15/10/2016 - 06h00

Leia a íntegra das entrevistas dos vencedores do Prêmio São Paulo de Literatura 2016

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Francisco Perosa
Beatriz Bracher

Beatriz Bracher, Marcelo Maluf e Rafael Gallo foram os três vencedores da edição 2016 do Prêmio São Paulo de Literatura. Nas entrevistas a seguir, os autores comentam suas obras e refletem sobre influências literárias, a interseção entre realidade e ficção e o nascimento das histórias que escreveram.


Bate-papo com Beatriz Bracher, autora de Anatomia do Paraíso

O POVO: A justificativa do júri final do Prêmio São Paulo de Literatura colocou, sobre Anatomia do Paraíso, que “não é uma leitura fácil, e essa é outra qualidade desse romance”. Em que medida ter leitura difícil é uma qualidade?

Beatriz Bracher: Esse é meu quarto romance. O meu pai dizia que nunca entendeu os outros livros, mas que esse ele entendeu e gostou muito. Não acho que seja difícil, acho que é pesado. É um livro complexo, tem que ficar atento, não dá pra ler distraidamente. Não acho que é difícil entender o que se passa, mas o que se passa é que é difícil. Meus outros livros têm muito uma brincadeira com diferenças de narradores, são misturas de estilos muito evidentes. Este novo é todo em terceira pessoa. As coisas acontecem cronologicamente. Eu não acho que ele seja hermético. Acho que eu trato da relação entre homem e mulher, entre corpo e corpo, de uma maneira que é difícil. Mas a vida é meio difícil mesmo.

OP: De onde vem sua relação com o Paraíso Perdido?

Beatriz: Comecei a escrever o livro em 2009. Demorei uns cinco ou seis anos. Quando eu tava começando, eu tinha acabado de ler o Paraíso Perdido. Quando o romance começou, o tema que eu queria abordar era a relação de um estudante com a literatura de tal forma que essa relação se sobrepusesse à vida e se misturasse com ela de uma maneira um pouco alucinada. Eu não tinha pensado especificamente no Paraíso Perdido quando comecei a escrever. Mas então comecei e parei. Tive grande dificuldade. Quando peguei a segunda vez, experimentei colocar o Paraíso Perdido e vi que era isso.

OP: Em que medida as premiações são importantes para a consolidação da carreira dos escritores no Brasil?

Beatriz: Primeiro, tem um valor (financeiro) muito significativo que ajuda bastante qualquer pessoa. Principalmente uma pessoa mais jovem, que tá começando. O valor alto é uma coisa bem objetiva. Quando você escreve, isso demanda um tempo muito grande. E você não trabalha ganhando dinheiro, você trabalha simplesmente escrevendo. O prêmio também motiva leitores, e isso é muito importante. Você escreve para ser lido, só faz parte do mundo quando é lido. E o prêmio gera interesse, curiosidade, divulgação nos jornais. Acho que é muito importante para o objetivo primeiro que é colocar uma coisa viva dentro do mundo.

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Bate-papo com Marcelo Maluf, autor de A Imensidão Íntima dos Carneiros

DIVULGAÇÃO
Marcelo Maluf

O POVO: Vários autores brasileiros têm explorado o recurso da autoficção em suas obras mais recentes. No teu romance, o protagonista também se chama Marcelo Maluf. Os escritores se sentem mais livres para explorar esses limites entre realidade e ficção? Esses limites precisam existir?

Marcelo Maluf: Eu acho que depois do advento da literatura moderna e pós-moderna, a gente chegou num momento em que tudo pode e vale. Pra mim, a premissa, o que eu desejo e gostaria, é escrever uma boa história, uma boa ficção acima de qualquer coisa. Sobre o recurso, se realidade e ficção se misturam tudo depende da verdade do que é contado, a verdade do escritor, o que ele quer dizer. No meu caso, isso fala de mim. Chegou um momento em que eu precisava contar minha história. Estou escrevendo um novo romance por um novo caminho, mas não significa que não se baseia no que eu vivi e conheço. Eu só consigo falar a partir do meu quintalzinho. Gosto da relação entre ficção e realidade quando tudo isso se mistura à fabulação, quando o fantástico está muito presente. Você percebe que tem um universo com um peso autobiográfico, mas o peso fantástico tem a mesma presença. O absurdo e o fabular têm que ter o mesmo tratamento. Não estou ali pra escrever um livro sobre a realidade crua, sem artifícios. Gosto da ficção e do imaginário.

OP: Antes do Imensidão, você escreveu livros infantis e de contos. O romance requer um fôlego diferente?

