[an error occurred while processing this directive] O olhar treinado de um jornalista e a notícia da crise | Páginas Azuis | O POVO Online
EUGÊNIO BUCCI 02/05/2016

O olhar treinado de um jornalista e a notícia da crise

Articulista e professor discute comportamento da imprensa na cobertura da crise, admite erros, mas critica PT e governo por investirem na vitimização
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Os textos que Eugênio Bucci escreve periodicamente em órgãos como o jornal O Estado de S. Paulo e a revista Época ajudam a entender o momento brasileiro difícil, especialmente observando-o na perspectiva do noticiário. Jornalista de 58 anos, ex-petista, presidente da Radiobrás no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, ele é crítico do ex-presidente e do partido, acusando-os de optar por um discurso de vitimização para encobrir erros cometidos desde a chegada ao poder em 2003.Bucci, que conversou com O POVO por telefone, na noite da última quinta-feira, chama atenção para o fato novo e positivo de o comportamento dos jornais e das emissoras brasileiras ser acompanhado hoje com atenção pela mídia internacional. Confira a íntegra da entrevista:
 

O POVO – Qual sua análise sobre o dramático cenário político que o País vive hoje? O que nos trouxe a essa situação?
EUGÊNIO BUCCI – É difícil ter-se uma explicação sobre o que trouxe o Brasil, em especial o governo e o PT, a tamanho grau de corrosão, declínio, desmoralização. É obrigatório que a gente enxergue um conjunto de fatores, há muitas coisas que contribuem, mas, a minha interpretação tende a encontrar a responsabilidade do governo, do PT, do Lula, da (presidente) Dilma Rousseff. Porque há um discurso que se propaga com muita velocidade, e que encontra eco em muitos segmentos da sociedade, atribuindo a culpa dessa tragédia ao vice-presidente Michel Temer (do PMDB), a uma conspiração de supostas elites e a uma galvanização que teria sido arquitetada no âmbito de uma imprensa burguesa, da grande mídia. Para mim, esse discurso não passa de uma mistificação que, embora encontre eco num primeiro momento, não vai ter fôlego para os próximos meses. Nós ainda veremos muitas manifestações, muito pneu queimado, muita crucificação de vilões, de inimigos, de sabotadores, de conspiradores construídos nessa retórica, só que nada poderá adiar o encontro do PT consigo mesmo, o encontro dos sonhos que levaram o (ex-presidente) Lula ao poder, esses interesses repulsivos que devoraram aqueles sonhos originais.

OP – O senhor viveu aqueles primeiros momentos, fazia parte do governo, como presidente da Radiobrás, quando eclodiu o primeiro escândalo, o do Mensalão.   O PT não soube extrair as lições daquele episódio, não fazendo a refundação que alguns, como o então ministro Tarso Genro, defendiam que era necessário fazer a partir de toda aquela situação? Ao ponto de termos tudo de volta agora, só que em dimensão aparentemente maior, com o chamado Petrolão.
BUCCI – Concordo com essa premissa, acho que naquele momento era possível que o PT apresentasse um balanço mais rigoroso e tivesse abertura para expor, discutir publicamente, os erros de alguns dos seus quadros, seus militantes, com perspectiva de superar estes erros num novo marco de elaboração política, o que significaria uma refundação, o que é possível que tivesse evitado as tragédias posteriores. Mas, por outro lado, o que as investigações têm mostrado é que o Petrolão guarda conexões profundas com o escândalo do Mensalão, então aquilo que vivíamos em 2005, 2006, era a revelação de uma parte das histórias subterrâneas. Outras já estavam em marcha, então, era possível que desse para fazer uma revisão, uma autocrítica, usemos o termo que quisermos, mas, por outro, pode ser que já fosse tarde demais. Este é o ponto que gostaria de destacar: nós só sairemos dessa situação, das pessoas que de alguma maneira participaram do governo ou de alguma forma acreditaram nas promessas do PT, e eu me incluo nesse campo, se tivermos uma conversa de gente grande. A conversa de gente grande impõe que nós saibamos encontrar as responsabilidades entre as pessoas que foram protagonistas da história e não buscar um inimigo externo para jogar sobre ele toda a culpa de uma evolução política da qual eles não foram protagonistas. Este truque retórico de encontrar, ou inventar, um inimigo externo para ele absorver a culpa que nós queremos exorcizar de nós mesmos é um caminho muito fácil, mas muito infantil também, então, é preciso fazer uma conversa de gente grande. Parte dessa responsabilidade precisa ser discutida em torno da pessoa do Lula, que foi o único que escolheu a Dilma Rousseff como sua sucessora, escolha que ele impôs ao partido que, obedientemente, acolheu essa solução. Ora, a Dilma se revelou de muito pouca habilidade, pouca condição de diálogo, pouca competência no manejo das coisas da política, embora seja, ela mesmo, uma pessoa respeitabilíssima, uma pessoa admirável, de virtudes morais que me parecem indiscutíveis. A Dilma tem sido vítima de um processo de impeachment baseado num argumento que é casuístico, essa configuração da pedalada fiscal como um crime de responsabilidade, trata-se de uma pessoa honesta sendo condenada por um conjunto de pessoas implicadas com corrupção. Isso é uma iniquidade, é uma injustiça, mas ela fez um governo desastroso, não há como dizer outra coisa. Em grande medida, ela cai porque conduziu um governo desastroso, sem conseguir dialogar com o Congresso Nacional. É uma situação muito triste, só que ela foi produzida a partir de responsabilidades que estão dentro do Partido dos Trabalhadores, dentro dos ministérios dos governos da Dilma Rousseff e dentro do gabinete da presidência da República, debate-se isso ou não terá sido um balanço de gente grande.

