírita). As psicografias também surpreendem em inglês e em italiano.
1932
publica o primeiro livro, Parnaso de Além-Túmulo, reunindo 70 poemas psicografados de 14 brasileiros: Augusto dos Anjos, Auta de Souza, Anthero de Quental, Bittencourt Sampaio, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Casimiro Cunha, Cruz e Souza, Guerra Junqueiro, Júlio Diniz, João de Deus, Pedro de Alcântara, Souza Caldas e o cearense Juvenal Galeno. Com essa publicação, o reservado mineiro de Pedro Leopoldo já começa a chamar a atenção do Brasil.
1933
torna-se funcionário do Ministério da Agricultura, mas ainda divide o expediente com os serviços no armazém do seu Felizardo. Somente em 1935, com o fechamento daquele comércio, Chico Xavier exerce, plenamente, as funções de escriturário, na Fazenda Modelo (campo do Ministério da Agricultura). Também ali, em um porão à parte (que se transformou, no último dia 13 de março, no Centro Cultural Chico Xavier), o médium psicografava, passava a limpo e datilografava, a partir das 17 horas e até a madrugada, inúmeras mensagens dos espíritos. Isso, até 1958, quando se muda para Uberaba.
1937
lança Crônicas de Além-Túmulo, coletânea de textos psicografados do escritor maranhense Humberto de Campos.
1944
o primeiro processo judicial. A família de Humberto de Campos processa Chico Xavier, exigindo os direitos autorais da psicografia do escritor. Chico vence a pendenga. Nesse mesmo ano, o médium publica Nosso Lar (o primeiro de autoria do espírito André Luiz), que se torna best-seller na literatura do gênero, com tiragem superior a 1,2 milhão de exemplares. 1944 é também marcado pelo “episódio David Nasser e Jean Manzon”: os dois jornalistas da revista O Cruzeiro, atiçados pelo processo judicial que corria contra Chico, vão a Pedro Leopoldo, passando-se por franceses, para fazer a reportagem “Chico Xavier, detetive do Além”.
1954
entre as manifestações dos poderes de Chico Xavier, os amigos registram o dia em que sua irmã, Neusa, muito doente, recebeu um passe de Chico. Em volta da cama, o médium e três de seus amigos, rezavam quando sentiram algo úmido cair, levemente, em suas cabeças. Naquela noite, o quarto ficou recoberto de pétalas de rosas. Ele tinha o poder de curar “milhares de estropiados do espírito”. Mas as desconfianças em torno do Espiritismo e do médium também floresciam, da imprensa à ciência (até a Nasa estudou sua mediunidade, na década de 70). Tanto que, por essa época, Chico desabafou: “Na próxima encarnação, não quero saber de livros nem de imprensa. Quero nascer num lugar onde só haja analfabetos”.
1958, julho
Amauri Xavier, sobrinho que auxiliava Chico na psicografia, denuncia o médium ao jornal Diário de Minas: tudo o que ele e o tio psicografavam era obra de suas próprias mãos (e imaginação) e não dos espíritos. Entre os versos, estavam poesias de Castro Alves e Camões. O jornal Diário da Tarde apurou melhor o novo escândalo e ouviu do pai de Amauri que o filho era alcoólatra. O sobrinho acabou internado em um sanatório e a polêmica findou aí. Mas Chico Xavier ficou deprimido.
1959, janeiro
mudança de ares. “Não se despediu de ninguém. Com a roupa do corpo, tomou o rumo de Uberaba. Levou apenas o velho caderno de endereços e telefones. Iria morar com Waldo Vieira”. Com o médium e amigo, inaugura, no dia 18 de abril de 1958, a Comunhão Espírita Cristã: “Na varanda da casa, eram servidas as refeições aos pobres, cerca de duzentas, todos os dias. Na sala ampla, eram realizadas as sessões... Chico fez de Uberaba o centro das atenções do Espiritismo no Brasil, ponto convergente de centenas e centenas de caravaneiros que o visitaram nos 43 anos – 1959 a 2002 – em que esteve entre nós”.
1961
aposenta-se dos serviços no Ministério da Agricultura. Por essa época, a visão e os pulmões já padeciam. É também o período em que intensifica, até os anos 70, as peregrinações. Chico e seus seguidores partiam da célebre “sombra do abacateiro” e, alumiados pelo lampião, visitavam os casebres das imediações.
1964
outro episódio, conhecido como "materializações em Uberaba", tenta atingir Chico Xavier e o Espiritismo. Cerca de 70 páginas da revista Cruzeiro, publicadas em três meses, acusam o médium de fraude.
1965
Chico Xavier e Waldo Siqueira embarcam para os Estados Unidos, a fim de disseminar o Espiritismo.
1968
Chico viaja a São Paulo para uma cirurgia na próstata.
1969
publica o centésimo livro, Poetas Redividos.
Anos 70
Chico Xavier "assombra" os dirigentes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB): "Em entrevista coletiva, dom Aloísio Lorscheider, dom Ivo Lorscheider e dom Avelar Villela Brandão divulgaram seu veredicto: 'É excessiva e massiva a publicidade em torno das atividades mediúnicas, especialmente do fenômeno Chico Xavier. Admitimos o direito de consciência religiosa, que consideramos sagrado. No entanto, o que observamos não é rigorosamente o uso de um direito. Por trás desses programas de divulgação, há perigos evidentes para a formação religiosa do povo brasileiro'". Para os líderes católicos, os espíritos citados por Chico, na verdade, eram frutos do próprio subconsciente.
1971
o médium participa do popular programa Pinga-Fogo, exibido pela Rede Tupi de Televisão. Foram quatro horas de sabatina sobre a doutrina espírita e os temas polêmicos de todas as épocas (como o aborto), assessorado por Emmanuel. "O espiritismo nos pede paciência para esperar os processos da evolução e as ações dos homens dignos que presidem os governos", respondeu, por exemplo, sobre a eterna questão das disparidades sociais no Brasil.
