[an error occurred while processing this directive] "Se não houver pressão, teremos uma mudança cosmética" | Páginas Azuis | O POVO Online
DANIEL AARÃO REIS 14/03/2016

"Se não houver pressão, teremos uma mudança cosmética"

Historiador e escritor, Daniel Aarão Reis assegura que, para que haja mudança real, a "voz das ruas' deve se manter presente, pressionando o sistema político e o Congresso
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Henrique Araújo henriquearaujo@opovo.com.br

 

Professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e vencedor do Prêmio Jabuti de melhor biografia por Luís Carlos Prestes, um revolucionário entre dois mundos (Cia. das Letras), Daniel Aarão Reis analisa o momento político nacional, sobre o qual diz: o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) dependerá agora da manutenção da temperatura política.


Com manifestações massivas em todo o País e às vésperas de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre embargos após decisão que fixou o rito do processo de afastamento na Câmara, situação do Planalto se agrava. Segundo ele, porém, governo ainda tem margem de manobra.


Para Daniel Aarão Reis, apesar do quadro de múltiplas crises que se abate sobre Dilma, a oposição não capitalizará uma eventual derrota do governo, tendo em vista que a Operação Lava Jato deve estender seus braços a partidos além da base governista, como o PSDB e DEM.


Entretanto, o professor avalia que a base do governo no Congresso, que já era frágil, regride ainda mais, sobretudo depois das manifestações de ontem, diante da pressão das ruas e com a perspectiva de cassação da chapa Dilma/Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ancorada no apoio do PMDB, a estabilidade de Dilma é ameaçada por desembarque do partido, em cuja convenção decidiu adiar decisão sobre o assunto em 30 dias.


O POVO - Vivemos no Brasil um momento de clímax político, com múltiplas crises se entrelaçando. Como historiador, o senhor vê paralelos com outro contexto que tenhamos testemunhado na trajetória recente do país?

DANIEL AARRÃO REIS - Depois de iniciada a transição, em 1979, que desembocou na ordem democrática, consagrada pela Constituição de 1988, houve crises semelhantes, como a suscitada pelas Diretas-Já, desdobrada na doença do Tancredo Neves e na posse do José Sarney. Houve a crise do Plano Cruzado. A crise do impeachment do Collor. A democracia é um regime crítico, sempre instável, às vezes se aperfeiçoa, às vezes, regride. Não há nada mais conservador do que desejar uma república democrática estável. Trata-se, eu diria, de uma ilusão conservadora. E o fato de a presidenta Dilma a propor diz muito do ponto a que ela chegou.

OP - Acredita que o impeachment da presidente será levado adiante ou a ideia já arrefeceu?

DANIEL AARÃO REIS - A perspectiva do impeachment arrefeceu, sem dúvida, mas nunca saiu do “ar”. A questão pode se reatualizar, no caso de um agravamento do “affaire” Lula, ou/e no caso de grandes manifestações oposicionistas, não acompanhadas por iguais manifestações em defesa do governo.

OP - Até que ponto a incapacidade do governo de manter uma base mínima no Congresso é responsável por essa crise? Que outros ingredientes desse caldo o senhor destacaria?

DANIEL AARÃO REIS - O governo tem uma base mais que mínima no Congresso. O que ali é um fator crítico é que esta base não é construída politicamente, é um amontoado de interesses – muitos, escusos ou/e fisiológicos – desconexos, sem um programa claro. O cerne da crise é dado pelo fato de que Dilma elegeu-se com um programa e adotou um outro. Praticou um estelionato eleitoral. Como José Sarney, no ocaso do Plano Cruzado. Como Fernando Collor, quando acusou Lula de querer expropriar a poupança dos brasileiros, quando ele é que preparava o assalto. Como fez FHC, iludindo as gentes sobre o vigor do Plano Real, só revelando sua crise depois de reeleito. Esta tradição de praticar estelionato eleitoral enfraquece a democracia e deveria ser evitada, denunciada e combatida. Numa reforma política deste nome, seria preciso incluir o instituto do “recall”, conferindo aos eleitores o poder de revogar um mandato concedido. Se isto existisse, nossos governantes, provavelmente, seriam mais cuidadosos com as promessas que fazem.

