[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] O profeta do caos | Páginas Azuis | O POVO Online
07/12/2008 - 20h57

O profeta do caos

Jorge Paiva é considerado o guru do Crítica Radical, grupo que considera estar vendo suas teses anti-capitalistas confirmadas pela crise que assusta o mundo. Na entrevista, ele fala de seu papel no grupo, relativiza a própria liderança e faz revelações sobre a época em que o grupo, tendo Maria Luiza à frente, assumiu o comando da Prefeitura de Fortaleza
(Foto: Evilázio Bezerra)

Guálter George

da Redação

A figura é controversa. Mais do que isso, Jorge Paiva, um mineiro que chegou ao Ceará 35 anos atrás, clandestino e fugindo da repressão militar, inicialmente com planos apenas de fazer uma passagem rumo ao exterior, alimentou em torno de si um mistério que hoje parece interessado em desfazer. A ele se atribui responsabilidade direta, como uma espécie de guru das duas, pelas aposentadorias políticas precoces da ex-prefeita e ex-deputada Maria Luiza Fontenele e da ex-vereadora Rosa da Fonseca. Decisão, diz agora, que foi tomada de maneira coletiva, como opção por uma nova estratégia de luta do grupo que, com a presença dos três e mais Célia Zanetti, mulher dele, está junto desde a década de 70.

A decisão de deixar a institucionalidade é pra valer e não tem volta, diz ele, que ao longo da entrevista explica como é que se deu o processo de mudança de atitude política do grupo Crítica Radical. Revela, por exemplo, que tudo começou numa madrugada em que, aos gritos, reagiu à descoberta de uma nova leitura de Marx a partir de uma espécie de borrão de O Capital. Conta detalhes de bastidores da conturbada gestão Maria Luiza à frente da Prefeitura de Fortaleza, o que inclui um rompimento entre eles que poucos conheciam, e avisa que não adianta o mundo tentar sair da crise atual através do capitalismo. "Não tem saída", vaticina.

O POVO - São 35 anos de Ceará que estão se completando agora. Como é que a luta contra a ditadura de então o trouxe para o Ceará?
Jorge Paiva - Chegamos ao Ceará porque São Paulo estava ficando pequeno. A polícia estava chegando muito perto da gente e tivemos de fugir. E a fuga não poderia ser pelo Sul, porque a região já estava mapeada. Daqui, a idéia era sair para o exterior. Eu era da AP (Ação Popular), recém ingresso no PCdoB, e a opção pelo Ceará foi porque o partido estava bem estruturado aqui e eu passaria por um processo de reeducação por ser um militante um tanto quanto indisciplinado. Nós chegamos em 1973 e, lá no comecinho de 1974, a Rosa (da Fonseca) sai da prisão e a Maria Luiza chega dos Estados Unidos. Então, há o meu primeiro contato com as companheiras.

OP - Sua opção foi sempre por ficar mais na linha da elaboração, da formulação, por permanecer na clandestinidade. Por que não assumir a liderança do movimento ficando mesmo à frente dele?
Jorge - A gente vinha de São Paulo e descobri, em 1972, 1973, que eu estava numa lista para ser morto. Advogados de presos políticos e amigos da gente me informaram disso e eu tinha perdido grandes companheiros de luta. Esses companheiros caíram, muitas vezes, em determinadas atividades, não apenas por causa de uma ação específica da repressão, mas, talvez, por normas, disciplinas, estilo de vida, essas coisas todas que terminaram facilitando o trabalho das forças repressoras. E, como a repressão tinha esbarrado comigo, tive de cortar o trabalho e entrar novamente na clandestinidade. Foi um período muito rico, porque me possibilitou um processo de leitura muito grande, o que também me possibilitou uma vida menos exposta e, portanto, com mais possibilidade de orientar a retomada. Não há, ai, nenhuma opção por querer ser clandestino. Nunca fiz uma opção por viver clandestino, escondido, por ficar por trás, como diz a mídia.

