[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] As fantasias de um carnavalesco | Páginas Azuis | O POVO Online
Izidoro dos Santos 04/02/2013

As fantasias de um carnavalesco

O Carnaval dos bailes, do luxo e da originalidade, das competições, das picuinhas e das vitórias, é contado por Izidoro dos Santos. Campeão em desfiles de fantasias, ele é o homenageado do Carnaval de Rua de Fortaleza
Compartilhar

Luxo em sépia. A maior parte da entrevista com o figurinista e carnavalesco cearense Izidoro dos Santos, 64, são as fotografias e recortes de jornais e revistas que ele guarda em sete álbuns de folhas autocolantes. Duas décadas de bailes saboreados e prêmios conquistados, aqui e em plena tradição carioca, falam pelo carnavalesco.

 

Izidoro é um dos grandes campeões brasileiros dos desfiles de fantasias, realizados entre as décadas de 1960 e 1990. E sempre bancou o luxo das criações com o salário de figurinista, pago por armazéns de tecidos da Capital. Ganhava um extra, que lhe garantia férias no Carnaval do Rio de Janeiro, elaborando roupas para academias de ballet como Hugo Bianchi, Gorete Quintela, Madiana Roncy, Cláudia Borges.


Ainda hoje, Izidoro possui um tanto daquela época suficiente para continuar existindo na maravilha dos reis e das rainhas do maracatu local. Na semana desta entrevista, ele se ocupava com figurinos e costuras de roupas para a corte. “Ele tem um grande estoque!”, admira a prima-irmã Maria Dulcinéia dos Santos.


Bordadeira de inúmeras fantasias, Dulce (como se apresenta) foi criada com Izidoro desde “54, o ano da Marta Rocha!”, quando se mudou do interior de Alagoas para a Capital do Ceará. É ela quem borda a memória de Izidoro, nesta conversa. Há anos, o carnavalesco venceu um vírus no cérebro, mas perdeu respostas para as perguntas que o tempo faz. Por outro lado, ficou livre para ir ao reencontro do que lhe dá prazer.

 

O POVO – É verdade, ou é mais imaginação, que o senhor é folião desde criança?

Izidoro dos Santos – Você viu meus álbuns todos? (Izidoro pula a primeira pergunta, para buscar uma pilha de seis, sete álbuns com fotografias e recortes de jornais enchendo as folhas autocolantes).

 

OP – São fotos antigas do Carnaval... Onde foi o começo? Na rua?

Izidoro – Eu morava na rua Major Facundo... Isso aqui (mostra uma notícia de 1967) foi no (ginásio) Paulo Sarasate, com o tema Mathias Beck, que foi o fundador de Fortaleza.


Dulce dos Santos - Ele começou nos concursos do Paulo Sarasate, com 17 anos.

Izidoro – Essa roupa, eu fazia tudo com o Aluísio (Silva, antigo carnavalesco de Fortaleza).

 

OP – Conte como era essa época...

Izidoro – Foi quando começou o sonho de fantasia. Eu ia a Recife, no (Baile) Municipal (um dos mais tradicionais do País, existe há quase meio século), ia pro Rio de Janeiro.

 

OP – E Fortaleza?

Izidoro – Eu ia para o Náutico.

Dulce – Primeiro, foi o Paulo Sarasate. Depois, o Náutico e, depois, o Iguatemi (Dulce assinala os palcos dos concursos de fantasias, entre as décadas de 1960 e 1990).

 

OP – Antes dos concursos, o senhor brincava Carnaval onde?

Izidoro – Eu fazia o Ispaia Brasa (bloco que se tornou escola de samba e desfilou até fins dos anos 70), na Major Facundo. Eu morava perto da Ceará Motor. Comecei lá.

 

OP – Lá era rua carnavalesca?

Izidoro – Era.

Dulce – O corso passava na (avenida) Duque de Caxias. (Dulce abre um dos álbuns de fotografias) Tá aqui, olha, 89, no Iguatemi (o shopping foi o último espaço dos desfiles de fantasias, em Fortaleza).

 

OP – E por que o senhor escolheu os desfiles de fantasias?

Izidoro – A fantasia é um sonho que a gente faz. Minha família é alagoana, sou cearense. Meu avô (Antônio Gomes dos Santos, por parte de mãe) é dos carnavais da Barra de São Miguel e tinha bloco dele. Ele era dono do Carnaval. Aquele folclore é todo dele. Meu avô é muito carnavalesco. Com sete anos, comecei a ver esse Carnaval que ele fazia lá. São blocos.

 

OP – Quando começou a participar dos concursos de fantasias, trabalhava em quê?

Izidoro- Comecei na Teleceará, como técnico. Depois, fui figurinista dos Ximenes – que, hoje, é Otoch. Depois, fui ser figurinista da (loja) Esplanada. Fazia roupa de mulher e as fantasias.

