[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] O horror da guerra é atemporal - New York Times
The New York Times 10/09/2012

O horror da guerra é atemporal

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Faz 75 anos que Pablo Picasso pintou “Guernica”, sua reação ao bombardeio pelos fascistas de uma cidade basca em 27 de abril de 1937, no qual mais de 1.600 pessoas foram mortas. A imagem —de caos, terror, agonia, decepção e desespero— capta a essência da guerra moderna como nenhuma outra. Tudo é contorção e deslocamento enquanto as bombas de Hitler, a pedido de Franco, caem sobre um mercado no norte da Espanha. Um homem grita, uma criança jaz inerte, um cavalo relincha; cada expressão exige saber por que o céu agora traz morte, e não luz.

 

Alguns dias se passaram antes que a notícia do massacre chegasse a Paris. Um milhão de manifestantes foram às ruas. Picasso recebeu um pedido para pintar o mural para uma próxima exposição internacional. Ele começou desenhando em seu estúdio. Três meses depois “Guernica” foi revelado no Pavilhão Espanhol, com uma recepção inicial geralmente crítica. Mas rapidamente ganhou aclamação quando foi mostrado em outros lugares da Europa e da América do Norte.

 

Picasso, em sua fúria contra o crime nazista, fez o que todo grande artista faz: destilou emoção em uma expressão eterna, através da imaginação e do rigor formal. Ele pegou os mais de 1.600 mortos e fez de sua morte em um ataque insensato uma imagem tão atemporal que bem poderia expressar a matança atual, por outro tirano, de civis sírios em Alepo.

 

É claro que temos inúmeras imagens diariamente da guerra síria e dos crimes do presidente Bashar Assad em defesa dos 42 anos de despotismo de sua família. A vida hoje é um carrossel de fotos e vídeos, tanto que é difícil dar peso, momento ou gravidade a qualquer uma delas.

 

Uma coisa de que “Guernica”  nos lembra em sua força multifacetada é a importância parar e olhar para uma imagem durante minutos, para sentir como é quando a guerra tira vidas: como essa dor é vivida e revivida através de gerações e tem um poder próprio de gerar conflitos.

 

É raro hoje que uma imagem de guerra capture a atenção por algum período de tempo. Uma foto ou vídeo, às vezes, se torna viral —a morte da bela estudante Neda Aga-Soltan na rebelião iraniana de 2009 foi um caso—, mas desaparece rapidamente. A dispersão da atenção é uma das características de nossa era.

 

Picasso disse certa vez: “O que vocês pensam que é um artista? Um imbecil que só tem olhos, se for um pintor, ou ouvidos se for um músico, ou uma lira em cada nível de seu coração se for um poeta, ou mesmo, se for um boxeador, apenas músculos? Pelo contrário, ele é ao mesmo tempo um ser político, constantemente vivo para acontecimentos emocionantes, fogosos ou felizes, aos quais ele reage de todas as formas. Não, a pintura não é feita para decorar apartamentos. É um instrumento de guerra para ataque e defesa contra o inimigo.”

 

Sim, a grande arte é política, mas “Guernica”  falhou em um sentido. Ele foi pintado para despertar a consciência contra o fascismo e impedir sua disseminação. Mas dois anos depois, Hitler havia mergulhado a Europa na Segunda Guerra Mundial,.
Meu tio, Bert Cohen, um jovem oficial sul-africano, lutou naquela guerra. Na Itália, ele descreveu o que aconteceu em  Finale Emilia: uma bateria de artilharia pulverizou um enclave alemão. Veículos destroçados fumegavam. Na chacina, munição explodia e pneus estouravam. O odor de carne queimada e putrefação enchia o ar, intestinos de animais mortos inflavam suas carcaças.

 

Um alemão morto, em particular, chamou a atenção de Bert: um jovem louro de mandíbula quadrada, com nariz longo e reto, cabelo salpicado de sangue, as pernas retorcidas de forma grotesca, o abdômen aberto, voltas de intestinos espalhando-se sobre a poeira, os olhos azuis fixos no infinito. Ao lado do cadáver havia cartas espalhadas, da mãe do soldado em Hamburgo. Ela falava sobre “der Angriff”, o bombardeio aliado à cidade que matou mais de 42 mil pessoas. Sem saber o que fazer, Bert devolveu as cartas ao bolso do morto —e se perguntou pelo resto da vida se tinha feito a coisa certa.

 

A guerra é universal, mas sua agonia é individual e duradoura. Em seu 75° aniversário, “Guernica” nos expõe responsabilidades que esta era nos inclina a esquecer.

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