OP - O Congresso aprovou uma minirreforma política. Acredita que terá algum efeito sobre as eleições e o sistema político?

DANIEL AARÃO REIS – Não acredito em reformas políticas a partir do Congresso Nacional. Só se ele for muito “motivado” por pressões sociais massivas e contundentes. As elites políticas brasileiras estão muito “aristocratizadas”, muito agarradas a seus privilégios. É preciso pressioná-las fortemente para que saiam do atual estado de letargia.

 

OP - O desembarque do PMDB da base do governo pode tornar a crise ainda mais aguda?

DANIEL AARÃO REIS – O PMDB sempre foi um partido “no governo”, mesmo que tenha sido poucas vezes um partido “de governo”. Acho difícil o PMDB sair do governo, salvo se este se encontrar nas últimas. Aliás, este seria bom indício para medir o naufrágio do atual governo. Enquanto o PMDB se mantiver por perto, é sinal de que o governo ainda tem fôlego.

 

OP - De que modo a última fase da Operação Lava Jato, que conduziu coercitivamente o ex-presidente Lula e cumpriu mandados de busca e apreensão em suas propriedades, pode fragilizar ainda mais este segundo governo Dilma?

DANIEL AARÃO REIS - Caso as acusações sejam comprovadas, caso a chamada “delação premiada” de Delcídio Amaral (senador petista e ex-líder do governo no Senado) seja também comprovada, Dilma e Lula estarão fragilizados. Caso não se comprovem, poderá haver uma inversão de temperatura e pressão – eles aparecerão como vítimas.

OP - Acha que a condução “sob vara” do ex-presidente foi acertada ou a Lava Jato cometeu um erro?

DANIEL AARÃO REIS - Foi um evidente erro. O juiz (Sérgio) Moro (responsável pelas investigações da operação) e os procuradores, embora dentro da lei, pecaram por excesso. Atiraram um bumerangue que os atingiu mais do que aos acusados.

OP - O senhor identifica outros erros de atuação da Operação Lava Jato? Quais os méritos da investigação?

DANIEL AARÃO REIS - A investigação teve o mérito de apurar os crimes, processar e condenar reconhecidos responsáveis por um sistema de corrupção em larga escala. Coisa inédita no Brasil, onde se diz que os ricos nunca vão para a cadeia. Entretanto, muitos advogados, e mesmo o Moro, têm sido seduzidos pelo culto à celebridade. Vivemos na sociedade do “espetáculo”, mas é preciso restaurar a máxima de que juízes “só falam nos autos”.

OP - O senhor vê ameaça ao legado do ex-presidente Lula? Acredita que o projeto de Lula em 2018 foi inviabilizado por causa da investigação levada adiante por Sérgio Moro ou o petista, apesar do revés, ainda se mantém competitivo?

DANIEL AARÃO REIS - O legado do PT e do Lula está sob avaliação crítica. Mas Lula se mantém competitivo. O seu governo deixou uma memória de prosperidade, paz e inclusão social. Um capital político corroído, sem dúvida, mas ainda existente, como evidenciam as últimas pesquisas de opinião pública.

OP - A oposição pode se beneficiar de um colapso do “lulismo” ou, pelo contrário, também seria atingida, ainda que indiretamente, pelos estilhaços da Lava Jato?

DANIEL AARÃO REIS - Se houver um mínimo de justiça equânime, todos serão atingidos, como foi o caso da Itália quando do chamado processo das “Mãos Limpas”. O sistema político brasileiro está podre, carecendo de uma reforma profunda. Querer atribuir ao PT, à Dilma e a Lula a responsabilidade pela corrupção no Brasil é tentar tapar o sol com uma peneira.

OP - O senhor fala que o sistema está podre, mas qualquer possibilidade de mudança dependerá, sobretudo, do próprio Congresso. Acha viável que o Legislativo se encarregue de operar essa mudança?

DANIEL AARÃO REIS - Por enquanto, sem dúvida, dependemos do Congresso, mas ele só se moverá pressionado pela “voz rouca das ruas”. Se não houver pressão, teremos, quando muito, apenas mudanças cosméticas, como as que já foram aprovadas.