OP – No entanto...
BUCCI – Ainda completando minha resposta, um dado curioso a destacar é que o Michel Temer assinou várias das pedaladas fiscais. Ele pode dizer que como vice-presidente o que lhe cabia era assinar, mas a Dilma está sendo impedida, pode estar perdendo o mandato por ter cometido um erro praticado também com a assinatura do Temer. Trata-se de outra iniquidade do momento que vivemos.

OP – Pois é, esse papel que o Temer desempenha hoje, articulando abertamente a formação de um novo governo, fazendo convites a candidatos a ministros, discutindo ideias e situações com políticos, sindicalistas, empresários etc, enquanto o processo de impeachment caminha no Congresso sem ainda uma certeza de que levará ao afastamento da presidente da República, de quem ainda é o vice, o que diz da nossa política atual?
BUCCI – Como cidadão, até escrevi sobre isso no jornal, observo que existem notas um pouco excessivas nesse ritual que agora tem como sede o Palácio do Jaburu (residência oficial do vice-presidente). Aquela romaria de políticos como se estivéssemos formando um governo paralelo, como se estivéssemos formando um vice-governo, enquanto o governo do qual ele ainda é vice-presidente está no poder. De fato, há algumas notas bastante incômodas, não sou ninguém para criticar ou ficar espezinhando o vice-presidente ou mesmo a presidente da República, mas que essa situação não é normal, ela não é normal. Não é algo que faça parte do rito constitucional e não é algo que corresponda aos deveres do vice-presidente da República, a quem cabe assumir o posto no caso de impedimento. Talvez o Brasil esperasse que ele conseguisse ser um pouco mais discreto, mais contido. Por outro lado, no entanto, pode-se argumentar que ele precisa se preparar e é o que está fazendo, mas, seja como for, é uma situação incômoda para todo mundo. Até com aspectos pitorescos, como aquela situação em que ministros convidados acabam desconvidados...

OP – Tem até gente que já caiu como ministeriável.
BUCCI – Pois é, já tem até ex-quase futuro ministro, temos convocação, nomeação e demissão de ministro para um governo que sequer existe, ainda. É, de fato, uma situação incômoda.

