Cristiano, o protagonista de Abaixo do Paraíso, quinto romance do escritor goiano André de Leones, é um faz-tudo do esquema político local. Fornece combustível para aliados, conduz amantes, efetua pagamentos, compra, vende e preenche papeis. Envolvido em um crime violento, entrega-se a uma fuga desesperada pelo interior do Estado.
Inspirando-se em lembranças de sua infância e em detalhes ilícitos do mundo político, construiu um romance que parece refletir sobre o contexto do poder em nossos dias. Na entrevista a seguir, o autor explica suas motivações e revela sua opinião sobre corrupção e ética.
O POVO - O protagonista do seu novo romance é um faz-tudo do esquema político. De onde veio a inspiração para construir o Cristiano?
André de Leones - Desde pequeno, na cidade onde cresci lá no interior de Goiás, vejo essas figuras orbitando ao redor dos políticos, trabalhando formal e informalmente para eles, executando tarefas nem sempre lícitas. Silvânia é uma cidade pequena, todos ou quase todos se conhecem. Então, vi pais de amigos, vizinhos, conhecidos trabalhando com isso. Foi algo que me chamou atenção desde cedo, o quanto a política opera sobretudo nas sombras, informalmente, mediante acertos que pouco ou nada têm a ver com os fins que ela (política) diz ter. Mas é claro que só depois consegui racionalizar e formular isso. Mas, no começo, aos meus oito, nove anos, havia a sensação de estranhamento, de perceber algo que me chamava a atenção, mas que ainda não conseguia compreender bem, embora já me parecesse fora de lugar, por assim dizer.
OP - Você começou a escrever o livro em 2013. Algum evento ou fato em particular serviu como catalisador dessa escrita?
André - Ainda que o personagem seja como é, o mote inicial não foi discutir ou refletir longamente sobre isso. É claro que as funções desempenhadas por ele são importantíssimas para a sua constituição e posterior esfarelamento (a)morais, mas o cerne, para mim, sempre foi a relação disfuncional com a família, isto é, o fato de que Cristiano, a certa altura, depois de cometer o seu maior crime, depois de errar por aí, decide (talvez por não ter outra opção) retornar à casa paterna. Enquanto concebia e escrevia o livro, o que mais me interessava era trabalhar e desenvolver essa fantasmagoria em todos os seus níveis, afetivos, familiares, profissionais, sexuais, mais do que expôr e pensar acerca do trabalho dele como tarefeiro de políticos corruptos - embora isso também esteja lá e seja muito importante.
OP - O que te atraiu no universo da política? É um universo rico e inspirador para escritores?
André - Em meu romance anterior, Terra de Casas Vazias, já existe o personagem de um senador envolvido num escândalo político. É um universo que sempre me interessou, da mesma forma como aprecio muito os filmes e séries envolvendo gangsteres e criminosos, como The Wire, O Poderoso Chefão, The Sopranos e, claro, as obras de Martin Scorsese. Como se vê, não dissocio muito a família Corleone, por exemplo, das famílias de alguns coronéis que ainda se fazem presentes em nosso espectro político. Respondendo à pergunta, o que me atrai como escritor é a violência, a sociopatia, o discurso esvaziado e a brutalidade desses criminosos, estejam eles traficando drogas nas ruas de Baltimore ou cargos em Brasília.
OP - Que semelhanças teu livro guarda com o atual momento político que vivemos? É possível estabelecer algum ponto de contato?
André - Com o momento específico, não. Mas, dado o que acontece no primeiro terço do romance, creio que seja possível indicar certos padrões de comportamento e modus operandi que dizem respeito à forma como, em geral, se faz política em nosso país.
OP - Abaixo do Paraíso também é uma história sobre fugas. A política, também na arte, é extenuante e aniquiladora?
André - A política é extenuante e aniquiladora para os que sofrem seus efeitos, não para a maior parte de seus atores, que, em geral, vivem muito bem e às expensas daqueles que assaltam.
OP - Na carta aberta que escreveu para o Flávio Izhaki (também escritor), você diz: “É um país incapaz de vivência política porque jamais estabeleceu quaisquer parâmetros civilizacionais e/ou culturais que permitissem a elaboração de uma ética propriamente dita”. Observando o atual quadro político, pode-se dizer que o que nos falta são parâmetros de construção ética?
André - O que falta agora é o que sempre faltou. Não é uma carência nova. A diferença talvez seja uma maior exacerbação de tudo: dos desvios, dos ânimos, dos posicionamentos, da violência, das paixões e da nossa incapacidade congênita de dialogar.
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