OP - Como estudioso das formas de organização das esquerdas no Brasil e no mundo, como o senhor analisa os efeitos que um eventual colapso da gestão Lula-Dilma teria sobre esse campo?

DANIEL AARÃO REIS - As circunstâncias estão propícias para que surja no Brasil uma alternativa de esquerda, como o “Podemos” na Espanha ou o “Cinco Estrelas”, na Itália, resgatando o que o PT tinha de positivo, de construtivo e de reformista nos anos 1980. Para isto se concretizar, no entanto, é preciso que as gentes vão para as ruas. Sem pressões sociais, este “mundo político” não anda em nenhuma direção. 

 

OP - O senhor já escreveu que o nacional-estatismo na América do Sul está em decadência. O que vem depois da falência desse modelo, um novo ciclo de
neoliberalismo?

DANIEL AARÃO REIS - Não falei em decadência nem em falência. Falei em crise. A crise está instalada e é profundamente desafiadora. Mas o nacional-estatismo tem uma longa história, bases sociais e políticas sólidas. Para que seja superado, é preciso que se construa uma alternativa, o que, até agora, não aconteceu.

OP - O que a experiência da Argentina do presidente Mauricio Macri, mesmo incipiente, tem a ensinar ao Brasil de Dilma?

DANIEL AARÃO REIS - Dilma poderia aprender era com a derrota dos Kirchner. E também de Hugo Chavez. Nas atuais circunstâncias, porém, são escassas as possibilidades de que isto aconteça.

 

OP - O senhor venceu o Prêmio Jabuti de melhor biografia com o livro Luís Carlos Prestes, um revolucionário entre dois mundos. Que paralelos o senhor estabelece entre o momento político vivido por Preste e o de agora?

DANIEL AARÃO REIS - Prestes viveu muitas conjunturas diferentes, mas se situou, sempre, sobretudo na última década de sua vida, nos anos 1980, em prismas muito diferentes do atual governo.

OP - É possível que, num vácuo político em que partidos e políticos se rebaixam por baixo, como efeito devastador da Lava Jato, surja uma figura aventureira como a de Donald Trump nas eleições americanas?

DANIEL AARÃO REIS - É aí que mora o perigo. Estes sucessivos estelionatos eleitorais estão levando à fragilização da democracia, criando as condições propícias para o aparecimento dos “salvadores da pátria”. Tivemos experiências lamentáveis com salvadores da pátria, basta lembrar de Getúlio Vargas, Jânio Quadros e Fernando Collor. Do que precisamos é de “democratizar a democracia” e não de líderes carismáticos, cuja dinâmica de liderança é essencialmente anti-democrática.

 

ENTREVISTA

CONVERSA. O CONTATO FOI FEITO POR E-MAIL DANIEL AARÃO REIS RECUSOU-SE A FAZER A ENTREVISTA POR TELEFONE. ENTRE IDAS E VINDAS, HOUVE 13 TROCAS DE MENSAGENS.

 

PEDIDO

LULA. A ENTREVISTA FOI REALIZADA UM DIA ANTES DO PEDIDO DE PRISÃO DE LULA. UMA ÚLTIMA PERGUNTA FOI ACRESCENTADA SOBRE O

IMPACTO DO PEDIDO.


MANIFESTAÇÕES

PRESSÃO. MESMO ANTES DAS MANIFESTAÇÕES DE ONTEM, AARÃO JÁ SINALIZAVA PARA A POSSIBILIDADE DE QUE AS RUAS PRESSIONASSEM AINDA MAIS O GOVERNO DE DILMA.

 

O POVO ONLINE

Assista a uma entrevista com Daniel Aarão Reis ao programa Observatório da Imprensa

https://youtu.be/hH3ZTQuXtlI

 

PERFIL

Daniel Aarão Reis é professor de história contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador do CNPq. Especialista em história das revoluções socialistas no século XX e das esquerdas no Brasil, é autor de diversos livros e artigos de referência, entre os quais Ditadura militar, esquerdas e sociedade (2000) e a coletânea A ditadura que mudou o Brasil (2014). Daniel Aarão Reis é vencedor do Prêmio Jabuti de melhor biografia pela obra Luís Carlos Prestes, um revolucionário entre dois mundos, publicado pela Cia. das Letras.

 

ESTANTE

 

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