 

OP – De onde vinham as inspirações? Revistas, personalidades?

Izidoro – A gente pesquisava muito. Era o pessoal de época mesmo. Fui de baixo para o mais forte. Eu fazia originalidade, misto com luxo. Depois, passei pro luxo mesmo.


OP – Quais eram as dificuldades no começo?

Izidoro – Os materiais. As pedras eram de vidro; agora, são de acrílico. Mandava buscar, porque não tinha nada aqui. Quando o pessoal do Ximenes viaja pra São Paulo, pros negócios da Fenit (Feira Internacional da Indústria Têxtil, criada em 1958), ia comprar materiais em Osasco: paetês, strass, pedras.

 

OP – E o seu maior interesse era por quais tipos de personagens?

Izidoro – Por exemplo: (a fantasia) “Das trevas se fez luz” é tipo o Apocalipse. Até na Bíblia tem fantasias. Também fiz o maracatu, a (escola de samba) Beija-Flor. Também fui da Beija-Flor, com o Joãosinho Trinta (1933-2011, carnavalesco e artista plástico maranhense, principal nome da Beija-Flor entre 1976 e 1993). Ele vinha pro Hotel Esplanada, pesquisar comigo o que ia fazer por lá.

 

OP – O senhor ajudou Joãosinho Trinta?

Izidoro – Muito! Ele vinha pra cá. A gente fez o Norte todinho. O pessoal da Beija-Flor, todo o Rio de Janeiro, vinha fazer roupa comigo aqui.

 

OP – Como foi feita a ponte com o Rio? Qual momento da sua vida?

Izidoro – Foi por causa do Carnaval (ele viajou ao Rio, para conhecer a folia carioca).

Dulce – Ele morava aqui e, todas férias, ia pra lá. Associava férias ao Carnaval.

 

OP – Aí, conheceu o Joãosinho Trinta...

Izidoro – Foi.

Dulce – O Jésus Henrique (destaque da escola de samba), que desfilava muito na Beija-Flor, vinha aqui, pra casa, a Isabela Dantas, Edite, Mariana, todos que desfilavam. Vinham lá pra casa da Barra (do Ceará, onde moraram 30 anos).

 

OP – Depois da Major Facundo, vocês se mudaram para longe do Carnaval...

Dulce – A gente vinha pra cá, pra Duque de Caxias, pro corso.

Izidoro – Depois, pra Domingos Olímpio. Eu saía do Carnaval e ia entrar no Maracatu do Az de Ouro. Botava as fantasias do Náutico e entrava no maracatu do seu Juca, pra participar do corso.

 

OP – Era um tempo de glamour?

Dulce – Ora, como era! Era bom demais! Aquele movimento: vinha o pessoal de Recife, o Milton, o Carlos, o Dó, a Edite (todos, carnavalescos), tudo com as malas cheias de fantasias!

 

Izidoro – Quem bordava era a Dulce.

Dulce – Tá aqui, ó (Dulce se reencontra em um recorte preto e branco, entre recortes de jornais nos álbuns): era a gente bordando! Essa era uma amiga nossa, a Fransquinha; e ele provando os panos, como iam ficar. E a escondidinha sou eu! (risos)

 

OP – E como era o envolvimento da senhora com as fantasias dele?

Dulce – Ele quem desenhava, escolhia material e orientava a gente. A mãe dele era quem montava as fantasias. A gente bordava, e ela ia montando, em casa. A casa da Barra também tinha uma área assim (coberta, no quintal, com quartinho para costuras), onde a gente trabalhava.

 

OP – Quanto tempo de trabalho?

Dulce – Menina, era assim que passava a Semana Santa! Ele já estava desenhando a próxima fantasia. Às vezes, quando ele vinha do Rio, já trazia o desenho e o material.

Izidoro – As plumas vinham da África.

Dulce – Ele desfilava nos concursos de fantasias e na Beija-Flor. (Dulce passeia por fotos tirada no sambódromo carioca e Europa). Ele foi com a Beija-Flor pra Itália. Olha: Veneza, Áustria, Milão... No período de 90, mais ou menos.

 

OP – O senhor foi famoso, apareceu em revistas importantes da época. Gostava dessa fama?

Izidoro – Fui na embaixada russa.

Dulce – Mas ele nunca se empolgou, nunca subiu a cabeça. Era humilde, ajudava todo mundo com as fantasias: fazia desenho, explicava, orientava na compra de material. Ele sabia que estava oferecendo informações para um concorrente. E não se tocava! Em compensação, Deus via que era com tão boa vontade, que derrubava tudinho, o primeiro lugar era dele.

 

OP – O senhor já sofreu com a competição no Carnaval?

Izidoro – Muito. Aqui, no Rio. Você ganha aqui e cai do outro lado.

