[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Natal de Delicadezas O POVO
FOTÓGRAFA BIA FIÚZA

O gosto de cuidar

A gente é capaz de promover mudanças através do nosso trabalho. A música é capaz de envolver e de sensibilizar. Se a gente se pensa como indivíduo, não tem como existir melhoria social
{'grupo': 'ESPECIAL PARA O POVO', 'id_autor': 18768, 'email': 'raphaellebatista@opovo.com.br', 'nome': 'Raphaelle Batista'}
Raphaelle Batista raphaellebatista@opovo.com.br
FÁBIO LIMA
Bia Fiúza cercada pelas crianças do Instituto Beatriz e Lauro Fiúza
Compartilhar

Cravado no labirinto de ruas do arborizado Jardim União, um lugar simples abriga um mundo de possibilidades. Sobre a parede branca, o colorido do grafite indica: ali é espaço para música e esporte; oportunidade e cidadania. Numa palavra: cuidado. Sinônimo de gentileza, solidariedade e amor. Sentimentos que costumam aflorar no Natal, mas que na sede do Instituto Beatriz e Lauro Fiúza, segundo Bia, a filha do casal que dá nome à instituição, “é todo dia”.

Para constatar, basta parar para ouvir o som de instrumentos como violino, teclado, violoncelo, violão e flauta doce que preenche as salas todas as manhãs e tardes da semana. Ou observar as crianças e jovens que se revezam entre os ensaios de melodias eruditas e coreografias marciais do projeto Bushi-No-Te, que oferece aulas de karatê no grande tatame que toma o salão da casa. É só conhecer as mães dos alunos que se voluntariam no preparo do lanche diário ou visitar a biblioteca sempre aberta aos leitores.

A instituição, criada em 2012, nasceu do desejo da família Fiúza de tentar transformar a sociedade pelas vias da cultura e da educação. Desde cedo, uma preocupação repassada dos pais para a filha. É herança deles, garante Bia, sua consciência da responsabilidade como cidadã, “de que a gente é capaz de promover mudanças através do nosso trabalho”, ela diz.

PONTE PRO MUNDO

Fotógrafa, comunicadora e antropóloga, o interesse de Bia pelo trabalho social encontrou no Instituto Oziris Pontes, em Juá, distrito de Irauçuba (distante 175 km de Fortaleza), a certeza de que era possível. Quando voltou do mestrado em Berlim, na Alemanha, à cata de um projeto que rendesse uma tese, ela foi convidada a conhecer a iniciativa no sertão cearense.

Gostou tanto das ações em artesanato, culinária, agricultura, mas também literatura, música e teatro com crianças e idosos da comunidade vistas ali que concluiu o mestrado e voltou para trabalhar na instituição. Só deixou o projeto para se dedicar “exclusivamente” ao Instituto fundado por sua família. Era a hora de concretizar a ideia alimentada há anos.

O endereço na rua Elias de Freitas, primeiro núcleo do instituto, podia ser só a sede da instituição. Mas se tornou bem mais. Nas palavras de Sílvia Valente, coordenadora pedagógica do instituto, moradora do bairro e mãe de duas das 220 crianças atendidas lá, “é uma ponte pro mundo.”

Uma ponte construída com as notas e partituras que crianças, como a pequena Thaís, de 11 anos, começam a desvendar graças à educação musical recebida no projeto Jacques Klein, uma das linhas de atuação. O músico cearense, destacado pianista que tocou com o maestro Eleazar de Carvalho e passou por algumas das principais orquestras do mundo, batiza o carro-chefe das ações formativas do instituto. Era primo de Lauro Fiúza, idealizador do projeto, que quis homenageá-lo, mas não só.

A dedicação de Klein à música erudita – embora também tenha atuado no jazz e na música popular – inspirou a prática orquestral. Para Bia, mais que uma maneira de formar futuros músicos, um exercício de trabalho conjunto capaz de despertar a sensibilidade com o outro, ensinar sobre disciplina e respeito, alargar as possibilidades do universo particular de cada criança.

Thaís, que descobriu o violino só há um ano, influenciada pela mãe que achava o instrumento bonito, já viu os sonhos para “quando for gente grande” crescerem. Agora, além de modelo e estilista, a menina cogita ser violinista. “Isso me dá a certeza de que o caminho que a gente tá traçando vale a pena, porque ela vê uma possiblidade diferente do que via um ano atrás, quando não conhecia o violino. Não é mais uma coisa impossível pra ela”, comemora Bia.

ALÉM DO INDIVÍDUO

Segundo Bia, a ideia é oferecer sete anos de formação musical para as crianças do projeto e estender as parcerias. Apesar do pouco tempo, a iniciativa já chegou ao bairro Henrique Jorge, onde atraiu as crianças da fundação Carlos Pinheiro pelo mesmo chamariz: a música. “Por maior ou menor a relação ou o conhecimento técnico que você tenha, a música tem uma capacidade de envolver e de sensibilizar a gente que eu não sei se outra arte faz isso tão bem”, acredita Bia.

Por apostar na educação como meio para a evolução social, tendo o esporte e a cultura como ferramentas, a jovem de 29 anos quer pautar todos os seus projetos “atuais e futuros” nisso. E uma forma de viabilizar esse desejo é levar ações como o projeto Jacques Klein à cidade toda. Para ela, uma ambição perfeitamente possível de ser concretizada se poder público e iniciativa privada se unirem.

“Se a gente se pensa como indivíduo, cada um por si, não tem como existir melhoria social”, ensina Bia, para quem delicadeza se traduz em cuidados. “Todo mundo gosta de ser cuidado, gosta de um pouco de estabilidade, nem que seja no carinho do olhar do outro. E isso dá uma estabilidade no sentido de tranquilidade, paz. E estar em paz não é ser passivo. Estar em paz é saber que você está vivendo plenamente os seus direitos”, afirma.

Um projeto capaz de promover essa paz, embora permeado de adversidades, é o que faz Bia planejar passos cada vez maiores para o Instituto. “Eu não vejo nada mais motivador pra me tirar da cama”, diz ela.

Magia do outro
Era uma tarde quente, mas ouvir o som de violinos e flautas ecoando canções natalinas, tocadas por crianças de várias idades, ajudou a pelo menos refrescar a mente e, por um momento, esquecer as preocupações. Mais que isso, mostrou que o Natal não carece de data nem de símbolos. Pode acontecer em qualquer lugar, até num endereço escondido da periferia de Fortaleza. Basta acreditar na magia do outro.

Galeria de Fotos
Assista ao vídeo