[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] A angústia nossa de cada dia | Fortaleza | O POVO Online
Violência 12/07/2012

A angústia nossa de cada dia

Desde que a esposa foi baleada na cabeça, num assalto, o medo é a companhia deste microempresário de 46 anos. Encurralado pela impunidade, ele se desespera. Seu relato é o silêncio de outras vítimas da violência. Esta série, nas próximas semanas, falará do medo
FOTO: IANA SOARES
Na mão esquerda, o microempresário guarda a aliança da esposa: ele quer ter a felicidade de volta
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O tiro, disparado no fim do expediente, contra a cabeça e o ponderável, desfigurou a vida, a começar pelo nome. No lugar do que era, existe agora o medo de ser identificado. E o medo da palavra, de tudo, de todos. Dia após dia, desde o último 19 de janeiro, o microempresário de 46 anos vive em esconderijos: trabalha dentro do carro, apagou o nome da empresa da fachada, não atende telefonema que julga “estranho”. “Para aonde eu ando, ando assustado”, resume-se.

 

O trauma sucedeu ao crime e à impunidade. “Ninguém sabe quem foi, de onde eram (os assaltantes)... A própria delegada me disse: ‘Estamos no Brasil. Aqui não é CSI (Crime Scene Investigation, série de TV), não temos polícia forense como nos Estados Unidos, nos países de primeiro mundo”, relata.


E, tentando que a história seja menos real, o microempresário volta, pela milésima vez, à tardinha do crime. Detém os segundos, investiga o silêncio, na busca solitária e tonta por pistas da quadrilha: “É tudo tão rápido. De repente, todo mundo se cala. Percebi o silêncio e, de imediato, o alvoroço. E, na hora do alvoroço, o tiro”.


Ele conta que a esposa foi o alvo, em meio a um assalto na própria empresa. Ela se ocupava dos setores fiscal e de pessoal, além do atendimento ao cliente. Dois “clientes” chegaram ali por volta das 17h30min. Despistaram o tempo de um deles sacar o revólver. Enquanto o outro roubava uma das três funcionárias, aconteceu o disparo. Depois, a fuga, em um táxi. Depois, a espera – interminável - por justiça.


“Minha esposa levou um tiro dia 19 de janeiro. (Ele diz que o boletim de ocorrência foi feito no dia 23). A delegada foi lá (local do crime) 14 dias depois, para conhecer a logística do crime (fazer a perícia)”, o microempresário não se conforma com a inoperância da polícia. “Demorou tempo demais para que começassem a fazer alguma coisa”.

 

Desabafo


Ele se queixa também da ausência de segurança. Testemunha que a empresa foi assaltada mais vezes e que tem recebido “ligações suspeitas ou ameaçadoras”, entre março e junho. Denuncia ainda que não pode fazer o boletim de ocorrência do roubo de uma moto, ocorrido na calçada da empresa enquanto o candidato a motoboy era avaliado, “porque a delegada disse que não fui a vítima”.


A empresa fica na Parangaba, em uma rua de restaurantes e outros comércios. A confecção vizinha, lembra o microempresário, mudou-se em 2011, depois do terceiro assalto. A área é vulnerável, repete o que lhe alertou o policial do Ronda do Quarteirão que ajudou no socorro do dia 19 de janeiro: “É um corredor de bandidos”, vindos de alguns bairros da Regional V.


Perseguido pelo medo e encurralado pela impunidade, o microempresário se desespera: “Não boto mais meus pés dentro da fábrica... Mantenho meu escritório dentro do carro. Adotei essa medida por uma insegurança absurda”.


A violência, no meio do caminho, fez os negócios perderem o rumo. O casal mantinha a empresa há 15 anos. “Chegamos a ter 17 funcionários. Hoje, são oito, trabalhando com as portas fechadas”. Os ganhos, pela metade, não pagam segurança particular nem a mudança do ponto.


Enquanto o microempresário resolve o trabalho pelo celular, a esposa vive numa cama, entre momentos de lucidez e de delírio, agarrada à parte remota das lembranças. “Ela terá que reaprender muitas coisas”, ele se emociona, esperando o melhor dia para lhe devolver a aliança (que ele leva no dedo mínimo, desde a primeira das três cirurgias que a esposa fez na cabeça) e lhe restaurar o casamento.


