Sempre avesso a falar publicamente sobre o caso, esta é a primeira vez que o juiz federal Danilo Fontenele, 49, se permite falar numa entrevista sobre o furto milionário ao Banco Central de Fortaleza. Nos dez anos de história (ainda muito viva) do episódio, ele foi o julgador da maioria dos 133 réus do furto ao BC. Admite que foi um dos processos mais inusitados que já conduziu nos 14 anos à frente da 11ª Vara Federal. É seu maior caso, em número de denunciados. “Não se tinha ideia de que seria possível fazer um túnel e entrar pelo chão da caixa-forte de um Banco Central em qualquer parte do mundo”, diz. Para Danilo Fontenele, há uma “herança maldita” para os familiares dos denunciados.
O POVO – Qual a síntese de dez anos do caso do furto ao Banco Central na Justiça Federal?
Danilo Fontenele – O caso em si deu ensejo a um processo inicial, mas a Polícia e o Ministério Público desenvolveram investigações em fases. Ao final da investigação, todos os financiadores, executores, lavadores do dinheiro foram denunciados. O caso em si rendeu 28 ações penais e 133 réus.
OP – Quantos foram condenados?
Danilo – Foram condenados 94. Dezesseis foram absolvidos e restam ainda dois processos, que se desenvolvem pelo crime de lavagem em outros Estados.
OP – Todos os 133 denunciados chegaram a ser presos?
Danilo – Foi entendimento de que quem financiou e quem executou inicialmente foram os efetivamente presos. Entre os lavadores, tinha muita gente sem antecedente criminal. Eram parentes, amigos, que se serviram para a lavagem. Era único caso criminal que estavam envolvidos. Não houve a necessidade de uma prisão efetiva.
OP – Era uma quadrilha profissional?
Danilo – A meu ver, isso foi caracterizado na sentença, fazem parte de uma organização criminosa típica. De pessoas dedicadas ao crime e que tiveram essa empreitada. Pelos depoimentos, foi um furto pensado no mínimo seis meses antes, iniciada a execução do túnel três meses antes e o furto efetivado do dia 5 para o dia 6 de agosto.
OP – Quem exatamente chefiou esse plano?
Danilo – Segundo o Ministério Público e a Polícia Federal, basicamente dois: o Fernandinho (Luiz Fernando Ribeiro), que acabou sendo morto bem no início (das investigações), e o Alemão (Antônio Jussivan Alves dos Santos). Esses dois, segundo a denúncia, são os idealizadores. Tanto o Alemão como o Fernandinho idealizadores e financiadores de todo o furto. O investimento dessa organização criminosa foi em torno de R$ 300 mil, entre aluguel de imóveis, passagem de avião, manutenção de pessoal. Eram três turnos na escavação, sem parada, literalmente de oito horas.
OP – O que se falava dentro do banco sobre a segurança da caixa-forte?
Danilo – Naquela época, dez anos atrás, não se tinha ideia de que seria possível fazer um túnel e entrar pelo chão da caixa-forte de um Banco Central em qualquer parte do mundo. Naquela época, e é claro que as investigações esclareceram isso, a caixa-forte do Banco Central estava passando por uma reforma, para ampliar o sistema de segurança. Mas até aquela época se entendia que era um sistema seguro. Não se tinha ideia que pudesse ser feito um furto desse tipo. E até efetivamente era, porque os sistemas normais de segurança foram preservados. Mas não se imaginava que seria pelo chão.
OP – No momento da ação, os sensores não funcionaram.
Danilo – É, a perícia constatou que, talvez pela reforma, alguns sensores estavam desligados. A câmera de segurança também não gravava. Nas investigações, pelo menos do que a Polícia Federal levantou, essas informações iniciais foram obtidas através de um segurança terceirizado, que trabalhava na caixa-forte, e foram repassadas para um dos envolvidos, Deusimar (Neves Queiroz), que repassou ao Alemão. Essa foi a linha que ficou mais clara, a respeito de como as informações chegaram aos idealizadores do furto.
OP – Da casa de onde partiu o túnel, qual foi a prova crucial?
