crônica 21/07/2017 - 15h45

O encontro das águas na memória

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O ENCONTRO DAS ÁGUAS NA MEMÓRIA

 

Saraiva Júnior 

 

            Muitas cidades nascem à margem dos rios. Senador Pompeu (294 km de Fortaleza), a velha Humaitá, foi criada na junção dos rios Banabuiú e Patú, em pleno sertão central do estado. Esses rios foram a fonte de vida daquele pequeno povoado. Além do consumo d’água, havia peixe, as vazantes com batata, milho, feijão e arroz. Depois, em suas margens de terras férteis, surgiu a plantação de cana e capim, que servia de ração para o gado e outros animais. Fica compreendido que agricultores e comerciantes deram origem à cidade.

            Nos anos sessenta do século passado, em meus tempos de criança, não havia água encanada em Senador Pompeu. Quase todos os moradores compravam o precioso líquido dos “botadores” de cargas d’água dos rios, cuja água era transportada em lombos de jumento. Quem não se lembra do humilde e discreto Seu Braz, do zoadento e bem humorado Seu Osmarino, dentre tantos outros botadores d’água? Quando o período de seca chegava, cada botador d’água tinha o local de sua cacimba no leito do rio. Era água boa que corria pelo subterrâneo. Esse fato, um tanto quanto misterioso, mexia com a imaginação de qualquer criança.

            O que houve com os rios Banabuiú e Patú que estão praticamente secos? Caso o ano não seja de boas chuvas em suas cabeceiras, eles mínguam nos leitos. Os conhecidos poços da Mangueira, da Geladeira e do Riacho do Sangue, onde tomávamos banho durante o verão, não existem mais. No lugar dos rios e suas riquezas, que eram de todos, hoje existe apenas a Barragem do Patú. A água represada da Barragem garante o abastecimento da cidade. Por outro lado, o peixe, antes abundante, sumiu da mesa do povo. Assim, as bacias hidrográficas, sem água, viraram depósito de lixo das cidades.

            Interessante se indagar por que as casas foram construídas de costas para os rios. Temos vergonha deles. Nossos quintais esbarram nas margens dos rios. Assim é mais fácil deixar o lixo e os esgotos domésticos serem jogados diretamente em seus leitos, por sinal, um dos principais fatos causadores de mortes dos peixes. É preciso que se diga que estão aterrando os rios com a sobra das construções civis. Sem dúvida, os resíduos de hospitais e fábricas também vêm contaminando o ecossistema.

            Com a construção da barragem do Patú em 1984, resta aos mais novos apenas imaginar a fúria e a beleza do encontro das águas do rio Patú com as águas do rio Banabuiú no exato local onde hoje está localizada a ponte do trem. Pensar que não mais veremos esse belo espetáculo da natureza é de entristecer qualquer um. Os últimos anos foram de seca e poucas chuvas. Após a construção da barragem do Patú, o rio Banabuiú até chegou a encher, porém, jamais ficou cheio de barreira a barreira como nos anos sessenta. Naquela época, dependendo do quão bom fosse o inverno, a cidade de Senador Pompeu era invadida pelas águas fluviais, pois quase todas as ruas acabavam no rio. No beco do doutor Adonias, as águas subiam até as proximidades da igreja matriz, causando certa curiosidade à população que se deslocava em alvoroço até o local.

            O assoreamento vem derrubando as barreiras nas margens dos rios. Sem replantio de grama nativa em suas beiras, não tardará para termos meros esgotos. A União, o Estado e o Município, na realidade, não adotam políticas públicas que se pautem na preservação dos rios. Em Senador Pompeu, o Banabuiú e o Patú são as provas do descaso com a degradação ambiental. Nesse caso, a Prefeitura como poder local, tem que tomar a iniciativa em defesa dos rios. Aliás, penso que Prefeituras na região do sertão central, com tantas questões que impactam a natureza, precisam partir na frente e criar uma Secretaria Municipal de Preservação do Meio Ambiente.

            Já é tempo de a Prefeitura de Senador Pompeu desenvolver um projeto urbanístico de um calçadão à beira do rio. Seria o chamado para uma nova conexão da população com seus rios históricos. Seria o convite para uma relação de amor e cuidado com um ecosssistema precioso que a cidade, por ignorância, insiste em esconder.

 

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