OP – O senhor tem defendido como condição para o Brasil superar a crise que se estabeleça um diálogo entre as lideranças no qual as agendas partidárias sejam colocadas de lado, em plano secundário. No clima atual do País há espaço para que algo do tipo aconteça?
BUCCI – Eu esperava que sim porque você vê que as articulações em torno do governo Temer, a toda hora, levantam esse ponto, sempre aparece alguém dizendo que as conversações precisam ser entaboladas em torno do interesse nacional e não das agendas partidárias. O problema, o aspecto lamentável, é que isso está acontecendo apenas de um dos lados do tabuleiro, a conversa ou essa perspectiva de entendimento de alto nível exclui todo o outro campo, exclui o PT e os partidos que orbitam em torno do governo Dilma e isso não é suficiente.  A Dilma, como presidente da República, deveria ter tido a grandeza de chamar esse diálogo, ela, no discurso da vitória no dia em que ganhou as eleições no segundo turno em 2014, fala em liderar um governo voltado para o diálogo, mas tem o capricho perverso de não citar o nome de Aécio Neves (candidato derrotado). Ora, o discurso de uma presidente que fala em diálogo deve começar pelo agradecimento ao candidato que disputou a eleição com ela e este candidato sequer foi nomeado. Dias depois ela volta a falar em diálogo, mas tem dificuldade, nunca fez um gesto significativo, realmente, enfático na direção de chamar para um diálogo nacional. Depois que a crise se agravou ela começou a falar em convocação de eleições gerais, que também pode ser uma formula que permita uma repactuação, portanto, uma nova fase de entendimento e de consenso. Acontece que para ela falar disso agora é tarde demais e a resposta do Michel Temer à proposta...

OP
– Chamando de golpe, não é?
BUCCI – É, é anedótico, até. Estamos cercados de golpes por todos os lados, portanto. É uma piada! Claro que convocar uma eleição através do Congresso etc não é golpe, mas nesse momento, para o governo da Dilma, parece tarde demais. Então, continuo dizendo que a única saída para o Brasil é pelo diálogo, é a busca do entendimento a partir de uma pauta na qual o interesse nacional sobrepuje a agenda partidária. A questão é que estamos na perspectiva de fazer isso apenas com um dos campos do jogo político brasileiro...

OP – Excluindo um campo, no qual estão PT, PCdoB, Psol, PDT, com aparente maior capacidade de mobilização.
BUCCI – Não diria que é que tem maior capacidade de mobilização, mas, sem dúvida, deixar de fora de um entendimento o PT e outras forças próximas a ele é muito ruim.

OP – Em relação à parte que nos toca, ao comportamento da mídia, da imprensa no acompanhamento de toda essa crise, quais as reflexões que o senhor em feito? Há no governo Dilma, no PT, o próprio Lula tem jogado muita responsabilidade sobre o noticiário em relação a todo o cenário que enfrentamos.
BUCCI – Sem dúvida nenhuma, é obrigatório, eu diria, que os jornalistas, os jornais, as redações, estejam muito atentas à responsabilidade que têm e à necessidade de corrigir erros rapidamente. Os mais graves que tenho visto, nos jornais, revistas, nas emissoras de TV e redes de grande circulação, é o desequilíbrio, isso não vale para todos, houve um certo toque de preponderância dos argumentos a favor do impedimento da presidente Dilma Rousseff, em detrimento dos argumentos que a defendiam. Este desequilíbrio é ruim, depõem contra a imprensa, que não tem poder para derrubar um governo, mas ele corrói a sua credibilidade. Quanto a isso precisamos ter muita atenção. Mais do que isso, somente poderá ser dito depois, quando começarem a surgir os estudos do comportamento da mídia nesse período, com a exatidão necessária, a precisão necessária, se é realmente o que se passa ou se é mais uma impressão que fica devido ao comportamento de alguns jornais de maior destaque. É uma sensação que tenho, é uma sensação de alguém que tem olhos mais ou menos treinados, mas insisto em colocar como uma sensação que precisa ser muito observada com cuidado e corrigida, se estiver acontecendo neste ou naquele jornal. Ou seja, uma pessoa que defende o governo Dilma não está defendendo, necessariamente,  a corrupção, da mesma forma que alguém que defenda o impeachment não é, necessariamente, uma pessoa sem laço com corrupção. Não existe uma separação entre o bem e o mal, há gente de bem de um lado e de outro, há gente de boa fé de um lado e de outro e há gente comprometida com o malfeito de um lado e de outro. A salvação nacional não significa todo poder a Michel Temer, não significa ‘fora PT e Dilma Rousseff’, o jornalismo tem a responsabilidade de ir aos fatos, fazer as verificações e não pode entrar no jogo do bem contra o mal. Não é disso que se trata, principalmente agora. Por outro lado, também precisamos lembrar que quando Lula, ou seguidores dele, falam de complô da imprensa, é comum que a imprensa vá numa direção e o povo vá em outro, não há o poder que se tenta atribuir a ela. No Brasil e fora do Brasil. Em 1984, quando fizemos a campanha das Diretas Já, os comícios não apareciam na televisão, era época ainda da ditadura militar, e, por uma razão ou outra, eram eventos mal retratados, mal documentos, as reportagens da televisão eram parciais, tímidas, e mesmo assim foi um fenômeno de massa. Contra tudo aquilo que aparecia na TV. Em 1974, quando ainda havia censura, era um período brutal da ditadura, o MDB ganhou as eleições em vários estados brasileiros, o Orestes Quércia se elege senador em São Paulo, aos 35 anos, contra o consenso aparente nos jornais que nada indicava nessa direção. A imprensa nunca teve poder de ditar opinião do povo, as pessoas são inteligentes, tem discernimento, a história mostra isso. Quando essas pessoas mal intencionadas colocam a culpa na imprensa por aquilo que as pessoas pensam nas pesquisas de opinião estão ofendendo estas pessoas, fazendo crer que o sujeito não tem opinião própria, vê uma coisa no jornal e sai repetindo acriticamente. Não é verdade que seja assim! As pessoas têm suas opiniões, às vezes concordam com aquilo que os jornais publicam, em outras vezes discordam e, muitas das vezes, sequer leem o que está nos jornais. Isso é uma invenção de um inimigo artificial para por a culpa no outro, culpa por erros que são do próprio governo.

