[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] "Nossa vaia vem da alma" | O POVO
Entrevista 30/01/2012

"Nossa vaia vem da alma"

Jornalista por diploma, humorista por vocação, Tarcísio Matos é uma das expressões da irreverência cearense. Em entrevista, ele conversa sobre os 70 anos da vaia ao sol e debate um assunto seríssimo: o humor
MAURI MELO
Para o jornalista, a vaia é a expressão do inconformismo do cearense
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De cara limpa, em letras e versos e sempre nos bastidores. Assim é o humor que o jornalista diplomado Tarcísio Matos, 54, faz pelo Ceará deste os tempos de faculdade. Dono de um faro apurado para o besteirol, nenhum fato mais exótico - para não dizer “marmotoso” - passa ileso aos seus olhos e ouvidos. E as histórias com que se esbarra no dia a dia acabam indo parar nas páginas da coluna Aos Vivos, publicada aos sábados neste caderno, ou mesmo em livros bem humorados. A maior parte delas, no entanto, acaba virando música, aquelas que o brega-star Falcão transforma em sucesso há mais de 30 anos. Em uma conversa leve e descontraída, Tarcísio Matos falou ao O POVO sobre o dia em que a Praça do Ferreira viu um bando de cearense vaiar o sol e a vaia se imortalizou no imaginário popular como a maior maracá da molecagem do povo daqui. Conversou ainda sobre a seriedade do humor e a mania de fazer graça do cearense.


O POVO - Quando você ouviu falar dessa história da vaia ao sol pela primeira vez?
Tarcísio Matos - Ah, faz muito tempo. Quando eu nasci (e lá se vão quase 55 anos), meu pai já falava dessa vaia, mas não com tanta intensidade quanto hoje.

OP - Por que acha que ela ficou tão famosa?
Tarcísio- A vaia é uma expressão de inconformismo, você pode pegar nos compêndios de sociologia, de antropologia. É uma manifestação que não se deve desconsiderar em hipótese alguma. Seja para exaltação ou para esse inconformismo diante do que é negativo, ela é a expressão do que está dentro de cada um de nós e a vaia enquanto recursos do Ceará moleque, ela tem sido melhor trabalhada de um tempo pra cá, quando o Ceará se consagra como um celeiro de humoristas para o Brasil. Houve-se de pegar essa vaia para se colocar no centro de discussões, de apreciações do Ceará moleque, juntamente com o cajueiro botador, com o Manezim do Bispo, a Castorina que fazia apelido. Então, quando a gente começa a ter a compreensão de que Renato Aragão é personagem desse Ceará moleque, Chico Anyzio, Falcão, Tom Cavalcante... Quando esse pessoal todo se consagra, esses episódios diferenciados que trazem consigo alguma identificação de humor em si, a vaia veio a reboque como expressão dessa molecagem. Quando completou 10 anos, talvez não tenha sido tão comemorada, 20, 30, mas dos 50 anos pra cá, muito mais. É quando ocorre de transformar toda essa efervescência em negócio. Esse momento propicia que você enxergue naquela vaia uma expressão do Ceará moleque.

OP – O que você configura como uma molecagem tipicamente cearense?
Tarcísio - Uma das maiores expressões é essa vaia.

OP - Mais que consagrar um bode ou fazer chacota de alguém?
Tarcísio – Mais. As pessoas se juntarem numa praça e lascarem uma vaia no sol porque não choveu três dias, pra mim não existe nada igual.