OP - Por ser o guru do grupo.
Jorge - É, não é isso. O problema é que esse tipo de perseguição política, assim como o processo de elaboração e a própria sistemática de dar certo a experiência me levava a uma preocupação muito grande com a conduta do movimento. Isso me obrigava a elaborar muito, a pensar muito, a refletir muito sobre os passos que teríamos que dar. Por exemplo: lançar a Maria Luiza candidata foi uma decisão importante.

OP - Por que, na época, a escolha da Maria?
Jorge - Porque a Maria vinha numa projeção do movimento da anistia, era uma pessoa que tinha ocupado um papel importante, era uma figura realmente muito legal, não só porque era bonita, mas falava bem, dominava bem o processo e ela acompanhou de perto a retomada, ao lado da Rosa e da Célia. Este foi, digamos, o trio fundamental para o processo da retomada. Foi tudo tão bem feito que esse trio continua jogando um papel fundamental depois.

OP - Mais adiante se dá a eleição de Maria Luiza como prefeita de Fortaleza.
Jorge - A candidatura foi ganhando consistência após começar com dois, três por cento, a ponto de nós, antes da eleição, vislumbrarmos a vitória. Isso criou um problema dentro do PT muito grande porque os companheiros que faziam a comunicação na época queriam uma tática que levasse a não ganhar a eleição. Era para sairmos no segundo, terceiro lugar. Houve uma polêmica danada sobre isso e predominou a idéia de que devíamos participar pra ganhar. O fato da Maria ser eleita, de ser uma mulher, do momento que se vivia etc., criou, pra gente, uma referência muito forte. O nosso sonho, que a imprensa cearense não sabe até hoje, era disputar o Estado, era deixar o Américo (Barreira, então vice-prefeito) na prefeitura de Fortaleza e lançar a candidatura de Maria ao governo. Só que papocaram as divergências no PT, no PRC (Partido Revolucionário Comunista, divisão interna do PT ao qual o grupo era ligado) e a coisa ficou conturbada.

OP - O grupo faz alguma auto-crítica, hoje, dessa situação?
Jorge - Não temos problema para enfrentar esse debate. Nós entramos na disputa não para administrar a crise do sistema. As pretensões eram mais audazes. A idéia nossa era criar um movimento social alternativo à ditadura e à conciliação. Se com Tancredo (Neves) não estávamos concordando, com (José) Sarney, então, muito menos. Nesse processo, contrariamos uma lógica existente dentro do PRC e do PT, que viam na eleição da Maria Luiza uma oportunidade de apresentarem um projeto dentro da institucionalidade, o que conflitava com a nossa opinião, do ponto de vista revolucionário. Decidimos sair do PRC, em plena vitória da Maria Luiza. Com a nossa saída do PRC, os planos para disputar o Governo do Estado ruíram, porque predominou a idéia de administrar o aparelho de Estado e nós perdemos uma oportunidade. Lembremos que Fortaleza estava um caos, servidores com pagamento atrasado, o lixo estava acumulado, chovia muito na época, então, nossa orientação era no sentido de aproveitar a situação e conclamar a população a um processo de administração diferente. Só que fomos derrotados. A Maria Luiza não veio conosco, a imprensa cearense não sabe disso, (ela) foi para o lado do PT e do PRC e nos abandonou. Tanto é que, se você for pesquisar a composição dos quadros da administração, nós estamos fora. Entramos mais pra frente, quando a Maria percebeu que o negócio estava naufragando. Ela nos procurou, na época era o PRO, houve uma reunião e ganhamos por uma diferença muito pequena de votos com a tese de ajudar a Maria Luiza.

OP - Há quem lhe atribua uma boa parte de responsabilidade pelo fracasso da gestão Maria Luiza. Seria uma injustiça? A versão que agora é apresentada contradiz bastante isso e até sua condição de guru da prefeita etc.
Jorge - Contradiz bastante, porque essa história nunca foi contada. A Maria Luiza nunca contou isso. Ela está ensaiando escrever um livro e nós estamos esperando que o faça, exatamente para contar o que Fortaleza não sabe.