OP – Quando a gente olha, por exemplo, o noticiário relacionado à Operação Lava Jato, que tem sido um combustível importante para a crise e o processo de desgaste do governo do PT, a abordagem no noticiário envolvendo os nomes da oposição, a começar pelo presidente nacional do PSDB e ex-candidato à presidência da República, Aécio Neves, citado....
BUCCI – Ele foi citado, não é réu.

OP – Pois é, foi citado. O noticiário tem sido equilibrado quando se considera as situações em que surgem nomes oposicionistas importantes nas investigações, como é o caso do Aécio? O PT se queixa que não.
BUCCI – É preciso analisar, pra gente não cometer a injustiça de ficar generalizando. Deixa eu localizar um caso que conheço um pouco melhor, que é o mensalão tucano, que aconteceu em Minas Gerais. Pelo menos em relação aos jornais de São Paulo a cobertura foi tímida, deveria ter sido maior, merecia mais destaque. Por quê? Para que os leitores, os telespectadores, o público em geral, não ficassem com a impressão perniciosa para a imprensa de que os jornalistas escondem o mal feito de um lado ou de outro, Acho, mesmo, que o mensalão tucano poderia ter recebido um pouco mais de destaque. Agora, se a gente compara as cifras envolvidas, o Mensalão tucano é troco, é dinheiro de pinga, quando comparado ao Mensalão do PT e, principalmente, ao Petrolão. É incomparável a magnitude do dinheiro desviado nos casos envolvendo PT e PMDB e nos casos que envolvem o PSDB. A imprensa precisa se preocupar em mostrar que não defende um lado, precisa ser rigorosa para mostrar equilíbrio, mas, dentro do que foi noticiado como comprovado até agora, os bilhões de reais do Petrolão e no caso relacionado à Operação Lava Jato deixam no chinelo o Mensalão tucano. Uma outra coisa que precisa ver é que o partido que está no poder federal deve mesmo ser fiscalizado com mais rigor pela imprensa. Isso justifica uma atenção redobrada sobre essas autoridades, o interesse jornalístico maior é natural. Quando o PSDB estava no poder, a gente estuda o assunto e vê que a imprensa noticiou muito, também, casos de corrupção. Vamos lembrar que os grampos do BNDES derrubaram autoridades do governo Fernando Henrique Cardoso. E eram grampos contestados, mas a imprensa veiculou. Vamos lembrar, também, que a entrevista de Pedro Collor em 1996 à revista Veja mostrava uma pessoa lançando uma série de acusações graves contra o então presidente da República sem provar nada. Mas foi publicada e tinha justificativa para sê-lo. Então, quem está no governo deve, sim, ser investigado com mais rigor pela imprensa. Não considero que tenha havido conduta partidária da imprensa na sucessão de revelações da Operação Lava Jato, pelo menos no seu conjunto.