Danilo – O delegado Antônio Celso (dos Santos), que ficou responsável pelo caso, foi nomeado especificamente para essa investigação. Foi ele e sua equipe que efetivamente descobriram todo o encadeamento. A Polícia Civil do Ceará teve um papel inicial muito importante porque foi quem conseguiu chegar ao Charles (José Charles Machado de Morais), que foi o comprador dos carros na empresa que vendeu os veículos. O momento crucial foi quando a equipe do doutor Celso conseguiu encontrar um cartão telefônico com a numeração raspada, mas a Polícia Federal conseguiu encontrar posteriormente o número desse cartão, soube para qual número de celular esse crédito havia sido habilitado, e daí se seguiu uma série de escutas telefônicas. Uma recordação: a movimentação dessa organização criminosa, em termos de troca de celulares, era uma coisa profissional realmente. Passavam praticamente 48 horas com um celular. A Polícia sempre tinha que estar renovando os pedidos de escuta com novos celulares.
OP – Surgiram personagens inusitados dentro do processo?
Danilo – O inusitado é desde o início. De um furto através de um túnel. Nunca tinha acontecido isso, ainda mais num Banco Central. Mas o mais inusitado, me parece, foi a tremenda ousadia dessa organização criminosa. Talvez, aí realmente o inusitado, de dois advogados que começaram como advogados e se tornaram réus. Eram advogados de São Paulo.
OP – O que o senhor aprendeu com esse caso?
Danilo – É mais uma confirmação de que só com o esforço conjugado de Polícia, Ministério Público e dedicação da Justiça Federal, na figura dos servidores, só essa conjugação é que efetivamente foi capaz de, num tempo hábil, apreciar 28 ações penais com 133 pessoas denunciadas. E uma participação efetiva do Banco Central como assistente de acusação. O Banco foi importante para avaliar os bens sequestrados e a própria venda futura. Sem a conjugação dessas quatro forças – Polícia, Ministério Público, Justiça Federal e Banco Central - me parece que seria um pouco mais trabalhoso.
OP – Dez anos depois, ainda há réus a serem julgados?
Danilo – Sim. São 26 réus em duas ações penais. Para esclarecer: esses 26 não participaram do furto propriamente. São envolvidos com a lavagem desse dinheiro.
OP – O caso completa dez anos e os últimos processos estão praticamente no fim, mas o senhor acredita que esse caso tem fim?
Danilo – Chegou a um ponto que o delegado Celso, em reunião com o Ministério Público, decidiu parar as investigações. Porque, ao ver da acusação, os principais ou todos os envolvidos, estariam já identificados. Não haveria mais como tentar recuperar os recursos furtados. Você pergunta: tem fim? Para a Justiça, com os dois últimos processos que falta julgar, se finaliza. Eu não sei dizer na vida de quem participou, se isso termina. Porque muitos relatos, praticamente de todos os denunciados que interroguei, falaram que esse era um dinheiro maldito. Que ficou para eles como uma herança maldita, no sentido de que todo mundo acha que eles ainda têm dinheiro. Quando se fala todo mundo é tanto outros bandidos, que podem sequestrá-los, como já aconteceu de sequestrarem participantes do furto, e daí serem extorquidos. Seja por outros bandidos, policiais, o que seja. Não daqui do Ceará, mas de outros Estados. Não sei quando vai ter fim na vida deles. Ou se os filhos deles ainda vão viver com a pecha de que o pai participou do furto e provavelmente tem dinheiro ainda escondido. Não se sabe.
OP – Qual o sentimento que senhor tem depois de passar por uma experiência dessa?
Danilo – Acho que as pessoas devem pensar muito bem em suas ações e nas repercussões possíveis. O livre arbítrio, como bem diz o Kardecismo, é de inteira responsabilidade nossa. O aparente sucesso mostrou-se para os réus uma verdadeira maldição. Foram identificados, presos e condenados... Perderam tudo, seja por extorsões, como consequência do processo ou com o pagamento de advogados. E ainda vão ficar marcados para sempre, mesmo após terem cumprido pena e mesmo ainda tendo dinheiro do furto.
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