OP - Qual era, então, a influência real de Jorge Paiva, considerando já, inclusive, a reaproximação que aconteceu após a briga?
Jorge - A influência nossa era muito forte até a eleição. Quando ganhou a coisa ficou conturbada e nós começamos a perceber que fomos perdendo a influência. Começou a predominar a orientação de que era preciso administrar o aparelho do Estado, era pra ser competente, para apresentar um estilo diferente de governar. Predominou a idéia do petismo. A Maria Luiza optou por uma perspectiva diferente da que defendíamos. Nós não fomos atrás de cargos, não reivindicamos absolutamente nada e o nosso erro, na época, foi ser coerente com essa linha de raciocínio. Essa idéia de que eu sou um tal é uma visão simplória, ahistórica, não consegue compreender o problema de ruptura.

OP - À parte esses problemas políticos internos, a gestão da Maria Luiza também foi vítima de boicote?
Jorge - Não há dúvida. A administração Maria Luiza, nas condições daquele momento no Nordeste, era um perigo. No sentido de que, se viesse a dar certo, a Maria não seria candidata apenas ao Governo do Estado. Ela tinha uma potencialidade reconhecida em plano nacional, era uma referência que já vinha pelo trabalho como deputada por dois mandatos. Bonita, divorciada, mulher, falava muito bem, tendo por trás um grupo revolucionário, decidido. Então, era um problema complicado do ponto de vista da conciliação nacional. Não poderia dar certo porque, isso acontecendo, iria vigorar uma perspectiva revolucionária dentro do aparelho estatal.

OP - Bom, passada a gestão da Maria Luiza com todo esse cenário, que tipo de reflexão o grupo fez, se fez, no seu processo de reorganização? Havia uma experiência prática a analisar.
Jorge - Veja bem. Na prefeitura, aconteceram fenômenos interessantes conosco. Tínhamos entrado no Sindicato dos Metalúrgicos, ganhamos uma eleição disputadíssima, fazendo com que nos deparássemos com algo novo: a entrada dos tornos eletrônicos na Tecnorte. Segundo, nós estávamos diante de uma saída traumática da prefeitura, sendo que eu, particularmente, responsabilizado pelo desastre administrativo quando não tínhamos tido oportunidade de exercer aquilo em plena força, em plenas funções, porque fomos impedidos de fazer isso. Terceiro, o PT resolve nos expulsar, um grupo de 21 pessoas, Maria na cabeça, eu logo depois, num pacote total de mais de 900 desfiliações. Ora, aquilo foi muito comemorado pelo PT nacional, sob total apoio da mídia, pois era a expulsão de doidos, de malucos, de não sei o quê, de um grupo que precisava ficar apartado, aniquilado. Essa era a idéia que vigorava, porque o estilo petista de governar não era aquele. Logo em seguida, vem a eleição do Lula, que é derrotado pelo Collor (de Mello), que loucura, e, imediatamente depois, cai a União Soviética. É claro que diante disso, nós, que somos pessoas sérias, passamos a nos perguntar: o que é que está acontecendo? O que é que está havendo?