OP – E o papel das redes sociais, qual seria?
BUCCI – O dado novo das redes sociais, o que estamos vendo de muito perto aqui no Brasil é que elas potencializam a polarização e a fanatização. Há muita notícia falsa na rede social, é engraçado, até, porque muitas vezes as falsificações viram verdades de acordo com os humores, o ânimo ou da raiva. Vivemos dias de muita manifestação de ódio, muito preconceito, muita intolerância e tudo isso ecoa com muita violência verbal nas redes sociais. Ao ponto de a gente ter uma preocupação de, numa hora ou outra, se traduzir em cena física., Até agora não aconteceu, mas a sensação que dá é que estamos numa margem de risco. Aquele muro em Brasília, na Esplanada dos Ministérios, é uma espécie de cicatriz do nosso momento político de intolerância e de segregação. É como se nós tivemos dois Brasis, igualmente fanáticos e que não se suportam, uma situação bastante potencializada pelas redes sociais e nem tanto pela imprensa.

OP – A chamada mídia tradicional tem sabido buscar uma atuação mediadora, exatamente para ajudar a identificar o que é de notícia de fato em meio a esse ambiente que as redes sociais têm ajudado a tensionar?
BUCCI – Talvez ainda falte um tempo para que a sociedade se eduque para lidar com as redes sociais, porque, muitas vezes, ainda não há o discernimento necessário para saber que tipo de crédito pode-se dar àquilo, de onde vem etc. Alguém recebe de alguém uma foto, por exemplo, e acredita que seja verdade. Por mais que as pessoas estejam sendo alertadas, a propagação de calunias ainda é muito forte. A imprensa tem sabido lidar com isso? A grande parte sim, mas a verdade é que grandes organizações ainda estão atônitas com relação a essas novidades da era digital. Isso não acontece apenas no Brasil, é em todo o mundo, mas aqui temos uma situação agravada por essa intolerância, por essa impaciência, por essas manifestações horríveis de ódio.

OP – Em relação á disputa entre governo e oposição, hoje, pela opinião pública internacional. Que fenômeno é esse?
BUCCI – É bom apontar a questão, porque hoje o balanço da postura ética da mídia brasileira interessa à comunidade da imprensa internacional. Isso vem no bojo de um impulso de internacionalização do jornalismo, como mostra o fato de algumas das grandes reportagens da atualidade serem levadas a cabo por esforços de coletivos de jornalistas que não pertencem a empresas, a Redações, não apresentam fins lucrativos e que coordenam os trabalhos de centenas de repórteres em dezenas de países. Foi assim com o Swissleaks, foi assim agora com o Panama Papers, ou seja, a reportagem se internacionalizou. Já se fala agora em jornalismo transfronteiriço, jornalismo transnacional e, nesse ambiente, se um jornal do Brasil sai dos parâmetros éticos que se espera da imprensa de qualidade esse tema vai interessar à comunidade jornalística do mundo inteiro. Por isso é que temos visto debates em torno disso no Guardian, The Economist (da Inglaterra), no Le Monde (França), na CNN (Estados Unidos), o que contribui para que nossa imprensa fique mais atenta e melhore. Os assuntos da imprensa não têm mais como serem resolvidos na discussão entre quatro paredes, é no debate público que o jornalismo pode melhorar. Então, surgem contestações à conduta da Rede Globo, à conduta da revista Veja, de um outro veículo e todos eles precisam se defender nas arenas públicas, mostrando, como muitas vezes conseguem mostrar, que estão agindo corretamente. Agora, se o público não enxerga isso eles estão com um problema grave, e se a comunidade internacional de jornalistas também não enxerga isso o problema grave vai a uma outra potência. É interessante que, nessa hora, quem mede a qualidade da imprensa brasileira é o público, mas é também o debate da opinião pública internacional. Este é um ponto para o qual chamo atenção, como uma novidade muito boa, profilática.

