O POVO CARIRI 19/07/2017 - 08h21

Onde mora a poesia: entrevista com o poeta Luciano Carneiro

Poeta, cordelista, autodidata e Mestre da Cultura, Luciano Carneiro abriu as portas de sua casa e conversou sobre sua vida simples e seu amor pela arte
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Sabryna Esmeraldo sabryna@opovo.com.br
FOTOS: CAMILA DE ALMEIDA

Na casinha rebaixada, em uma rua de calçamento, dona Luzanira recebe nossa equipe com um sorriso e um café servido em pequenas xícaras, um dos presentes de 50 anos de casamento de que ela mais gostou. Nas paredes da pequena sala, reconhecimentos em quadros adornam o ambiente. Entre eles, o título de cidadão cratense para o poeta Luciano Carneiro. Ali também está a foto do casal no dia do casamento, jovens e felizes; ela, segurando o buquê feito com flores que pegou no jardim da igreja.

Do corredor, iluminado pela luz natural que bate no alto da encosta da serra, no Crato, surge seu Luciano. Blusa social e chapéu na cabeça, pensados com carinho para a ocasião. A bolsa de couro vem de lado, já com seu livro Onde mora a poesia dentro, para nos mostrar. O gosto pela arte vem desde a infância, quando seu pai o levava para cantorias na região onde moravam, na Paraíba, e comprava versos na feira para os filhos. Hoje, a paixão que tem pela poesia se compara apenas à que sente pela esposa, Luzanira Batista de Lima, que conheceu no Crato, aonde chegou aos 16 anos, e com quem teve 13 filhos – dos quais dez estão vivos –, 24 netos e quatro bisnetos.

A trajetória como cordelista – entre os trabalhos como agricultor, carroceiro, vigia, entre outros – teve início em 1975, quando começou a divulgar suas obras no programa Coisas do Meu Sertão, do poeta e radialista Elói Teles. Ao lado de Teles, inclusive, foi um dos membros-fundadores, em 1991, da Academia dos Cordelistas do Crato, uma das mais respeitadas e reconhecidas expressões do verso popular caririense, da qual hoje é presidente. Já em 2008, Luciano foi reconhecido como Mestre da Cultura Popular. E, em maio deste ano, deu mais um passo na carreira e lançou a obra Onde mora a poesia.


Hoje, aos 75 anos, segue na Academia, dá palestras em instituições educacionais e vive uma vida pacata ao lado de dona Luzanira, com quem completa 53 anos de história em dezembro. “A poesia, desde o início, está lá. Na bíblia, Jesus diz ‘como diz o poeta’. É uma coisa de Deus. Eu sou feliz”, afirma o poeta, que, após a entrevista, despede-se de nós na entrada da casa, enquanto faz carinho no cabelo da esposa.

Como a poesia entrou em sua vida?
Meu pai. Ele ia para a feira e sempre trazia um verso, um romance, para ler para a gente. A gente sentava na sala à noite e ele ia ler. A gente achava tão bonito. Eu fui o primeiro a me interessar muito. Decorei alguns romances que ele comprava. Ele me levava para as cantorias. Era longe, a gente chegava meio cansado lá, eu com nove, dez anos. E eu já cantava, já entendia da arte do repente. Meu pai me ensinava muito como eram as estrofes. Minha influência maior foi ele. Depois dele, a poesia em si. Eu acredito muito que você já nasce com o dom. A gente tem dom para tudo no mundo. Um é pedreiro, um é ferreiro, um é poeta, um é motorista. Cada um tem uma ideia ou muitas ideias e aperfeiçoa uma. Eu sou agricultor, trabalhei em indústria, mas sempre a poesia estava no sangue. Em todo canto em que trabalhei, eu fiz poesia. Hoje, sou um poeta não tão renomado, mas não vivo mais no anonimato. Virei gente por meio da poesia. Eu digo que a poesia é o tempero da vida. Onde tem poeta e poesia pode ter certeza que existe alegria, existe uma aceitação das pessoas. O movimento do mundo não é feito por um, é feito por todos. E você tem a oportunidade de juntar o povo em vários momentos para usufruir da sabedoria, dos feitos de alguém. Isso é importante. O povo me procurando eu acho bom, vai levando a gente junto com a sociedade, com o verso popular, isso é muito bom, é grande.

E o cordel?
É poesia. O cordel em si tem seus requisitos, tem que ter a métrica, a rima, a oração, que é a maneira como o poeta vai conduzindo seu trabalho. E é bom esse cuidado que o poeta tem, é isso que a gente repassa nas palestras, para ser mais caprichoso, para não perder tempo nem dele, nem de quem está ouvindo ele.

O que o senhor traz da juventude vivida no Crato para sua arte?
Aqui no Crato, eu tive a felicidade de me destacar. Fui convidado para fazer parte da Academia de Cordelistas do Crato, sou um dos membros-fundadores. O idealizador foi Elói Teles de Morais, que era doutor advogado, radialista, jornalista e uma celebridade na cultura popular. Ele alavancou a cultura popular no Cariri. E eu tive sorte de ser o primeiro convidado dele, quando ele pensou na Academia. Ainda hoje, está aí funcionando. É importante.

