Confira detalhes da carreira da atriz francesa Jeanne Moreau
Atriz e cineasta, dentre outras facetas, Moreau faleceu em julho de 2017 e deixou referenciais para os estudiosos e entusiastas do cinema. Confira artigo assinado por Rafael Marcílio Xerez que traça a linha do tempo da carreira da francesa
Sonia Pinheiro
csonia@uol.com.br
Em julho último, partia, aos 89 anos, a memorável atriz francesa Jeanne Moreau. Como eu a homenagearia? Só Rafael Marcílio Xerez, jovem cinéfilo da maior sensibilidade, poderia traçar o seu portrait. É que, anos atrás, eu me queixara a ele: "Adoro La Moreau, mas há um filme dela que nunca vi: Les Amants". Ao que ele responde: “Eu tenho e posso lhe dar”.
Fiquei fascinada, mas a gente acabou esquecendo-se desse grande mimo. Até que, com a morte de Jeanne, cobrei o presente. E ele, um gentleman, não apenas me enviou Os Amantes, como Jules e Jim — Uma Mulher para Dois. E mais: acompanhados de finos chocolates. Agradeci e ainda pedi-lhe para escrever sobre uma de nossas atrizes favoritas. E, assim, fluiu este texto — lindo e marcante — sobre a nossa fulgurante estrela. Desfrute-o.
O jardim selvagem de Jeanne Moreau
*Por Rafael Marcílio Xerez
Das telas, seu olhar feroz e enigmático parece perscrutar nossas almas, tanto quanto nós, hipnotizados, tentamos desvendar as pulsões de seus personagens ambíguos, instáveis e apaixonados. "A maior atriz do mundo": assim Jeanne Moreau foi descrita pelo diretor americano Orson Welles. Ícone da Nouvelle Vague, a atriz francesa ficou conhecida pela mélange de talento, sensualidade e inteligência.
Filha de uma dançarina inglesa que trabalhava no Folis Bergére e de um restaurateur francês, Jeanne Moreau nasceu em 23 de janeiro de 1928, em Paris. Foi também na capital francesa que a atriz faleceu, em 31 de julho de 2017. Antes de surgir nas telas, Moreau já era consagrada nos palcos franceses. Com apenas 20 anos, foi a mais jovem atriz a integrar a prestigiosa Comédie Française. Começou a fazer filmes no início da década de [19]50.
O sucesso no cinema veio em 1958, com Ascensor para o Cadafalso, de Louis Malle. Nesta obra, Moreau encarna o arquétipo feminino do gênero, a femme fatale que, conjuntamente com o amante, planeja o assassinato do marido.
A parceria entre o diretor e a atriz continuou, no mesmo ano, com Os Amantes. O filme narra a trajetória de uma dona de casa que busca escapar de seu ennui doméstico, em encontros fortuitos com seu amante e na esperança de redescobrir o amor. A película foi indicada ao "Leão de Ouro" no Festival de Cinema de Veneza, onde Malle recebeu o Prêmio Especial do Júri.
Em 1959, François Truffaut revoluciona o cinema com Os Incompreendidos. Narrativa filmicamente ousada e sentimentalmente arrebatadora, a película narra as (des)venturas do adolescente Antoine Doinel. O personagem, alter ego do diretor, aparecerá em outros quatro filmes dirigidos por Truffaut, sempre interpretado pelo ator Jean Pierre Léaud. Assistir aos filmes de Antoine Doinel faz parecer que estamos convivendo com um amigo querido, a quem conhecemos há muitos anos, o que nos faz ter profundo afeto por Truffaut e sua obra. Moreau faz uma participação em Os Incompreendidos, dando início à colaboração entre a atriz e o diretor.
Em 1962, Truffaut realiza o filme que imortalizaria Jeanne Moreu: Jules e Jim — Uma Mulher para Dois. A atriz interpreta Catherine, a mulher que arrebata o coração dos dois amigos que dão título ao filme. O entrelaçamento da vida destes personagens conduz a narrativa do filme. Catherine é uma esfinge, que inspira ousadia e irreverência, mas, ao mesmo tempo, melancolia e fatalidade.
Ainda em 1962, Moreau atua em outros dois grandes clássicos: A Noite, dirigido pelo diretor italiano Michelangelo Antonioni, e O Processo, de Orson Welles, baseado no romance de Franz Kafka. Em 1964, participa do fascinante Diário de uma Camareira, dirigido por Luis Buñuel e baseado na obra do escritor Octave Mirbeau. Mais uma vez, o diretor espanhol ataca o moralismo burguês, narrando as obsessões sexuais despertadas pela camareira Célestine, interpretada por Moreau, quando esta passa a trabalhar no chateau de uma família tradicional.
Em 1973, a atriz esteve no Brasil, para participar do filme Joana Francesa, dirigido por Cacá Diegues. Nesta obra, ela interpreta a dona de um bordel, em São Paulo, que abandona os "negócios" para ser amante de um coronel do interior de Alagoas. Seu último filme foi O Gebo e a Sombra, realizado em 2012, pelo diretor português Manoel de Oliveira. Sobre a arte da interpretação, disse a atriz: "Atuar lida com emoções muito delicadas. Não é como colocar uma máscara. Cada vez que ator interpreta, ele não se esconde, ele expõe a si mesmo."
Jeanne Moreau era uma artista completa e foi reconhecida, ainda em vida, por seu talento artístico e inteligência. Além de atriz, foi cantora e diretora de cinema, teatro e ópera. Recebeu o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes em 1960. Foi capa da revista norte-americana Time em 1965. Presidiu o Júri do Festival de Cinema de Cannes em duas ocasiões, nos anos de 1975 e 1995. Em 1994, o Museu de Arte Moderna de Nova York apresentou uma retrospectiva da carreira da atriz, com exibição de trinta filmes. Recebeu o Oscar Honorário pelo conjunto de sua obra cinematográfica em 1998.
(*) Rafael Marcílio Xerez é professor dos cursos de pós-graduação em Direito e de graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade de Fortaleza (Unifor), além de membro da Academia Cearense de Cinema (ACC).
As informações são de responsabilidade do autor:
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