[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive]
Alguém apressado poderia dar nome de reclusão à postura da cearense Marly Sales Vasconcelos. Mesmo poetisa, embora flerte com o conto e o romance, com seis livros publicados; bacharel em Direito, ex-professora de Literatura do curso de Letras da Universidade Federal do Ceará, colaboradora de revistas e movimentos literários como Pássaro, Siriará, O Saco; além de imortal da Academia Cearense de Letras; ela dispensa o “auê” literário, não se ressente de ser pouco conhecida entre novos leitores e fica “apavorada” ante a visita de O POVO. Timidez talvez pudesse definir, mas o termo não alcança o sentido. Recuo é a melhor palavra.
Para escrever é preciso transportar-se para dentro de si, interiorizar cada vez mais, ensina a autora. “A literatura exige esse recuo senão você não produz coisas que valham a pena”, acredita. Talvez daí venha a resistência ao hábito de tantos escritores nesses tempos de redes sociais: a exposição. “Eu não faço questão desse ‘auê’, não me faz bem. Porque já vai exigir ir pra Cultura todo domingo, (tomar) cafezinho, chazinho, não sei o quê. Eu não quero”, explica Marly.
É que o silêncio, enfatiza ela, é parte essencial do trabalho. “Isso não quer dizer que eu não vou a shopping. Adoro, eu vou”, conta, rejeitando a ideia do confinamento. Ela gosta de ir às compras e às contas, toda segunda e terça-feira, de preferência pela manhã e acompanhada apenas de si, assim como gosta de acompanhar o time do coração, o Flamengo – que não é mais aquele de Zico e Romário, mas ela não troca – e até a genialidade dos gols de Messi. “Tenho uma vida normal, só não no momento em que eu quero ficar recuada para escrever”.
Esse recuo é parte do estreitar de laços com o ofício, de vivenciá-lo tanto até unir-se a ele de forma quase visceral. Assim diz Marly, no poema “Verbum”, quando se define a própria palavra e interpela o leitor: “Poderás avaliar o que é ser palavra?”. Para ela, é lidar com a eterna insatisfação que alimenta o ato de escrever. “Botar a palavra exata no papel, aquela que você pensou e não consegue, esse é o preço. Você nunca chega lá. O que é muito bom. Eu gosto de claudicar”, reflete.
Assim foi entre o primeiro livro de poesias, Água Insone, de 1973, e o segundo, “Cãtygua proençal”, lançado doze anos depois, em 1985. Ela não deixara de escrever nesse período, mas os elogios (que chama “coisas graves”) dos críticos da época sobre o trabalho de estreia lhe meteram o maior de todos os temores, o de “profanar a palavra”. “Eu respeito muito a palavra, por isso não publico tanto”, justifica-se. Por isso, também, ainda hoje não hesita podar a escrita diante do menor sinal de reprovação dos leitores de confiança e não receia rasgar o que considera ruim.
Apesar da severidade, porém, a escritora não reprime o ato de criar e deságua em literatura na forma em que ela vier, ainda contando com a velha e pequena máquina de escrever alaranjada. Depois da poesia, a palavra apareceu em forma de prosa, com o romance Coração de Areia (1989), menção honrosa no Prêmio Graciliano Ramos da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro. Voltou ao modo poético em Sala de retratos (1998), Azul-Cobalto (2002) e Solitário Bandolim (2010), seu livro mais recente.
Despreocupada com a espessura do livro, no correr das 31 páginas do último trabalho, a autora tímida, porém falante, que exibe no corpo magro uma fragilidade só desfeita com a força das palavras, reforça a própria ideia de Literatura em poemas curtos sobre solidão e vivência interior – o recuo necessário.
“Se eu não interiorizar, como é que vou escrever? O problema é esse, nós temos que procurar e batalhar e sofrer. Literatura, já lhe disse, é dor. Você tem de sofrer na vida, tem de ter sangue, e também a docilidade. Depois da neblina, o arco-íris”, diz.
Trechos
Poemas de Marly Vasconcelos
Uma época escrevi estórias com tanta ansiedade
que não podia comer uma maçã.Não havia tempo para o detalhe.
Palavra, eu fui palavra.Poderás avaliar o que é ser palavra?
Fecha os olhos e compõe com tuas lembrançasum território exaurido e descarnado,
pasto de animais melancólicos,lagoas, cacimbas secas.
Na terra, debaixo da oiticica, um monte de ossos.Preço que paguei sendo palavras.
(”Verbum”)
Minha tristeza de hoje é muito bela.
Maçã que repousa grandiosa,fruta silente de sabedoria.
Aprendi contigo a estar só no meio de muitose comecei a vislumbrar a importância das coisas,
a verdade da sequência dos dias.Pouco colhi entre os homens,
mas tuas lições foram todas magníficase quando percebo que sangro
retomo o que me ensinaste,não choro a falta da alegria.
Hoje minha tristeza é muito bela,solidão,
e novamente eu te bendigo.(”Minha tristeza de hoje é muito bela”, de Solitário Bandolim)
Erro ao renderizar o portlet: Caixa Jornal De Hoje
Erro: [Errno 13] Permission denied: u'/home/presslab/public_html/ns142/arquivos/imgs/capas/2019-02-20_capa_populares_prez-61-77.jpg_tmp'
1
ae2
ae3
ae4
ae5
aeCopyright © 1997-2016
O POVO Entretenimento | Vida & Arte