[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Natal de Delicadezas O POVO
PROFESSOR JORGE BRANDÃO

Por que é bom somar sonhos

Em pouco tempo, conseguiu proporcionar inclusão não apenas aos cegos, mas para toda a turma. Porque entender o outro é entender a vida. Um samba de candeia já ensinou:"cego é quem vê só aonde a vista alcança"
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Marcos Robério marcosroberio@opovo.com.br
EDIMAR SOARES
Professor Jorge Brandão, ao lado dos alunos do Instituto dos Cegos
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Aprender a somar e subtrair usando o deslizar do tato por pequenos pontinhos. Talvez tenha sido esse o melhor presente de Natal entre todos que o pequeno Ítalo vai ganhar esse ano. E os olhos dele brilham, sim. Assim como a pequena Rebeca, que com esforço vai tateando buraquinhos para encaixar pequenas peças, numa lógica matemática que escapa à retina, mas sobra no sorriso inconfundível de saber-se capaz. Porque o Pequeno Príncipe já ensinou que o essencial é invisível aos olhos, como lembra o professor Jorge Brandão.

E foi tentando entender a essência da vida que Jorge se transformou em um Papai Noel de todo dia, tomando para si a missão de levar o presente do conhecimento aos deficientes visuais. Hoje professor de matemática na Universidade Federal do Ceará (UFC), continua se dedicando voluntariamente à Escola de Ensino Fundamental Instituto dos Cegos, no Antônio Bezerra, onde cerca de 50 crianças aprendem e o querem bem. Não aparece só uma vez por ano, nem desce pela chaminé, mas sempre que chega é uma alegria diferente para ele e os seus.

Meninos e meninas que, em sua maioria, têm também outras deficiências. Mas um samba de Candeia já ensinou que ‘cego é quem vê só aonde a vista alcança’ e ‘mudo é quem só se comunica com palavras’. “Segundo meus pais, desde quando tinha uns três ou quatro anos, eu pegava o cabo de guarda-chuva e ficava brincando de cego, lá em casa, no Crato”, ri-se. Mas foi quando a cegueira se acostou à família Brandão que os olhos de Jorge começaram a enxergar uma nova realidade. E da dureza fez-se o encanto.

Ele tinha 18 anos quando viu a afilhada e vizinha dos pais, Thayná, nascer sem que a beleza das cores do Natal pudesse entrar em sua vista. Decidiu então ser os olhos dela no mundo. “Ia sempre pensando em como desenvolver a matemática pra Thayná. E pensar na Thayná era pensar também nos outros”, rememora. Ironicamente, no primeiro dia como professor, olhou para o lado direito da sala e viu dois adolescentes cegos. “Pensei: é um sinal de Deus”. E percebeu naquele lampejo divino a necessidade de transferir para sala de aula o cuidado que tinha com Thayná. Era hora de começar a distribuir presentes.

LIÇÃO
Aprendeu uma lição fundamental no dia em que se esforçava para ensinar o que é uma parábola. Uma aluna tirou o gigolete da cabeça e quis saber:

-Uma parábola é parecida com isso aqui?

-Sim, é isso. Fascinou-se Jorge.

E começou a entender ali que, para entrar no universo de seus alunos, teria que se comportar como eles. E foi levando seu trenó de sonhos e possibilidades. Começou a fazer várias atividades especiais e passou até a vendar os próprios olhos. Em pouco tempo, conseguiu proporcionar inclusão não apenas para os cegos, mas para toda a turma. Porque entender o outro é entender a vida. “Percebemos que os cegos éramos nós.”

Ele ensina matemática para a orientação e mobilidade do dia a dia e assim seus alunos aprendem a se situar no mundo. Viu por várias vezes suas ideias de aprendizagem não funcionarem. Mas aprendeu que se lançar no escuro faz parte da luta e que o esbarrar-se na parede é um aprendizado necessário. Hoje tem várias pesquisas sobre ensino para deficientes.

O QUE FUNDAMENTAL
Jorge diz que não vê limitações quando olha para seus alunos. Pelo contrário, assimila deficiências e vê potenciais, porque “problema todo mundo tem”. Por isso, diz que não “passa a mão na cabeça de ninguém”, por causa de deficiência. Prefere incutir capacidades. No próximo ano, pretende colher um dos maiores frutos, quando um de seus antigos alunos vai tentar seleção e pode se tornar um dos primeiros cegos no mestrado da UFC.

“O professor Jorge é uma bênção”, resume a diretora Marilene Rocha e faz questão de dizer que a escola está de matrículas abertas “o ano inteiro”. Abertas à emoção libertadora do aprender, que é para todos. Pois quando os olhos já não podem ver, tem sempre as “coisas que só o coração pode entender”, ensinou Tom Jobim. Porque, pra ser Papai Noel todo dia, fundamental é mesmo o amor.

Transformação
Crianças nos cativam por natureza. Mas é especialmente emocionante perceber o momento exato em que elas nos transformam. Cada sorriso no rosto daqueles meninos e meninas é capaz de tornar uma pessoa melhor. Segurei as lágrimas e preferi sorrir junto com elas. Porque superação contagia. Parabéns ao professor Jorge e a todos que fazem a escola Instituto dos Cegos.

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