Sérgia Miranda afirma que não negociou liminares em plantões do TJCE
17/10/2016 | 01:30
Sérgia Miranda afirma que se “receberam um real ou um milhão”, por conta de habeas corpus concedidos por ela, o esquema de corrupção não teria se dado com a “participação, o conhecimento ou a autorização” dela.
“Nunca recebi proposta (de pagamento) para nada do que eu fiz na minha vida como desembargadora nem como juíza. Sou uma pessoa honesta”, diz Sérgia Miranda, magistrada há 30 anos. Confira os principais trechos da entrevista ao O POVO.
O POVO - Os 12 volumes do processo da venda de liminares estão na Internet...
Sérgia Miranda - Li cada página. A Polícia Federal disponibilizou para nós as mídias das interceptações de presos conversando com advogados sobre preços e acertos. Há muito mais do que foi publicado pela imprensa. Eu e o meu filho, que é promotor, passamos três dias ouvindo e em nenhum momento eles mencionam meu nome.
OP - O nome da senhora aparece em conversas de WhatsApp. Principalmente envolvendo os advogados Michel Coutinho, Fernando Feitosa e Carlos Eduardo Miranda.
Sérgia - Sim, tem um WhatsApp do dia 14/12/2012, é o que mais a imprensa bate. Eles dizem que a “Sérgia Miranda abriu as portas do presídio” e que deferi oito HCs (habeas corpus) no plantão. Nunca deferi oito HCs. Acredito que esse foi o número de processos que entraram, deferi dois. Como eu abri as portas do presídio com dois HCs? A conversa é dia 14/12, mas se referem a outro momento. Quando eles (advogados) continuam a conversa é que você vai entender que estavam falando de outro momento e de dinheiro já recebido. Meu plantão tinha sido dia 17/11/2012.
OP - Nesse plantão entraram oito processos?
OP- Os dois HCs foram em favor de quem?
Sérgia - Em nome de Jones Leite Ferreira (o primeiro). Qual o fundamento da minha decisão? O paciente (réu) se encontrava preso há dois anos e as certidões que estavam nos autos davam conta da inexistência de que o acusado tinha envolvimento com a prática delituosa que estava no processo.
OP - Mas ele era traficante investigado pela PF?
Sérgia - Isso era uma causa urgente porque a alegação era de excesso de prazo.
OP - Mas o juiz de origem do processo não era quem deveria ter decidido?
Sérgia - Sim, é o que chegou na minha mão. Você tem de resolver o que estava no plantão e não o que está fora. Não havia prática reiterada de crime, conforme certidão apresentada nos autos, e por isso “seu encarceramento por este lapso temporal não deve permanecer”. E juntei uma súmula do Supremo (STF) que diz que a proibição de liberdade provisória nos processos por crime hediondo não veda o relaxamento por excesso de prazo.
OP - A decisão foi cassada pela 2ª Câmara Criminal do TJCE.
Sérgia - Não me julguei insegura exatamente porque havia documentos que os advogados estavam me levando e poderia conceder a liberdade.
OP - A senhora recebeu proposta em dinheiro de advogados ou de intermediários para conceder a liminar?
No judiciário sabemos que somos vendidos todos os dias. Porque alguns advogados, principalmente os advogados dessa qualidade (os 14 que estão sendo investigados pela PF/STJ), chegam por aí e dizem que se derem tantos reais para os juízes, eles deferem essa liminar. Eles têm 50% de chance de errar.
OP - E sobre a segunda liminar que a senhora concedeu?
Sérgia - Nunca vi esse rapaz, nunca troquei uma palavra com ele. Conheço o pai dele, meu colega de muitos anos. Desses advogados citados, só conheço um que trabalhou num júri na época em que eu era juíza do júri em 1993/95. Esse Mauro Rios. No cível, não me lembro dele. A gente que está no cível há 20 anos, só conhece os advogados estrelas. O de porta de cadeia, não. E quem circulava no plantão? Eram sempre os mesmos advogados. No meu gabinete, não atendia diretamente a eles. Quando raramente atendia, era em caso em que o advogado tem de contextualizar uma situação. Como nas demandas de assistência médica, em que ele precisa explicar pessoalmente. Isso não quer dizer que ele está fazendo uma incursão indevida.
OP - Há possibilidade de a investigação mostrar que o patrimônio da senhora é incompatível com o salário?
Sérgia - Anterior a essas denúncias. Foi pago através de alienação de uma sala comercial pelo valor de R$ 95 mil e mais empréstimo consignado que fiz. Na declaração tem ainda a construção de uma casa na área rural (em Baturité). Parte do dinheiro para isso era próprio e o restante do empréstimo consignado. Fiz dois empréstimos. Comprei este imóvel, foi quando saí da Unifor, em 2007. Tinha 15 anos de universidade e juntei o dinheiro com o empréstimo que pago até hoje.
OP - E a declaração de 2012, ano das liminares suspeitas?
Sérgia - Tá aqui. Casa adquirida na rua Antônio de Castro, na Cidade dos Funcionários, pelo BEC. Comprei em 1994 e morava com meus filhos. Lá, fomos vítima de um assalto violento, com arma na cabeça e tentativa de sequestro dos filhos. Depois do assalto, me mudei para um apartamento alugado e aluguei a casa. Vendi a casa, em 2012, para comprar este apartamento (Dionísio Torres) por R$ 580 mil. Eu tinha R$ 100 mil na conta poupança. Também tinha um veículo Gol. Na declaração constam ainda: R$ 183,05 de poupança e CDB de R$ 8 mil. Na Caixa Econômica, tem um saldo de R$ 4.470 e uma conta corrente de R$ 17 mil.
OP - A PF pode tido acesso a uma conta que a senhora nunca declarou ou bem em nome de laranja?
Sérgia - Vejo muita pabulagem na conversa deles.Ele diz aqui: “Sábado (18/5/2013) tem plantão ok. Sérgia Miranda”. Meu plantão não foi sábado. Estava no plantão no dia 26/5/2013.
OP - E quais foram HCs desse plantão?
OP - Mas esse era um caso para se decidir em um plantão?
Sérgia - Agora não é mais, existem plantões regionais. Em2012/2013, o Ceará estava praticamente sem juízes. O que mais se levava para os plantões era excesso de prazo porque não tinham juizes suficientes nas comarcas. Uma pessoa presa há três meses, não interessa se ele empurrou alguém, se matou, se traficou... O Ministério Público tinha de ter o cuidado de oferecer a denúncia.
OP - A senhora foi legalista?
OP - E faria novamente da mesma forma?
Sérgia - Nessa mesma condição, faria. A não ser que eu soubesse que era alguém que tivesse traficado 300 quilos de drogas. Não tinha informações, só certidões.
OP - Hoje a senhora vê essas situações como artimanhas de advogados?
Saiba mais
O sigilo fiscal e bancário dos três filhos da desembargadora Sérgia Miranda serão postos à disposição da Justiça e da Polícia Federal. Segundo Miranda, ela pode ter errado por excesso de legalidade ao soltar traficantes de drogas investigados pela Polícia Federal. Mas não por ter vendido liminares em plantões do TJCE. Ela mandou soltar criminosos investigados pelas polícia Federal e Civil.