OP - Qual era a visão do grupo sobre o modelo soviético, por sinal?
Jorge - Havia uma crítica forte nossa à União Soviética. Em 1989, lançamos o jornalzinho chamado "O que fazer", que é o nome de um livro do Lênin, só o nosso era afirmativo, quando o título dele era interrogativo, apresentamos um questionamento ao que lá acontecia. Porém, o nosso questionamento era de questões importantes, mas secundárias diante de algo maior que nascia da inquietação do grupo pela falta de resposta a tudo que estava acontecendo com a gente. Nós estávamos discutindo a base do marxismo quando descobrimos um rascunho do Marx, chamado Grundrisse, que era um rascunho do O Capital. Nós, como diz o caboclo, já querendo sair do barco, sem encontrar respostas, sem ter dimensão do que estava acontecendo, nos deparamos com um rascunho que nos oferecia uma dupla leitura do Marx. Nos agarramos à leitura nova que, inclusive, explicava o fenômeno da União Soviética, explicava o problema do Capitalismo. Nós lutávamos por salários, lutávamos na política, via aparelho de Estado, para ocupar terra, contra a discriminação das mulheres, contra os perseguidos etc., fazíamos movimentos de greve, jornadas de luta contra a fome, então, descobrimos que essa caminhada toda estava furada porque estávamos numa linha de raciocínio que, na nossa cabeça, era anti-capitalista, mas, na verdade, não era. Tratava-se de uma luta que era imanente, era uma luta para distribuir o dinheiro do sistema capitalista. Não havia questionamento às categorias fundantes do capitalismo, não questionava valor, trabalho, a política, o dinheiro, o mercado. Quando percebemos isso a primeira pancada foi em nós mesmos, porque vínhamos de uma escola marxista, de luta de classes, da revolução socialista, da ditadura do proletariado. O que descobrimos balançava o programa todo, balançava o prédio todo. Aquele prédio que nós éramos capazes de dar a vida por ele, isso era 1989, 1990. Vimos que era papo furado, aquele barco não tinha como caminhar mais. Era necessário submeter o grupo a um processo de reciclagem. O grupo, claro, teve dificuldade para assimilar.

OP - A descoberta agrava, então, a idéia de que não havia saída pela institucionalidade?
Jorge - Não, aí ficou claro que a política não mudava isso, sindicato também não, que eleger pessoas na política não estava certo...

OP - A conclusão é que o mundo que está ai precisa ser refeito. É isso?
Jorge - O mundo que está ai tem de ser refeito e isso não se dará pela imanência. Nós soltamos as primeiras publicações relacionadas à descoberta dos Grundrisse em 1992, 1993, na época fomos a Brasília para apresentar o projeto da Democracia Direta, porque à época ainda persistia entre nós a idéia de aproveitar o buraco da tal cunha. Fomos a Brasília entregá-la ao Itamar (Franco, então presidente da República), consegui entrar para audiência e foi uma confusão danada. Resultado: a idéia que prevalecia sobre o grupo na mídia, cearense e nacional, de que eram uns malucos etc., multiplicou-se com isso. A dificuldade passou a ser administrar o grupo na nova fase, porque havia resistência, devido à experiência passada, à mudança. Foi necessário, então, reorientar a estratégia, adotar uma tática nova, dentro de uma atitude totalmente nova pra gente. Antes, tudo se resolvia através do centralismo democrático, mas, diante da nova situação, era preciso entender que havia necessidade de tempo, de amadurecimento das idéias, que só a compreensão das idéias novas poderia dar a compreensão real que exigiam.

OP - O núcleo duro, chamemos assim, que tinha o senhor, a Célia, a Rosa e a Maria seguiu firme?
Jorge - Continuamos. Agora ainda mais sólidos porque, até então, nossa relação estava baseada na imanência e, a partir daquele momento, entrava um componente de transcendência. Esse grupo, os quatro, digamos assim, sem qualquer relação com a camarilha da China (risos) mais os vários companheiros, são vários que não vou citar nomes aqui, que jogaram um papel decisivo. Havia uma complicação a mais, porém, que era dar idéia prática a uma formulação teórica. Esse tipo de coisa nos levava a uma pesquisa que indicava o seguinte: só nós, no mundo todo, estamos percebendo isso? Só em Fortaleza é que tem uns doidos vendo isso? Começamos, então, a procurar as pessoas que estavam pensando a questão. Aconteceu que, naquele momento, o Roberto Kuntz lança um livro chamado "Colapso da modernização". Nós, então, percebemos que não estávamos mais sozinhos, havia outros doidos pensando a mesma coisa, já dá pra montar um hospício. Então, entramos em contato com o Roberto Kuntz, coisa que conseguiríamos em 1998, em São Paulo. Na época, conseguimos um artigo do Anselmo Jappe falando do (Guy) Debord (escritor e pensador francês), com quem nós tínhamos tido um contato em 1968, durante uma reunião clandestina na esquerda.