OP - Engraçado que a vaia da gente é diferenciada. Não é aquela uuuu, é aquela ieeei... De onde é que vem isso?
Tarcisio - Da mundiça, da molecagem. Tem uma parte que é fuleragem e eu acho que isso é espiritual. Acho que Deus resolveu colocar num canto de planeta chamado Ceará um bocado de gente que veio doutras paragens cósmicas e disse: “Eu vou colocar essa fuleragem toda junta”. Porque a nossa vaia é diferente. Uma coisa é essa vaia elegante do europeu. Uma vaia contra um [Silvio] Berluconi [ex-primeiro-ministro da Itália] é assim uhhh, muito técnica, palaciana. A nossa vaia vem da alma e vem acompanhada, inclusive, de alguns misancenes. A gente faz uma espécie de concha que é pra dar mais acústica e faz assim ó: ieeeeeeeeeei! [grita, se curvando levemente e fazendo a concha da acústica com a mão para depois cair na gargalhada]. Essa vaia não traz uma maldade dentro dela, não é para diminuir, ela é uma expressão de uma molecagem que é típica. O cara vaia por nada. Eu fui lançar meu livro na Bienal e não tinha ninguém, e quem foi apresentar foi o [jornalista] Moacir Maia. Quando ele viu que não tinha ninguém, pegou o microfone e disse: “Pessoal, já que o livro é Vaiando o Sol, vamos dar uma salva de vaia para ele”. Esse Centro de Convenções todinho uníssono: “Ieeeeeei”. Vendi 200 livros depois disso.

OP – Você falou que Deus colocou os fuleragens todos juntos aqui, mas o humor é realmente uma coisa só nossa?
Tarcísio – Não, ave Maria! A Paraíba tem demais, o Piauí tem, São Paulo, Rio, são formas diferentes de fazer humor.

OP – O que diferencia o humor do cearense?
Tarcísio – Ele é minimalista e eu sou um representante desse minimalismo do humor. Essa coisa do bate-pronto, sem complexidade, sem leituras psicológicas que tornam difícil a compreensão da graça.

OP – É a piada besta?
Tarcísio – Você fechou a história: é o besteirol. O Jair Morais acabou de ligar aqui e disse: “Tarcisio, tô te ligando para contar a história de dois personagens daqui do Vila União. É um casal: o Raimundo Cu de Rede e a Cristina Catarro”. Perguntei: por que esse nome? Ele: “Porque o fi duma égua vive deitado e a catarro porque fuma demais e vive tossindo”. [cai na gargalhada]. Então é essa besteira sem elucubrações teóricas, é o pei-bufo.

OP - Ainda falam muito, principalmente, do humor que está no palco, que é vendido para turista, aquele humor mais escrachado, do palavrão...
Tarcisio – Aí nós temos que fazer uma diferenciação. Existe aquele humor moleque do Ceará, do Quintino Cunha, Paula Ney, que faziam humor sem a intenção de ganhar dinheiro com isso, só pela graça, pela espiritualidade natural do cearense. Aí vai o palavrão, ou não. Apesar de ele ser besteirol, mas ele tem inteligência. O que diferencia o humor de hoje que são agressivos, de baixo calão? É que muita gente se arvorando a ser humorista, acha que contar uma piada é ser humorista e não é.

OP – Tem uma diferença entre humor encontrado nas esquinas, no Vila União, nas mesas de bar do humor que a gente vê nos palcos?
Tarcísio - Esse é o humor para o turista ver: teatralizado, pasteurizado, é uma expressão do humor que se faz com a intenção de ganhar dividendos, de profissionalizá-lo. Acho que falta produção, falta competência para ser moleque a muitos desses humoristas que estão aí.

OP - O cearense consegue rir do nosso humor?
Tarcisio – Sim, a gente ri até do nosso povo, até na hora da morte. A nossa condição de adversidade é tão grande que uma das formas de expressar isso é no humor. Ao invés de entrar naquela depressão, eu vou pelo menos mangar de mim. Não vejo isso como uma coisa ruim, negativa. É uma forma de recalque, mas não aquela da psicologia que entulha o homem de dores internas. É um recalque, mas eu vou colocar pra fora pra melhor passar. Aí se juntam uns cinco ou seis pra fazer a esculhambação e, no outro dia, tá tudo feliz.

OP – Até onde é bom para o Ceará sempre ser visto como o engraçado?
Tarcisio – Fazer alguém rir é muito mais difícil que fazer alguém chorar. O humor é também uma expressão da inteligência. Essa espiritualidade num é pra qualquer um não e isso já diferencia. Você fazer rir, é uma graça, uma bênção. Num to dizendo que isso nos faz mais feliz ou menos feliz, mas pelo menos nos dá a condição de sofrer rindo.

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espaço do leitor
Alessandra Bortoluci 30/01/2012 13:14
Muito boa essa matéria. E é verdade essa fama do cearense. Alessandra Bortoluci
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