Transformistas representam obras clássicas em calendário

A publicação traz atores já conhecidos por performances na cena cultural alencarina

Sol Coêlho

Fotos trazem uma versão bem humorada de obras clássicas do imaginário popular (Clique na imagem para ampliar)

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Atualizada às 10:35hrs

Uma produção inusitada, cheia de capricho e ousadia. Assim foi pensado o “Translendário”, um calendário, como o nome sugere, “diferente”. A produção expõe homens travestidos em doze fotos representando obras clássicas como a “Vênus de Milo” ,” Monalisa”, de Leonardo Da Vinci e até mesmo a não menos famosa capa do LP dos Beatles “Abbey Road”. Os idealizadores do calendário Sol Coêlho, fotógrafo profissional, e o produtor teatral Silvero Pereira, tiveram a idéia a partir de uma brincadeira nos bastidores de uma produção.

Muito trabalho e três anos depois, com o apoio da Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza (SDH), através da Coordenadoria da Diversidade Sexual, o translendário ganhou forma e doze páginas, que destacam as datas importantes de cada mês do ano para a comunidade LGBTT em todo o mundo. A publicação traz atores já conhecidos por performances na cena cultural alencarina, encarnando cada personagem reproduzida nas fotos. Para falar sobre a concepção do Translendário conversamos com um dos idealizadores, o fotógrafo Sol Coêlho.

O POVO Online - Como surgiu a idéia?
Sol Coêlho - A ideia surgiu como uma brincadeira, a partir do momento em que estava fazendo o still (making off) do Glossário II (outro trabalho direcionado ao público GLBTT), em novembro de 2010, em que fotografei os atores travestidos, pensei “pôxa, porque não fotografar essa galera representando obras clássicas?”

O POVO Online - A partir daí como foi feita a idealização do projeto? Você contou com a ajuda de mais alguém? Quanto tempo levou essa preparação?
SC- Eu pensei : vamos fazer um calendário, mas qual seria o intuito do calendário? Então eu comentei com o Silvero Pereira e nós pensamos em fazer para o próximo que seria o 2012, já que precisaríamos de um amadurecimento e toda uma produção.
A ideia tomou fôlego mesmo em novembro de 2011, numa reunião entre eu, o Silvero, e o Andrei Bessa, ator, para escolher as imagens que iriam ser reproduzidas.

O POVO Online - Porque a escolha desse nome?
SC-A ideia foi de fazer uma brincadeira com os nomes, dando uma representatividade e um significado especial ao “trans” de transexual e “lendário” de uma coisa imortal, lendária, eterna e de calendário também.

O POVO Online - Porque essas imagens específicas foram escolhidas para serem reproduzidas no trabalho?
SC- Porque são imagens de um fácil reconhecimento pelo público em geral, não queríamos fazer um trabalho para as pessoas terem dificuldade de entender o que eram tais figuras. A partir do momento em que você para para olhar uma obra de arte não se vai pré-julgando quem são os modelos. Depois é que, quando olhamos bem, entendemos que é um travesti representando aquela figura comum.

O POVO Online - Qual a sua intenção como fotógrafo?
SC- Minha intenção não era de fazer um plágio das obras, mas colocá-las de uma maneira em que a sociedade se identificasse e encarasse com mais naturalidade a presença da figura do travesti no seu dia a dia. Além do trabalho técnico, claro, que foi tentar reproduzir nos mínimos detalhes a obra de arte, a ideia era mostrar uma outra visão da figura. Teria que se mostrar o mais fiel possível aos critérios de luz, enquadramento e composição. Então, unir o técnico ao artístico.

O POVO Online - Como se deu a escolha dos modelos?
SC- Não foi difícil, pois só precisamos fazer um convite a todos os atores que já trabalharam em outras produções que fotografei. Eles aceitaram numa boa e depois só precisamos dividi-los pelas características físicas que fossem mais similares às obras que seriam reproduzidas, por exemplo, a “Monalisa” de Leonardo Da Vinci. O ator escolhido teria que ser magro de traços finos. A “Moça Com Brinco de Pérola”, de os olhos grandes, o rosto mais arredondado e assim por diante.

