Entrevista 29/07/2016 - 18h00

Denise Fraga apresenta espetáculo Galileu Galilei em Fortaleza e fala sobre teatro em tempos de crise

Espetáculo é dirigida por Cibele Forjaz. O dramaturgo alemão Bertolt Brecht assina o texto
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Camila Holanda camilaholanda@opovo.com.br
Iana Soares / O POVO

O humor refinado de Denise Fraga é uma marca forte nas personagens que a atriz dá vida. Conhecida popularmente por papéis na TV, como quando fazia o quadro Retrato Falado, no Fantástico, nos últimos anos, ela tem dedicado tempo ao teatro, ao cinema e a séries de televisão. Neste fim de semana, Denise voltou a Fortaleza para apresentar o espetáculo Galileu Galilei (dirigido por Cibele Forjaz), uma peça assinada pelo dramaturgo alemão Bertolt Brecht, por quem a atriz declara toda sua admiração.

Na obra escrita entre 1937 e 1938, o autor narra a vida do cientista italiano que, no século XVII, precisou negar suas crenças devido a pressões da Igreja Católica durante a Santa Inquisição. Denise mostra que os fatos e os diálogos de décadas atrás atravessaram os anos mudando os protagonistas e os cenários, mas que permanecem "atualíssimos", como define. Vivemos fatos repletos de contradições, para os quais Brecht olharia com sustos, caso vivo fosse, e despejaria toda sua crítica social em forma de ironia.
 
Como você volta para o teatro em tempos de crise?
 
Eu acho que talvez até pela crise, porque, de alguma maneira, a peça te dá esperança de se resgatar. De a gente entrar em contato com os nossos mais puros ideais. O que o Brecht faz? Ele faz a gente ver que somos todos Galileus. Ele escreve esse personagem, essa única biografia que ele escreveu, e eu suspeito que ele tinha quase uma fixação por esse personagem, porque ele também teve que lidar com esquemas de poder, ele também teve que negar verdades para não ir para certas fogueiras. Quem de nós não? Quem de nós não nega cotidianamente as nossas verdades para ficar bem com o chefe, para receber aquela promoção, em nome do leite das crianças? Você vai cedendo. Só que vem a peça e faz você, de alguma maneira, perceber “até onde?” Até onde eu cedo? O que eu acho que é uma coisa comum a todos nós. Todos nós cedemos. Mas eu sinto que a gente tá de um jeito que a gente começou a justificar tudo por dinheiro, numa sociedade onde o que vale é o que é rentável e essa linha ética ela tá ficando tão sinuosa que chega uma hora em que você se perde de si.

A peça se tornou uma analogia da nossa realidade, mesmo 60 anos depois da morte do autor?    
 
Exatamente. Aí começou a acontecer uma coisa que foi muito louca. Quando a gente começou a ensaiar a peça, em janeiro de 2015, a peça era atualíssima. Mas aí, os últimos acontecimentos nesse um ano e meio em que a gente tá com a peça, tornaram a peça quase parecendo encomendada. Ela ficou propícia. E hoje a gente vive um dilema que é: eu fico muito feliz em poder falar sobre o que a peça fala em uma hora dessas, mas, ao mesmo tempo, eu fico angustiada com o tanto de coisas que levaram a peça a ficar assim, cada vez mais atual.

É como se nossos problemas estivessem mais retrógrados? 
 
O que acontece é um mar de intolerânca. Se antes tinha essa questão do que nós engolimos de sapo, as caras que a gente faz de paisagem pros absurdos, as concessões, a coisa do poder fazendo a gente ter certas atitudes que a gente não gostaria de ter. E no momento em que a gente vê vários homens públicos do País completamente encharcados em concessões, a situação chegando onde chegamos. E essa tristeza.
 

O teatro é, também, espaço para discutir ciência e religião. Mas existe um limite?
 
Ele é, cada vez mais, esse precioso ritual de ideias. Agora a gente vem de Maceió, onde havia mil pessoas dentro do teatro. É lindo, incrível. A gente pensar que tem mil pessoas ali dentro, dez atores no palco, todos conectados na mesma história, naquele mesmo centímetro de reflexão, com seus celulares inacreditavelmente desligados. É um ato presencial, um ritual de ideias poderosíssimo. Por isso que recebo o público na porta, porque acho que o teatro é tão melhor quanto mais teatro for, quanto mais o público sacar que estamos todos vivos ali. Aí, a gente sobe no palco e faz-se a mágica do divertimento, da reflexão, da gente levando vocês pro campo dos sonhos. Quero que vocês saiam, de alguma forma, transformados.

A comédia permite a reflexão, ou, pelo menos, pode deixar as pessoas com a “pulga atrás da orelha”, como você diz.
 
Exatamente. Essa coisa da “pulga atrás da orelha” é uma coisa que eu falo há muito tempo, porque, no mínimo, é o que eu gosto de fazer no meu ofício. E as pessoas dizem “Ah, Denise, você só faz comédia”. Não é que eu só faça comédia, eu confio no humor. Eu acredito que o humor é um agente de comunicação poderosíssimo. Você, quando comunica uma ideia de forma bem humorada, ela tem uma eficácia de comunicação imensa. E aí dizem: “você faz a pessoa rir e nem sente que está pensando”. Pois eu acho o contrário. Ela ri porque pensa, porque você só ri daquilo que você entende. A comédia, o humor a ironia recrutam o pensamento. Ninguém ri da piada que não entendeu. O Brecht tem aquela risada, que eu falo que é a minha risada preferida. É a risada “pior que é”. Quando você faz muita comédia, a risada nunca é só uma risada. Ela é uma voz. Você fica acostumado a detectar que espécie de risada é aquela. E tem aquela que o público faz, querendo dizer “nossa, pior que é. Nós somos assim”. E essa risada “pior que é” eu acho que ela tem uma travinha. Você sente que o cara ri, mas que ali no meio ele fala “nossa, é verdade, a gente faz isso”.

Como você percebe as mudanças pelas quais o humor tem passado nos últimos anos, com o patrulhamento pelo humor politicamente correto?
 
Acho que tem uma coisa múltipla. A gente ficou muito “caçador de vírgulas”. Qualquer coisinha, agora, a gente implica que a pessoa falou assim ou assado. Mas eu acho que, por outro lado, a gente tem que policiar a intolerância, porque a internet , essa coisa de a gente se esconder atrás de nossos teclados, fez com que as pessoas tivessem uma coragem de dizer as coisas que não teriam tete à tete. E isso faz com que as pessoas mostrem umas opiniões sempre enfáticas e inflamadas e, muita vezes, muito intolerantes, muito preconceituosas, muito indelicadas. A internet, com certeza, fomentou a indelicadeza. E a gente tem que ter cuidado e tem que dedurar a intolerância. Mas, ao mesmo tempo, também, a gente tem que ter o cuidado para que a nossa censura à intolerância não vire uma intolerância às avessas. Você fazer a intolerância uma vírgula. Ninguém pode mais falar nada. 

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