Os problemas sociais são uma temática recorrente em suas obras. O senhor acha que a arte é um bom instrumento de denúncia e protesto?
Justamente. O poeta é cúmplice, tem que alertar o povo. Meu livro tem vários trabalhos que dão esse alerta. Não pode fazer vista grossa com os acontecimentos. A gente tem que procurar mostrar, abrir os olhos do povo, se não fica todo mundo alienado, os artistas e aqueles que vão consumir o trabalho do artista. Então, tem que mostrar o repúdio da gente às coisas que não são boas para a sociedade.

Quais outros temas são abordados em suas poesias?
Tem trabalho que foca religião, outros focam política, ecologia. Quem vai lendo vai vendo que eu vou implementando meu trabalho com coisas sobre as quais a sociedade precisa ficar alerta; e o poeta, dentro da sua criatividade, vai mostrando.

E a dona Luzanira? Já foi tema de alguma poesia? Ela sempre apoiou seu trabalho?
Minha mulher gosta do meu trabalho, apoia tudo, é uma baluarte. Ela só não gostou que, quando eu me casei, eu era cantador, e ela pediu para eu parar, porque eu viajava, demorava. Com toda razão. Eu me casei por amor, não foi por interesse por nada, amor a ponto de deixar qualquer coisa para preservar meu casamento, minha amizade por ela. Isso tem prevalecido até hoje.

Qual a representatividade da Academia de Cordelistas hoje para a região?
É uma referência da cultura popular no Cariri. Quando ela foi criada, em 1991, o cordel andava acéfalo, andava apagado. Foi uma criação que fez o Nordeste inteiro se ligar no cordel, muitas associações, com o incentivo da Academia.

O que significou para o senhor ser nomeado Mestre da Cultura Popular?
Foi um avanço a mais, sem contar que a gente melhora financeiramente um pouco, mas o melhor de tudo é o reconhecimento. Você não é mestre em alguma coisa se não se destaca, se não trabalha. Todo mestre merece o máximo de respeito da sociedade, porque ele angariou uma coisa que ele já era, teve só o reconhecimento. Foi muito bom. No encontro dos mestres, todo ano lá no Limoeiro do Norte, eu vejo a alegria da sociedade com os mestres, a festa que a gente faz para eles e a que eles fazem para a gente. É uma troca de experiências muito boa. É uma coisa muito bonita a cultura popular. É um grande aprendizado para a sociedade ter aqueles mestres com tanto prazer, tanto gosto, mostrando a cultura deles, pulando, cantando, dançando. Fica aquela festa muito boa.

O que o cordel representa hoje para o Cariri?
O cordel tem uma representatividade boa no Cariri e deve isso à Academia de Cordelistas do Crato. Nós temos aí 26 anos de cordel, de produção. Já está espalhado do outro lado do Brasil. Nós fizemos um trabalho para a BBC, de Londres. Esses cordéis vêm se multiplicando e contando a história e a importância que tem o cordel no Cariri, no Nordeste. Hoje, é reconhecido no Brasil inteiro.

Como surgiu a ideia do livro Onde mora a poesia? É seu segundo livro, correto?
O primeiro livro é o O que faz o egoísmo, que não é bem um livro. É um cordel ilustrado, saiu em dois idiomas, português e espanhol, e foi aprovado para literatura infantil em escolas. Eu achei bom. Esse sonho de fazer um livro é acalentado desde rapazinho novo. Meu pai dizia que um homem tem que fazer três coisas: constituir uma família, plantar uma árvore e escrever um livro. Quando ele falou isso, eu disse: “Eu vou fazer essas três aí”. Ele riu e disse: “Será que faz mesmo?”. Eu disse: “Eu vou batalhar”. Ele não viu meu livro, mas viu as outras coisas. A árvore eu plantei por onde passei. E família eu constituí logo uma grande. Cumpri a promessa que fiz a meu pai. E a aceitação do livro foi boa.

Como o senhor vê o futuro da poesia e do cordel no Cariri?
Eu vejo que aonde for o futuro a poesia vai junto. O Cariri está muito bem servido, aqui é um celeiro de poetas. Crato, Juazeiro, Barbalha. São muitos poetas e poetisas, e a gente fica muito feliz por isso, fica até orgulhoso. Eu acho que o Cariri já parece com poesia. É uma região rica de cultura, de gente boa, acolhedora. Sou cidadão cratense. E está bom. Recomendo que quem não tenha onde morar venha morar no Crato, venha morar no Cariri.

Como é seu processo de escrever? Como se inspira?
A poesia é uma coisa muito fina e requer um cuidado danado do poeta. Eu, quando vou escrever, gosto de me recolher em um lugar silencioso, só eu, Deus e a poesia. Requer que o poeta escolha a hora adequada, o lugar certo, porque uma poesia é uma construção.

E onde mora a poesia para o senhor?
A poesia, para o poeta, mora em todos os lugares, até nos cantos em que você acha que não tem; se o poeta passar perto, ele acha lá. No meu poema, eu falo que a poesia não mora só nos cantos requintados, mora nos refúgios pelos quais o poeta passa. Eu digo: “Lá na montanha deserta, no mais estranho cascalho que não recebe a oferta da chuva nem do orvalho, só o forte furacão soprando a erosão, que não produz, que não cria árvores, flores, frutos, nada, pois é ali a morada da poesia”.

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