O POVO Online - Como foi a busca pelo patrocínio? Vocês encontraram dificuldades? Quais foram elas?
SC - Não foi difícil. A Coordenadoria da Diversidade Sexual da Prefeitura Fortaleza nos recebeu e ao projeto de braços abertos, pois faz parte das ideologias que são promovidas por ela, dentro do combate à homofobia e a qualquer outro tipo de preconceito. Então tivemos o apoio total.

O POVO Online - E a divulgação?
SC - Estamos fazendo através das mídias sociais, tanto pelos atores quanto pelos coordenadores do projeto.

O POVO Online - Como você viu a repercussão junto à sociedade?
SC - A diversidade sexual é um assunto muito atual, mas bem delicado e quando você reproduz imagens do imaginário coletivo sendo retratadas de uma maneira tão diferente, figuras históricas representadas por figuras transexuais, a princípio choca mesmo. A gente se deparou com opiniões das mais variadas possíveis, teve gente que falou “nossa que lindo, perfeito” e outros falaram “que nojo, isso é uma blasfêmia”. Mas nos dois casos a nossa intenção, que é dar visibilidade ao transexual, foi atingida.

O POVO Online - Você já tem idéia de como será o ano de 2013? A intenção será sempre reproduzir obras clássicas?
SC - Sim. Já tem algo pensado para o próximo ano, vão ser obras clássicas, mas serão sempre imagens que façam com que as pessoas identifiquem de imediato.

O POVO Online - Na sua opinião, qual a contribuição que esse projeto trouxe para a sociedade?
SC - É comum as pessoas admirarem as obras clássicas expostas em todos os lugares, todos têm uma opinião formada a respeito de uma grande obra, não se questiona nada. Mas a partir do momento em que você expõe de outra maneira, você acaba provocando nas pessoas um questionamento. Pode ser uma indignação, pode até haver uma graça, isso depende muito de quem vê.
Acreditamos que ao possibilitarmos uma nova visão para as pessoas estamos fazendo com que elas percebam que existem pessoas iguais a elas, que podem e tem os mesmos direitos que elas têm. Buscamos passar para a sociedade a sensibilidade e a delicadeza do lidar com o preconceito, através do trabalho com a imagem, provocando a reflexão em cima da pergunta: porque ainda é tão difícil respeitar o outro na sua igualdade?
Poderíamos fazer as mesmas reproduções com modelos masculinos e femininos o que não alteraria em nada o sentido da arte inicial. A intenção era de realmente chamar a atenção da sociedade para o respeito tão exigido, mas tão pouco posto em prática. Acreditamos que esse trabalho vai atingir esse objetivo.

Confira galeria de imagens

Perfil Sol Coêlho

O fotógrafo de 23 anos que já retrata o cotidiano há oito é natural da cidade de Guaramiranga e se especializou em antropologia visual e peças teatrais. Já participou de exposições coletivas em sua cidade natal e na Capital retratou também o Festival de Teatro de Fortaleza, Festival Popular de Teatro de Fortaleza, Festival Nacional de Dança de Fortaleza (Fendafor), Conferencia Estadual da Cultura, Encontro Nacional dos Pontos de Cultura (TEIA) e está sempre presente em shows, turnês, eventos sociais e culturais.
Já teve seus trabalhos em várias publicações em jornais e revistas e sites em diversas partes do Brasil. Foi assistente fotográfico do fotografo Celso Oliveira no projeto de registro da construção da Usina Termelétrica da Energia Pecém.
Atualmente é responsável pelo núcleo de fotografia da Escola de Comunicação da Serra (ECOS), técnico de laboratório fotográfico na Faculdade Nordeste(FANOR) e professor de fotografia do projeto “Olhos de Voar” do Instituto Degrau.

ERRAMOS: Na versão anterior desta matéria informamos que os atores eram transexuais, o correto é que os homens estão travestidos.

Hérika Vale

redacaoportal@opovo.com.br