O recomeço está difícil, ele nem sabe mais por onde seguir. “É uma sensação de tremenda impotência e abandono”, desaba. “E o que o senhor espera com esta matéria?”. “Não sei...”, olha como se pedisse o último socorro. As certezas viram reticências, a esperança morre à míngua. “Mas obrigado por ter ouvido meu desabafo”, aperta a mão como se, finalmente, chorasse. Este relato é o silêncio de muitas outras vítimas da violência urbana.

 

ENTENDA A NOTÍCIA


Os cidadãos desta história são um microempresário de 46 anos e a esposa, de 39. Eles e o filho adolescente costumavam aproveitar os fins de semana juntos, em viagens. Mas os cidadãos desta história poderiam ser qualquer outra pessoa, de qualquer condição social ou canto da cidade.

 

Saiba mais

 

1. Parangaba é um dos 19 bairros da Secretaria Executiva Regional IV. Em 2009, possuía a maior população da SER IV, com 27.884 habitantes.

 

2. O perfil socioeconômico da SER IV é de serviços. Além da feira livre da Parangaba, uma das maiores da cidade, a região tem corredores comerciais e polo de empresas e confecções no Montese e na Vila União.

 

3. A segurança pública é feita pela 7ª Cia/5º BPM (Parangaba) e por três distritos policiais: 5º DP (Parangaba), 11º DP (Panamericano) e 25º DP (Vila União).

 

4. Entre 2007 e 2009, Parangaba e Montese registraram maior quantidade de casos nas seguintes ocorrências: relações conflituosas, furtos, roubo, mortes violentas e lesão corporal.

 

5. Em 2009, por exemplo, Parangaba liderou a estatística dos roubos na SER IV: foram 769 (em um total de 4.205 registrados). O bairro também ficou em primeiro lugar no número de lesão corporal (157 casos, dos 1.146 registrados) e de mortes violentas (56).

 
Fonte: Pesquisa Cartografia da Criminalidade e da Violência na cidade de Fortaleza, realizada pelo Laboratório de Direitos Humanos, Cidadania e Ética (Labvida) e Laboratório de Estudos da Conflitualidade e Violência (Covio), da Universidade Estadual do Ceará, e o Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC). A pesquisa foi publicada em 2011.

 

Serviço

5º Distrito Policial avenida Júlio Braga, com Osório de Paiva, 161, Parangaba. Telefone: 3101.2948. Os endereços das delegacias distritais de Fortaleza podem ser obtidos no site www.policiacivil.ce.gov.br.

 

7ª Companhia do 5º Batalhão Policial Militar rua Júlio Braga, 221, Parangaba. Telefones: 3101.6106 / 3492.2234 (comunitário). Mais informações: www.pm.ce.gov.br.

Ana Mary C. Cavalcante anamary@opovo.com.br
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Vicente Quesado 13/07/2012 12:00
Um absurdo banalizado, a culpa é da grande maioria que se mantem inerte à corrupção no poder publico.
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Anonimo 12/07/2012 13:16
A segurança Publica so vai mudar quando a quem interessa sofrer prejuizo. Candidato só se elege com dinheiro dos empresários, GREVE GERAL EM FORTALEZA todos os setores.. vamos prejudicar quem lucra com o crime!
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JOSÉ SILVA MARTIS 12/07/2012 11:49
Não existe polícia de investigação! O governo faz concurso para a PM na casa dos milhares e a Polícia Civil tem um efetivo menor que o da década de 80! Os viciados em crack estão assaltando pelo vício e os grandes traficantes não são presos, enquanto não fechar a torneira do crack mais mortes tereis
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WANESSA 12/07/2012 11:46
É HORA DE NOS CONCIENTIZARMOS E LUTARMOS POR NOSSOS DIREITOS (BÁSICOS), PRECISAMOS FAZER ALGO. ESTÃO CHEGANDO AS ELEIÇÕES E AÍ????????
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Adriano Vasconcelos 12/07/2012 11:33
Mudança, o problemas do brasileiros é que de tudo reclamam mas quando chega nas eleições reelegem os mesmos incompetentes e não fazem nada durante 4 anos pra frear essa violencia descontrolada, se preoucpando apenas com estadio e um aquario que so servira para desvio de verba,estamos refens deles.
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