Marcelo: Pra mim foi muito difícil essa primeira experiência com prosa longa. Tive muita dificuldade no caminho. Tive que parar várias vezes, quase desisti do livro. Não sabia o que dizer. Tinha experiência com infantis e contos, narrativas breves, outras estruturas, outras questões. Não dá pra usar o pensamento do conto no romance. Você vai se perder. Tive que fazer esse exercício de lentidão. O romance é um exercício de lentidão, é dizer sem extrapolar, sem gordura. É não ficar preenchendo por preencher. Precisa olhar com mais calma. Eu terminava os contos em dois dias, em um dia. No Imensidão, o tiro inicial da história tem nove anos. Eu soube que queria contar uma história que meu tio contou: meu avô viu dois irmãos sendo mortos, enforcados pelos turcos, no quintal de casa. Aquilo ficou dentro de mim, sabia que precisava trabalhar, descobrir o que aconteceu. Tinha que trabalhar com aquilo. Comecei em 2012 e o romance teve várias versões.

OP: Você está trabalhando em algum novo projeto?

Marcelo: Um projeto bem inicial, com um título provisório: Do que Restou das Coisas Lindas que Você Me Disse. Conta a história de um sujeito que perde um grande amor com uma morte besta. Ela tropeça na raiz de uma árvore e morre. A partir dessa cena inicial esse sujeito começa uma jornada pra compreender tudo o que aconteceu e para reescrever a história dos dois, a própria vida. Aqui, a questão da fabulação também existe. Ele inventa coisas que eles viveram. Sai de São Paulo e vai viver no sítio da família, lá em Minas. É como se essa vida na cidade tivesse exaurido tudo o que tinha que dar pra ele.

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Bate-papo com Rafael Gallo, autor de Rebentar

WILLIAN OLIVATO
Rafael Gallo

O POVO: Quando começou a escrever Rebentar, você já sabia até onde a trajetória de busca de Ângela a levaria? Já sabia que seria uma busca infrutífera? O que o romance ganhou (ou perdeu) durante o processo de escrita?

Rafael Gallo: Eu já sabia que ela não encontraria o filho e decidiria por encerrar sua busca, esse era o ponto de partida da história para mim. A história é sobre tentar reconstruir o próprio mundo depois da perda, sobre se dar o direito de recomeçar a vida, e não sobre a busca em si. Isso já estava certo desde sempre. Mas, sim, o romance foi se transformando em muitos detalhes ao longo da criação. Eu acho que ele ficou um livro muito mais “iluminado” do que eu imaginava antes. No início pensava nele como algo bem mais sombrio.   

OP: Você é compositor e produtor musical. É possível, enquanto escritor, levar algo do universo da música para a literatura?

Rafael: Sim, eu acho que, particularmente, levo bastante, porque sinto que meu pensamento, minha imaginação, funcionam de um modo muito “musical”. Por exemplo, há muitas palavras, objetos e conceitos que ficam voltando no livro, sendo reiterados, como refrãos. Esse é um efeito que me atrai muito, e que me surge, de certa forma, “naturalmente”. Escrevi um texto exatamente sobre isso no meu blog, falando sobre como o primeiro capítulo é uma espécie de “abertura operística”, na qual são apresentados os “temas” (no sentido musical) que serão trabalhados ao longo do livro.

OP: Você escreveu um livro de contos antes do Rebentar. Como encarou a experiência de escrever um romance?

Rafael: No começo, foi bastante desafiador, e confesso que demorei a me sentir confortável. Mas quando comecei a perceber que no romance tinha mais espaço para explorar, quando comecei a conhecer melhor esse espaço e o que ele me oferecia, passei a gostar bastante. No conto, por exemplo, eu provavelmente teria de escolher apenas um detalhe que simbolizasse o luto da mãe de um filho desaparecido: ou o quarto preservado do filho, ou as fotos dele, ou as restaurações para manterem a casa obsessivamente com o mesmo aspecto, etc. Já no romance posso falar sobre todos eles, não preciso excluir nada a princípio. É bom poder explorar mais facetas do mundo das personagens.

OP: Tem algum novo projeto em andamento?

Rafael:Tenho um romance em progresso, que deve ser minha prioridade pelos próximos tempos. Não gosto de adiantar muito, primeiro porque tudo pode mudar a qualquer momento e, segundo, porque tenho um certo ciúme das minhas histórias enquanto elas ainda não estão prontas para serem entregues ao leitor (risos). Mas, de certa forma, posso dizer que, se Rebentar é o livro da mãe, o próximo é o “livro do pai”. É uma outra história, outros temas e personagens, mas há esse foco na outra metade dos vínculos matriciais.

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