OP – O senhor viveu a experiência de presidir uma empresa pública de comunicação, a Radiobras, no primeiro governo Lula e em especial quando da fase mais aguda do escândalo do Mensalão. Hoje, diante da crise da Lava Jato, do impeachment e estas que envolvem o momento político nacional, acompanha o noticiário dos veículos oficiais ligados ao Governo e ao Congresso? Está satisfeito? Algo lhe chama atenção em especial?
BUCCI – Não tenho acompanhado muito. Mas, na semana que antecedeu a sessão que votou o pedido de impeachment na Câmara, que acompanhei inteira, assisti a Voz do Brasil e fiquei espantado. Aos meus olhos, como já disse, houve um desequilíbrio nos órgãos de imprensa em relação ao noticiário do impeachment, mas um desequilíbrio ainda mais grave se deu na Voz do Brasil. O horário destinado ao Executivo na Voz do Brasil transformou-se em palanque contra o ‘golpe e de defesa do mandato da presidente Dilma. Aquele é um informativo do Poder Executivo federal, não é um informativo pessoal da presidente da República. Não gostei, nos termos que regem a Voz do Brasil houve uma distorção, a despeito do meu entendimento de que o processo movido contra a presidente Dilma Rousseff é injusto, baseado numa alegação de crime de responsabilidade que me parece casuística. Não concordo com, a acusação que se lança contra ela como fundamento do impedimento definitivo, não me solidarizo com estes que pedem o impeachment, mas acho que o uso que foi feito da Voz do Brasil na semana que antecedeu a votação na Câmara foi indevido.

OP – Na condição de estudioso da comunicação, o senhor é otimista com o futuro do jornalismo?
BUCCI – Com o futuro do jornalismo sou otimista, muito otimista. O tema nunca foi tão debatido, as matérias, os artigos nunca circularam tanto, estamos formando novas gerações de jornalistas muito inovadoras, originais, engajadas, com outro tipo de horizonte. Agora, o futuro das empresas jornalísticos é problemático, os desafios são brutais. Sou otimista com o futuro da imprensa porque a democracia hoje está atrelada à imprensa, no mundo inteiro, e há uma educação crescente das novas gerações com relação a imprensa, um olhar critico. Tudo isso me anima.

 

Perfil

 

Eugênio Bucci, paulista de Orlândia, onde nasceu há 58 anos, é professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da USP. Foi presidente da Radiobrás entre os anos de 2003 a 2007, primeiro governo Lula, e integrou o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta (TV Cultura de São Paulo) de 2007 a 2010. Foi Secretário Editorial da Editora Abril, onde comandou as redações das revistas Superinteressante e Quatro Rodas. Ganhou o Prêmio Esso de “Melhor Contribuição à Imprensa”, em 2013. Atualmente, concilia a vida acadêmica com a assinatura de artigos periódicos no jornal O Estado de S. Paulo e na revista Época. 

 

PERGUNTA DO LEITOR

 

Glícia Pontes, professora da UFC
 

Pergunta - De que forma o senhor acha que as novas tecnologias e a produção de conteúdo na internet põem em xeque a cobertura dos meios tradicionais e considera essa produção qualificada.?
Bucci - Jornalismo de qualidade é jornalismo feito por jornalistas profissionais. É fundamental que as redações sejam Integradas por equipes remuneradas regularmente em condições dignas para poder se dedicar ao ofício de informar a sociedade com Independência. O chamado o jornalismo cidadão ou jornalismo voluntário pode ser uma contribuição excelente, mas não deve ser encarado como uma solução de longo prazo. Os conteúdos que encontramos nas redes sociais muitas vezes vêm de núcleos que não contam com jornalistas profissionais e podem estar a serviço de causas muitas vezes inconfessáveis, como propaganda religiosa disfarcada de informação isenta, calúnias pagas por grupos mal intencionados e proselitismo barato. Eu recomendo que as pessoas desconfiem de todas as informações que não provêm de redações, sejam elas públicas ou privadas, conhecidas e respeitadas. .  

 

ESTANTE

 

O ESTADO DE NARCISO
Crítica: Discute as táticas de informação no poder público e sugere revisão no que chama "usina de propaganda ideologica" e de "autopromoção".
 

A IMPRENSA E O DEVER DA LIBERDADE
Crítica: Discussão sobre ética, relação do jornalista com o poder, o papel da imprensa e a liberdade. Para Bucci, ser livre não é opção, mas um dever.
 

EM BRASÍLIA, 19 HORAS
Crítica: Um relato da trajetória pessoal de Bucci, no primeiro governo Lula, à frente da Radiobras. Fala de suas dificuldades para fazer uma comunicação de Estado.

 

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