OP - Na época, década de 90, Maria e Rosa cumpriam mandatos como parlamentares. Em que momento é que houve a opção definitiva por sair da institucionalidade? Se, é claro, que há essa decisão tomada.
Jorge - A Rosa era vereadora e a Maria, deputada federal. Quanto à decisão, há sim, confirmo com você. É uma decisão do grupo e que foi construída, já estamos completando 18 anos dela tomada. Não é uma estrada pequena, levamos 17 anos para concluir isso. Desde 1990 que vimos tentando dar curso a essa idéia e materializá-la numa alternativa social. Essa é a preocupação do grupo. O que é que ocasionou esse problema? Nós viemos do marxismo, de uma leitura do manifesto comunista, do "O Capital", enfim, de uma leitura clássica. Nunca entendemos direito o primeiro capítulo e uma vez fui aconselhado por um professor, em São Paulo, a começar pelo segundo capítulo porque o primeiro era uma coisa abstrata, que não tem nada a ver. Fiz isso e, realmente, dava para entender, embora ficasse a dúvida em relação ao primeiro. Eu acabava me achando burro, limitado, abestado, como diz aqui o cearense, e voltava à leitura e não conseguia entender. Durante o ano que passei clandestino, várias vezes tentei ler o primeiro capítulo do O Capital. Quero lhe dizer, e aos leitores do jornal O POVO, que não entendi o que estava escrito ali. Só fui entender quando liguei a leitura do Grundrisse com o Debord e o primeiro capítulo. Aí comecei a sacar o lance. A leitura correta é que, quando Marx expõe, no primeiro capítulo, o estudo que faz para o segundo capítulo, que é mais fácil, entra num processo de captar a lógica do sistema capitalista, o estudo do valor e do fetichismo da mercadoria é o grande momento dele. A descoberta disso foi uma coisa tão forte que aconteceu durante uma madrugada. Eram 3 horas da manhã, aproximadamente, morava no Jardim Iracema e, quando descobri, dei um grito. Minha filha, Juliana, era bem pequena, era mocinha, digamos assim, e fiquei com aquele negócio, a Célia acorda perguntando se eu estava doido e, devo confessar, estava realmente doido. Eu li aquilo umas 20 vezes porque, pra mim, era um achado, era uma coisa impressionante. Estavam ligados os dois pontos que apareciam separados.

OP - A decisão, por outro lado, não tirava do grupo um espaço que lhe poderia ser útil para divulgar suas idéias. Nos parlamentos, sindicatos e outras instâncias ligados à institucionalidade que passou a ser desconsiderada?
Jorge - Não há dúvida de que tirava. Por isso é que teve gente vaticinando que nós não duraríamos um mês, perguntando como é que nós íamos fazer sem o dinheiro dos mandatos. Como é que daria para sustentar a sede? Como imprimir os materiais necessários? Devo dizer que talvez resida nesse ponto o passo mais acertado que se deu, por incrível que isso pareça. Porque nós estávamos numa atividade imanente ao sistema, quando a nossa luta era para derrubá-lo. Ou seja, a idéia de ocupar espaços perdeu completamente o sentido.

OP - A crise atual do mundo é econômica, é financeira ou é do capitalismo? O quadro mundial pode ser visto como uma confirmação do que o grupo vaticinou?
Jorge - Em 1989, o capitalismo cantou vitória diante do socialismo pela queda do Muro de Berlim. A expressão mais comum foi de que a história tinha chegado ao fim, na época parecia que era verdadeiro, a mídia deu grande destaque ao fato, porque um colosso daquele cair sem nenhum tiro! Diante da nova realidade, a Guerra Fria esfriou de vez, acabou. A crise do socialismo, com sua derrocada, anunciava a crise do capitalismo. Como é que, antes, o capitalismo apareceu e se desenvolveu? Juntando trabalho, mercadoria e dinheiro, a santíssima trindade. Onde está a debilidade do capitalismo, então? Quando o capitalismo desloca os trabalhadores, tira a força viva de dentro da fábrica e bota, via tecnologia, micro-eletrônica no esquema de produção da mercadoria, o valor, que é o fundamento da produção burguesa, ou seja, a valorização do dinheiro, cai. E, ao cair o valor, um dos seus fundamentos, o capitalismo perde sentido. Qual a saída, então? Especulação financeira! Se o dinheiro era produzido via trabalho, agora o dinheiro passou a produzir o dinheiro, capital fictício na expressão do Marx. O grupo percebeu isso.

