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SOBRE SER FILHA
ARTEMIS MARTINS
“Se a chaleira fosse mãe, seria a mãe da água fervida. Faria chá e remédio para as doenças da vida”, bem disse Sylvia Orthof. Que mães têm e terão seus todos os dias de nossas vidas a gente já sabe. Mas com o apelo midiático fica quase inevitável não pensar mais sensivelmente nesse período sobre esse ser que de tão divino nos provoca tantas reações. Pensando justamente nisso foi que percebi, claro como a luz do sol, como adoro ser filha e, consequentemente, suas implicações.
Como é bom ser filha e dever satisfações as mais improváveis possíveis: da hora que vou chegar ao que comi no lanche às três da tarde, valendo aí a contagem das calorias e da quantidade de gordura saturada absorvida nesse engana-fome prático, o que isso acarretará em minha vida futura, etc. e tal (até porque este ano ainda não chequei meu nível de colesterol). Se tomei na hora certa o antialérgico e se já lavei a blusa que usei no sábado passado quando fui encontrar as amigas de adolescência – apresentando-as uma a uma, como se nunca as houvesse citado antes.
Sim, é bom ser filha também na hora do mais profundo sono, quando minha mãe me chama para perguntar se eu estava dormindo. Foi bom também quando tive que contar do novo romance e, diante da longa lista de interrogações, bateu a sensação de que casaria logo depois de amanhã. É bom ser filha ao receber as broncas por ter passado do horário ou por não ter atendido ao telefone (quando ela resolveu ligar justo na hora em que equilibrava a bolsa e a mim mesma em um banheiro qualquer de fim de noite).
Mas bom mesmo é ser filha, parida de um ventre, ventre de mulher valente. É olhar para aquela senhora e enxergar a beleza dos dias vividos e ouvir a docilidade de sua voz que tantas vezes embalou meu sono. Maravilhoso lembrar os seus carinhos e as proezas mirabolantes que ela fez para me proteger no corpo e na alma. Dá um orgulho besta ao ver suas fotos enquanto menina-moça, de cintura delgada e cabelos ao vento, linda sem precisar fazer escova inteligente ou usar xampu sem sal. É muito bom ser filha e, mesmo maior do que ela alguns vinte centímetros, poder me sentir protegida por entre seus dedos, um tanto enrugados até, mas de tanto tecer os caminhos dessa vida.
Amo ser filha, e amo mais ainda ser filha da mãe, da mãe que tenho. Da mulher que me ensinou a gostar de paparicos e a trocar a lâmpada queimada da cozinha quando preciso. Aquela que me ensinou a fazer meu caminho e a entender esse caminho como tudo o que de fato tenho. A mulher de força, de raça, de unhas e lutas, que me apontou por tantas vezes a direção a seguir e me fez pensar: “bora vê garota, agora é contigo”. É, definitivamente eu não seria tão filha e tão mulher (com M maiúsculo) não fossem as experiências que a vida e que o fato de ser filha da minha mãe me proporcionaram.
Sabe, de verdade é muito bom ser filha. Apesar de falar no assunto agora, acho que sabia disso desde que nasci. Bom mesmo era que minha mãe também soubesse disso. Quem dera minhas letras parassem em um tipógrafo. Assim, como ela não tem facebook, eu lhe compraria um jornal.
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