[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Outros horizontes para a Praia de Iracema | O POVO
Artigo 09/07/2013

Outros horizontes para a Praia de Iracema

O urbanista Eduardo Rocha propõe uma mudança na lógica das intervenções. Sai de cena o espaço-mercadoria, com %u201Catrações%u201D para turistas e investidores. Luz na construção cultural, antropológica, cotidiana
SARA MAIA
Paisagem da Praia de Iracema: areia como espaço de lazer e, ao fundo, o navio Mara Hope naufragado em Fortaleza desde 1985
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Eduardo Rocha

ESPECIAL PARA O POVO

Há pouco mais de vinte anos, a Praia de Iracema entrou em um processo de transformações urbanísticas extremamente maléfico à sua estrutura social. Um pensamento único guiado pelo culturalismo de mercado invadiu suas ruas e desde então o que vemos é o acender e o apagar de equipamentos culturais e pontos comerciais que demonstram, em Fortaleza, a constante reprodução de um modelo falido de “revitalização urbana” (ou qualquer outro “re” que lhe valha, requalificação, reabilitação, renovação, ...), já bastante desacreditado em todo o mundo.


Tal modelo é centrado na produção de imagens para atrair. Não por menos, a arquitetura e o urbanismo são ferramentas primazes e valiosas de todo esse processo, pois das pranchetas destes profissionais saem os ícones imagéticos que, em forma de centro cultural ou de aquário, serão publicados mundo afora e enaltecidos como o símbolo atrator e modernizador do destino turístico. A premissa é, ainda hoje, em Iracema, assim como foi nos últimos vinte anos (apesar de sua história nada gloriosa neste período), preparar o terreno preenchendo-o de “atrações”, as quais seduzirão e conquistarão turistas e investidores, assim como farão retornar às ruas do bairro as tão saudosas classe média e alta desta cidade, que parece já terem encontrado novos rumos para suas diversões noturnas e consumo cultural.


A supervalorização de um transeunte que ainda virá e de um futuro espacial extremamente luminoso, projetado e imaginado a partir de dados hipotéticos, cálculos econômicos pouco explicados e exemplos de intervenções urbanísticas “similares” em outras cidades do mundo (lembremos que as referências são sempre vindas de países do hemisfério norte e com contextos sociais nada similares ao nosso) desvalorizam o presente local, a experiência urbana do cotidiano, a história social e a multiplicidade cultural produzida no compartilhar o espaço das ruas de Iracema. Diante do futuro planejado o presente vivido não tem valor na negociata mercadológica instalada, a cidade assim é concebida enquanto mercadoria à venda e suas ruas viram cenários de um espetáculo criado distante e alheio à sua construção cultural, antropológica, cotidiana.


Sérias são as consequências sociais que a Praia de Iracema já sofreu por esse tipo de atuação no seu espaço. O afastamento dos moradores – ou a gentrificação –, em meados da década de 1990, do núcleo habitacional costeiro do bairro para a transformação destas residências em bares, galerias de arte e restaurantes, intensamente frequentados por turistas e pela classe média fortalezense naquele momento, substituiu as relações afetivas dos sujeitos que construíam a história de suas vidas no interior daquele espaço por relações estritamente comerciais, ligadas a presença dos investidores (empresários que ali montaram seus negócios) e de seus clientes. Não é de se estranhar a ocupação logo em seguida desta área pelos agentes do turismo sexual, os quais também movimentam economicamente a cidade de Fortaleza e encontraram uma região do bairro turístico da cidade em derrocada mercadológica, posto que os interesses dos comerciantes se transferiam, no início dos anos 2000, para o entorno imediato do então novo monumento erguido no bairro, o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.


O Dragão e o espaço

Apesar deste equipamento ter a cultura como a geratriz do seu funcionamento, o movimento cultural que ganhava força na área onde ele foi implantado – movimento este criado por alguns bares, cabarés e artistas que ali chegavam e alugavam os galpões remanescentes do antigo porto e neles construíam suas moradias e seus ateliês – nunca teve a atenção dos gestores públicos necessária para sua permanência, a qual poderia ter dado asas à potente efervescência cultural que a cidade no seu fluxo cotidiano já desenhava. Hoje, pouco mais de uma década depois da inauguração do Dragão branco, a grande maioria dos artistas não se encontra mais em Iracema, os galpões fecharam ou viraram bares/danceterias, e o Centro Cultural lá permanece em luta para manter-se de pé, expondo culturas vindas de longe e pouco aberto a um expressivo e profícuo diálogo com o seu entorno imediato.

 

E por falar em entorno, para se tornar um lugar interessante culturalmente para fortalezenses e visitantes, um projeto de transformação do espaço da Praia de Iracema terá que ter como foco de irradiação de melhorias urbanísticas e de atratividades turísticas a Comunidade do Poço da Draga. Não é possível que Fortaleza continue promovendo e propagandeando o seu principal bairro cartão-postal, tentando esconder e ignorando urbanisticamente a presença nele de uma população, com cerca de dois mil habitantes, que vive sem estrutura urbana indispensável para a existência sã de qualquer cidadão: no Poço as famílias habitam, há mais de cem anos, sem saneamento básico.


Enfim, o Poço

Com urgência, é preciso realizar a regulamentação da ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) Poço da Draga, assegurada pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Fortaleza. Junto com essa regulamentação a Comunidade precisa de intervenções urbanísticas para a melhoria de sua infra-estrutura, como um programa de saneamento básico e a re-locação (dentro do perímetro do Poço, pois nele existe espaço) de algumas poucas residências que se encontram em área de risco, decorrente da proximidade com a foz do Riacho Pajeú. Garantidas as condições espaciais dignas de existência, o Poço da Draga precisa ser aberto, precisa aparecer na Praia de Iracema. O terreno onde um dia funcionou o prédio da CIDAO deve ser desapropriado pelo poder público para que seus muros caiam e na sua área surja um pólo de lazer para essa população que, constantemente, vem perdendo suas áreas de uso recreativo pelos projetos que se propõem a “requalificar” a Praia. O último espaço perdido foi o campo de futebol, encoberto pelo prolongamento do calçadão e pela criação do Café Atlântico. Vale ressaltar que este Café ressurge como a tentativa de um resgate histórico da primeira ocupação deste prédio, no início do século passado. Tentativa esta que suplanta todo o processo histórico desta edificação vinculado à história da Comunidade do Poço: neste prédio já funcionou uma escola de freiras onde muitos dali estudaram, um posto de saúde e por último, até a chegada das obras do Café Atlântico, a Associação de Moradores do Poço da Draga.

É a partir de intervenções deste tipo, que valorizam o espaço vivido e a existência humana que o reconstrói cotidianamente, que a Praia de Iracema estará potencializada para atrair visitantes que nela cheguem ávidos por cultura. Valorizemos a vida local e possibilitemos que ela se expresse, pois assim estaremos abrindo caminhos para que a cultura urbana fabule horizontes para Iracema ainda não imaginados.


Eduardo Rocha é arquiteto-urbanista formado pela Universidade de Fortaleza, mestre em urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutor em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal da Bahia.

 

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