OP - Percebeu antes do mundo.
Jorge - Percebeu essa questão no contato com Anselm, com Roswitha, com outros intelectuais do mundo. Do ponto de vista da idéia nós captamos que o capitalismo entraria num processo de crise, não aquela visão clássica da crise, do capital, mas uma crise da barreira, do limite do sistema. O que aconteceu? Aquilo que todo mundo já sabe. A esquerda optou pelo neoliberalismo, portanto, pela idéia de administrar o capital. O capitalismo, do ponto de vista do dinheiro produzir dinheiro, entrou num beco sem saída. Ou seja, a bolha arrebenta, os idiotas achando que era só lá, que era só uma marolazinha e o negócio incendiou o mundo. São 10 trilhões de dólares de dinheiro injetados nos bancos, dinheiro que sai do aparelho de Estado. Ou seja, dinheiro da população é utilizado para financiar as instituições financeiras. O governo brasileiro, que passou os últimos anos na bonança na aplicação dos recursos financeiros, que gozou desse ar novo da especulação financeira, do capital fictício para financiar a produção do País, ainda não caiu na real. Ou seja, acha que deve regular o mercado financeiro e voltar à produção real de mercadoria. Não tem mais volta. Não fracassou só o socialismo, fracassou também o capitalismo.

OP - E qual é a alternativa?
Jorge - A alternativa é sair dessa relação social. Não há projeto pronto, não há uma coisa acabada, você não tem condições de apresentar algo diferente se não acertar contas com isso. As pessoas nos dizem: certo, vocês acertaram, desculpe, mas qual é a saída? Não há coisa na cartola para substituir o que está ai, não é assim. Você só pode sair para uma alternativa se dimensionar que há necessidade de romper com essas categorias, é preciso romper com esse processo. Estamos em busca dos Obamas, dos Lulas, que podem salvar o capitalismo. Não podem salvar nada! Não há salvação à vista, o que há é barbárie, é guerra civil mundial.

BASTIDORES

A possibilidade de entrevista com Jorge Paiva é cogitada de algum tempo, antes mesmo de eclodir a crise mundial que hoje ele apresenta como comprovação da tese que defendeu nos últimos 17 anos. Portanto, acontece agora só por uma coincidência.

Após desencontro na primeira data acertada, que seria cerca de quatro dias antes, devido a um atraso da equipe do jornal, finalmente a conversa pôde acontecer na última terça-feira, às 10 horas.

Autorizada, a filha do entrevistado, Juliana, gravou em vídeo toda a entrevista. Será para utilização em material posterior de divulgação do grupo, conforme explicação apresentada aos jornalistas e aceita sem problemas.

A conversa permanecia concentrada na experiência de gestão em Fortaleza, com Maria Luiza, e aquilo pareceu incomodar à filha Juliana (ei-la de novo). Em determinado momento, ela reclamou que o tema estava ocupando muito espaço na entrevista.

Não será por falta de base teórica, de iniciante, pelo menos, que os jornalistas do O POVO deixarão de abraçar as idéias do grupo. O entrevistador saiu com seis publicações, especialmente livros, que falam do marxismo e variações sobre o tema.

Não sei se é correto fazer isso, mas vou aproveitar este último ponto para recomendar ao leitor que vá também à Internet e confira a versão na íntegra. O entusiasmo com que o entrevistado defende suas idéias e fala de suas descobertas chega a ser comovente.

PERFIL

Jorge Romeu de Paiva é mineiro de Heliodora, onde nasceu 65 anos atrás. Foi preso duas vezes pelo governo militar e, dizendo-se perseguido, abandonou o curso de Física da Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, para entrar na clandestinidade. Casado com Célia Zanetti, que conheceu em Fortaleza, é pai de Juliana, ambas também atuantes participantes do Crítica Radical.

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