1973
era um best-seller imbatível, no Brasil, com 114 livros escritos e mais de 4 milhões de exemplares vendidos. "A renda com direitos autorais atingia a média de 30 mil cruzeiros mensais. Ele doava tudo às editoras espíritas. Sobrevivia com os modestos 386 cruzeiros de sua aposentadoria no Ministério da Agricultura”.
1975
Chico formaliza o desligamento da Comunhão Espírita Cristã (que ajudara a criar, em 1959, quando se mudou para Uberaba) e abraça as reuniões públicas (receituário mediúnico e psicografias) do Grupo Espírita da Prece. "A instituição estava se expandindo em demasia e, aos 65 anos, não se considerava apto a corresponder à responsabilidade que sentia pesar em seus ombros". A hipotensão se somava aos males que minavam sua saúde.
1976
tem a primeira (de muitas) crise de angina, a mesma doença que havia matado sua mãe.
1977, 8 de julho
comemora meio século de mediunidade.
1979
uma decisão inédita do Judiciário brasileiro absolve José Divino da morte do amigo Maurício Garcez Henrique. Duas cartas, psicografadas por Chico e assinadas por Maurício, em 1978 e 1979, inocentam Henrique do assassinato. “A sentença do juiz Orimar de Bastos, em 16 de julho de 1979, causou alvoroço: ‘Temos que dar credibilidade à mensagem, apesar de a Justiça ainda não ter merecido nada igual, em que a própria vítima, após sua morte, vem revelar e fornecer dados ao julgador para sentenciar. Ela isenta de culpa o acusado, fala da brincadeira com o revólver e o disparo da arma. Coaduna este relato com as declarações prestadas pelo acusado’”. O caso repercute também no exterior, com notícias nos periódicos norte-americanos National Enquire e Physic News. Detalhe: o juiz era católico. Outras sentenças do gênero se deram em 1982 (caso do deputado federal Heitor Alencar Furtado, morto após um comício) e em 1985 (caso Gleide Dutra de Deus, ex-miss Campo Grande, assassinada com um tiro, pelo marido).
1980, 2 de abril
Chico Xavier inteira os 70 anos, com 183 livros escritos, 8 milhões de exemplares vendidos em 15 idiomas, 10 mil cartas psicografadas. O censo daquele ano contou 1,5 milhão de espíritas no Brasil.
1981
foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz, após cerca de duas mil obras sociais, Brasil afora, fundadas ou mantidas por seu apoio. Mas apenas se tornou nome de praça, em Pedro Leopoldo. Na época, o brasileiro concorreu com João Paulo II e Lech Walesa – todos perderam para o Escritório do Alto Comissariado da ONU – Organização das Nações Unidas para os Refugiados (que também atuava no Afeganistão, na Etiópia e no Vietnã). A campanha pró-Chico, entretanto, resultou na venda de 700 mil exemplares de títulos espíritas, naquele ano.
1985
entre as visitas constantes de ricos, artistas e políticos, Chico Xavier recebe dona Risoleta Neves, viúva de Tancredo Neves. Buscava uma comunicação com o marido, mas a carta nunca chegou do mundo de lá. Outro visitante histórico é Fernando Collor de Mello: ele recebe o apoio de Chico Xavier na candidatura à Presidência da República, em 1989. Aos 75 anos, teve disposição, em que pese a falta de saúde, para escrever 15 livros.
1986
rumores sobre a morte de Chico Xavier ganham projeção nacional. De fato, somente mais denúncias contra o médium: desta vez, o jornal Vox (Uberaba) acusava a cobrança de 2.500 cruzeiros por uma consulta com Chico. E, novamente, ficou o dito pelo não-dito, não houve provas.
1992, julho
um jovem paranaense pula o muro da casa de Chico e, com um revólver em punho, ameaça matar o médium. “Foi desarmado a tempo pelo PM Aparecido Evaristo Rosa. Terminou o dia na prisão. Mas foi solto e encaminhado de volta à família na tarde seguinte, a pedido da ex-futura vítima. O próprio Chico pagou a sua passagem de ônibus. Para ele, a culpa pelo atentado não era do paranaense, mas dos obsessores interessados em assassiná-lo”.
1993, fevereiro
a novelista Glória Perez bate à sua porta, ansiando notícias de sua filha, Daniela Perez, assassinada três meses antes. Chico apenas disse que a atriz estava “passando por um período de descanso”. Ainda em 1993, o economista José Carlos Alves dos Santos procurou o médium para saber se encontrariam os seqüestradores de sua mulher. “Não se preocupe porque destino de seqüestrador é um só: cadeia”, sentenciou Chico. No final do ano, descobriu-se a verdade sobre o seqüestro: Ana Elizabeth foi morta, após um jantar romântico, a mando do próprio José Carlos.
1995
sofre um enfisema pulmonar.
2000, novembro
foi eleito "Mineiro do Século", numa promoção da TV Globo local, após quinze dias de votação aberta ao público. Em segundo lugar, ficou Santos Dumont. Sofre outra grave pneumonia.
2002, 30 de junho
Chico Xavier desencarna como desejou: no quarto de poucos pertences, sem dor e em meio à felicidade do povo brasileiro que festejava o pentacampeonato da Seleção Brasileira de Futebol, conquistado na Copa do Mundo.

* Fontes: biografias 100 Anos de Chico Xavier – Fenômeno Humano e Mediúnico (de Carlos A. Baccelli. Uberaba, 2010) e As Vidas de Chico Xavier (de Marcel Souto Maior. São Paulo, 2003).