Dulce – Os concorrentes, no Rio, eram muito fortes. Ele foi da época de Evandro de Castro Lima (figurinista, bailarino e carnavalesco baiano, morreu em 1985), Clóvis Bornay (museólogo e carnavalesco carioca, grande vencedor de desfiles de fantasias, morreu em 2005), Jésus Henrique.

 

OP – Qual o momento mais difícil no palco?

Izidoro – O negócio não era só fantasia, não. É saber desfilar. É saber dominar passo a passo.

Dulce – É saber exibir.

 

OP – O senhor aprendeu a desfilar com quem?

Izidoro – Comigo mesmo!

Dulce – Já veio no sangue. Nós somos de Alagoas. A loucura por Carnaval veio no sangue, porque o avô dele tinha blocos, em uma cidade do Interior, Barra de São Miguel. Blocos de rua, tudo organizado, direitinho.

 

OP – Ele nunca sossegou nos feriados de Carnaval? Desde menino?

Dulce – Não. Desde menino.

 

OP – A senhora tem lembranças de como ele decidiu que ia fazer fantasias?

Dulce – Foi escondido, até do pai. Do Paulo Sarasate, eu ligava pra casa e dizia: “O Izidoro tirou o primeiro lugar!”. E o pai dele: “Foi?!”, achava graça. O filho era pra estudar, ser doutor. Estudava no (colégio) 7 de Setembro, que era pra criar vontade pelo estudo. Ele ainda conseguiu fazer o (curso) técnico em Contabilidade. Mas não quer nem saber que isso existe!

Izidoro – Não foi só isso. Fiz cenário, roupa de balé clássico, Cláudia Borges, Hugo Bianchi.

Dulce – O negócio dele é a arte: estilista, desenhista.


OP – E como convenceu seu pai?

Dulce – Quando ele viu as vitórias, e mais vitórias, e mais vitórias, não teve como não aceitar.

Izidoro – Eu juntava luxo com originalidade.

 

OP – Antes dos desfiles, tinha o carnaval de rua, o corso da Duque de Caxias...

Dulce – Aí, ele se metia no meio do maracatu! Como era o nome daquele maracatu que tinha lá na Major Facundo, do Raimundo Boca Mole?

Izidoro – Estrela Brilhante.

Dulce – Pois é: ele desaparecia! Pequeno, viu? Quando chegava, era dizendo: “Eu tava lá no Estrela!”.

 

OP – E o que fazia lá, criança?

Dulce – Ele ia olhar o pessoal cantar, dançar.

Izidoro – Era um quintal pequeno, botava os tambor nele. Era uma casinha de taipa, tinha tanto pé de jatobá!

 

OP – Então, seu quintal da infância foi o maracatu. O senhor tinha que ser mesmo carnavalesco...

Izidoro – Eu fiz também a (escola de samba) Girassol com o Dilson Pinheiro, do Mucuripe.

OP – O Centro também, onde passava o corso. Nos bairros mais afastados não existia Carnaval; diferente do Pré-Carnaval de hoje...

Dulce – Não, não existia. Todo mundo corria pro Centro da Cidade, pra Duque de Caxias, pra ver os blocos e os maracatus passarem.

 

OP – Qual era o grande encantamento dessa época? As próprias fantasias, as músicas?

Dulce – Eles não tinham música própria, cantavam aquelas do Rio de Janeiro, da época da Emilinha Borba. Só o maracatu tinha suas músicas, as histórias de loas.

Izidoro – Agora, o maracatu de Recife é uma coisa. O ritmo daqui é diferente.

Dulce – Gosto mais daqui. Gosto muito de Recife, mas gosto do maracatu daqui. Acho que tem mais ritmo, é mais bonito e tem um estilo dança melhor.

Izidoro – Tem a corte. Lá é mais candomblé; aqui, é o ritmo mais lento, a nobreza.

 

OP – O Carnaval daquele tempo tinha o apoio da Prefeitura?

Izidoro –Depende da prefeitura.

Dulce – Era do mesmo jeito. Só saía na hora, nos últimos dias, e era aquela mixaria.

Izidoro – Quem gosta disso doa o que tem. Quando eu peguei o maracatu Nação Iracema, doei tudo, as fantasias, o esplendor.

 

OP - O salário de figurinista ia todo para as fantasias?

Dulce – Pode crer!

Izidoro – Mas eu também viajava e comprava coisa pra casa! (risos)

Dulce – (folheando o álbum) Olhe isso aqui: uma fantasia dessa, quando chegava no Rio de Janeiro, derrubava qualquer uma!

 

OP – E o que o senhor tem feito da década de 1990 pra cá?

Dulce – Ele passou a se envolver com o maracatu de Fortaleza. Fundou o Vozes da África, junto com o Paulo Tadeu. Fundou o Baobá, junto com o Raimundo Praxedes e fundou o Nação Iracema, que já completou dez anos e é o mais novo que ele fundou, o filho mais novo (risos), com dona Lúcia e o seu Guilherme. Aí, essas fantasias, tudo o que ele tem, bota no maracatu.

 

OP – E a paixão do senhor é pelo maracatu, hoje, ou pela época das fantasias?

Izidoro – Hoje, é só dois clubes no Rio de Janeiro.

Dulce – Não tinha espírito de colaboração por parte dos poderes públicos. Não ajudavam em nada. Izidoro nunca teve patrocínio de ninguém. Todas essas fantasias foram feitas com o poder aquisitivo dele. Viagem era ele, se manter no Rio era por conta dele. É tanto que agora é que estão descobrindo que o Izidoro existe, quando já passaram 25 anos que ele desfilava na Beija Flor, no Salgueiro...

 

OP – E como se deu essa descoberta?

Dulce – (risos) Acredito que foi através do maracatu. Porque ele existia, aqui, em Fortaleza, como estilista dos Otoch, do Esplanada. Eles tinham butique de tecidos finos, e o Izidoro era o estilista. Tinha hora pra entrar, não tinha pra sair.

 

OP – O senhor tem saudade do tempo das fantasias?

Izidoro – Foi uma época que passou...

Dulce – E os companheiros foram partindo. Daqui também já foi uma porção embora: Valdeci, Santana, Miltinho... Esse pessoal tudo era novo, naquela época, e era tudo entrosado. Lá na Barra, ave-Maria, era um vai-vai de gente, que só vendo! Ainda bem que a casa era de esquina e tinha quintal grande.

 

OP – O senhor gosta de viver o presente...

Izidoro – É. O problema é que tem que trabalhar com a pessoa que gosta daquilo. Se não gostar, não vai. Porque é uma equipe. E uma equipe do contrário estraga tudo. Mas a positiva, tudo dá certo. Em todo lugar é assim.

 

OP – Como é seu tempo de Carnaval hoje?

Izidoro – Quando a gente fazia fantasia forte, sabia dominar as coisas sozinho. Hoje, a gente fica sem saber onde entrar e sair.

Dulce – Ele passa o ano fazendo cabeças e golas, que é pra ajudar aos maracatus. É quase como uma terapia ocupacional. Porque está aposentado e não está com muito movimento, entrosado no maracatu. Só quando chamam... (Dulce mostra desenhos em tinta viva) Olhe aqui: ele desenha para os maracatus.

 

OP – O senhor ainda vive o glamour de antigamente?

Izidoro – Gosto de fazer, não paro. Se parar, fico estacionado (risos).

Ana Mary C. Cavalcante anamary@opovo.com.br
André Salgado andresalgado@opovo.com.br
Compartilhar
espaço do leitor
sandro farias 12/04/2013 10:16
Sou carnavalesco do Recife!!!!Isidoro Santos grande carnavalesco nordestino,até hj ainda faz historia suas criações, foram maravilhosa, nós carnavalesco do Recife agradecemos a vc. DEUS ilumine sua vida, saúde e paz. grande campeão isidoro.
Este comentário é inapropriado?Denuncie
Fábio Sande 11/04/2013 23:46
QUE MARAVILHA!!!! O ISIDORO GRANDE PERSONAGEM ,GRANDE PESSOA QUE FEZ HISTÓRIA NO CARNAVAL DO RIO!!!COM SUAS CRIAÇÕES...SUAS DESLUMBRANTES FANTASIAS TANTO NO DESFILES DA BEIJA FLOR COMO NOS PRINCIPAIS CONCURSOS!!!PARABÉNS PELA ENTREVISTAS.
Este comentário é inapropriado?Denuncie
NEWTON SILVA 04/02/2013 13:33
Despertem! O carnaval é uma ilusão.
Este comentário é inapropriado?Denuncie
Paulo Ivan 04/02/2013 10:40
Olá, Ana Mary, ótima matéria! Trabalhei com Izidoro, além do talento inconteste, a boníssima pessoa que ele é! Ele está meio esquecido, foi traído pelo problema de saúde, mas a história permanecerá. Bom que você fez a matéria num momento oportuno. Obrigado
Este comentário é inapropriado?Denuncie
4
Comentários
300
As informações são de responsabilidade do autor:
  • Em Breve

    Ofertas incríveis para você

    Aguarde

Erro ao renderizar o portlet: Caixa Jornal De Hoje

Erro: maximum recursion depth exceeded while calling a Python object

ACOMPANHE O POVO NAS REDES SOCIAIS

Erro ao renderizar o portlet: Barra Sites do Grupo

Erro: <urlopen error [Errno 110] Tempo esgotado para conexão>