[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] O mundo aos pés de Cannes | O POVO Online
Entrevista completa 10/02/2012 - 03h00

O mundo aos pés de Cannes

O POVO conversa com Anne Delseth uma das curadoras da Quinzena dos Realizadores do Festival de Cinema de Cannes
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O encontro aconteceu por acaso. No dia seguinte ao encerramento da 15ª Mostra de Cinema de Tiradentes, a suíça Anne Delseth subiu no mesmo veículo que transportou a reportagem do O POVO, da cidade mineira ao aeroporto de Confins. O horário ingrato de saída (5 da manhã) e o longo percurso de quatro horas ao destino final não desanimaram a convidada, que gentilmente nos concedeu esta entrevista fora dos planos de sua agenda. Desde o início de janeiro, Anne integra oficialmente o comitê de seleção da Quinzena dos Realizadores, sessão paralela do Festival de Cinema de Cannes, previsto para maio. Mas há três meses, ela já se cercava da nova função, quando deixou o cargo de curadora do Festival Internacional de Cinema de Friburgo, na Suíça.

Como curadora da Quinzena, Anne Delseth tem a missão de viajar por vários países a convite dos principais festivais de cinema. Durante as viagens (e a Mostra de Cinema de Tiradentes está inclusa neste pacote), ela costuma receber inúmeros filmes de diretores ou produtores, ansiosos por verem suas produções selecionadas em Cannes. Para se ter uma ideia, Anne levava como parte de sua bagagem uma sacola com cerca de 70 DVDs de realizadores que circularam por Tiradentes. “Está bem pesada!”, exclama com sorriso no rosto. Até abril, ela e outros quatro membros do comitê cumprirão a difícil tarefa de selecionar 15 longas entre cerca de 2 mil títulos inscritos.  

O POVO – Qual o maior desafio de assumir o comitê de seleção da Quinzena dos Realizadores?
Anne Delseth – A principal tarefa é sentir o que está acontecendo dentro do cinema contemporâneo, nos lugares que vou, onde encontro pessoas importantes. Para mim, fica mais fácil quando encontro os realizadores, porque posso lembrar os rostos e sentir a pessoa que está na minha frente. Nós da Quinzena temos apenas alguns meses, porque a seleção vai de janeiro a abril. Recebemos cerca de dois mil longas para escolher quinze! É claro que muita gente manda seu filme a Cannes de qualquer forma, porque é possível. Mas, para nós, é muito difícil estar atento a todos os filmes. O que tenho mais receio é, certamente, perder algo (risos).

OP – Por quais países você já foi até agora por meio dos festivais?
Delseth – O primeiro foi o Festival de Cinema de Morelia, no México. Nestes festivais, como em Tiradentes, há pessoas que apresentam seus filmes, mas também produtores de outros longas, que discutem próximos filmes. Normalmente há exibições de filmes em processo, para que os curadores possam ver filmes ainda não finalizados. Vejo isso também. Então, já fui para o México; para o Festival de Mar Del Plata, na Argentina; para o Film Bazaar, na Índia; fui também para o Vietnã e agora estive aqui no Brasil. Em cada país, tento conhecer os produtores.

OP – O Festival de Cannes também escolhe filmes em processo?
Delseth – Não, mas Cannes prioriza filmes de estreia mundial. Se um filme em Tiradentes, por exemplo, teve a estreia nacional e seu produtor não exibir em nenhum outro país, podemos aceitar. Mas no geral, procuramos filmes que nunca estrearam e que terão sua première em Cannes.

OP – Como você avalia os filmes que passaram em Tiradentes?
Delseth – Vi a Mostra Aurora, porque eram longas estreantes. Vi também os curtas da Mostra Foco, que eram muito bons, com ótima qualidade. Tinham pelo menos uns quatro ou cinco curtas muito bons. O que é raro! O nível estava bem alto para os curtas. Quanto aos longas, foi interessante perceber que eram bem diferentes, de documentários televisivos a algo mais artístico e conceitual. Talvez o nível não tenha sido muito bom, mas foi bom vê-los. Espero que os diretores dos curtas em breve possam fazer seus longas, porque vi muitos talentos ali. Por outro lado, o longa da última noite era muito bom.

OP – Você se refere ao A Cidade é Uma Só?, do Adirley Queirós?
Delseth – Sim. É um filme muito inteligente. Quando você assiste, parece ser apenas engraçado, porque o personagem (Dildu) é muito engraçado. O público riu e foi uma sessão muito emocionante. No final, todo mundo saiu cantando (risos). Ao terminar, você descobre aos poucos que era uma ficção. Na manhã seguinte, durante o café da manhã, estava discutindo esse filme com outro curador e ficamos descobrindo coisas. É um filme muito esperto, porque não é só engraçado, também não é só documentário, nem é só político. É tudo isso ao mesmo tempo. A maioria dos filmes que vemos sobre favelas são feitos por pessoas da classe média. A Cidade é uma Só? é feito por pessoas da periferia de Brasília, que falam sobre sua região. E o diretor fala sobre cinema de forma muito espontânea, sem muitas referências. O que é ótimo.

OP – Como você falou, há muitos filmes brasileiros que abordam o cotidiano das favelas, como Cidade de Deus e Tropa de Elite. Como é a imagem do cinema brasileiro na Europa?
Delseth – Para o público, talvez Tropa de Elite seja lembrado, mas mesmo assim nem é tão conhecido na Europa. Há tão poucos filmes distribuídos nos cinemas, que não faço ideia que imagem é esta. Talvez a imagem que se tenha diz mais sobre o país em si do que sobre o cinema. Para os curadores que assistem mais filmes, a imagem do cinema brasileiro é complexa, porque existem muitos filmes diferentes, como os do Carlos Reichenbach, do Jorge Furtado, filmes familiares como As Melhores Coisas do Mundo (de Laís Bodansky). Há filmes urbanos, como Trabalhar Cansa. Ou seja, são filmes bem diferentes. Não há imagem única do cinema brasileiro. Bem honestamente, quando cheguei a Tiradentes, não esperava nada, exceto encontrar filmes bons para voltar com eles. Vou ficar muito feliz se filmes brasileiros estiverem na Quinzena este ano, porque vejo que há algo importante acontecendo agora. O cinema jovem é muito criativo. Se pudermos encontrar um que represente isso e não mais um da linha Tropa de Elite, ficarei muito feliz.

OP – Já que você fala de um cinema jovem brasileiro, como você analisa esta produção?
Delseth – Acho que é bem contemporâneo fazer este tipo de movimento. Conheci coletivos, como a Teia. Isso existe no mundo todo. Com o cinema digital, isso acontece mesmo. Pessoas que se conhecem em escolas de cinema, que se juntam e fazem cinco, seis filmes. Na Malásia, há uma produtora que cria um cinema muito novo, com pessoas que tem a mesma vontade de fazer filmes. Aqui no Brasil, todas as noites em que jantei com jovens realizadores, percebi que eles andavam em pequenos grupos. Vi pessoas do Nordeste juntas, de Belo Horizonte juntas. É como se fossem pequenas regiões criando diferentes movimentos ou grupos de produção.

OP – Mas aqui no Brasil, existem poucos produtores bons, como Sara Silveira e Vânia Catani.
Delseth – Exatamente. Não quero julgar, mas me questionei porque há muitos diretores e poucos produtores. Parece que todos os produtores são na verdade cineastas, ou seja, diretores. Isso pode ser um problema para exportar o cinema brasileiro, porque a produção é realmente uma função, uma carreira. É um trabalho muito diferente. Na maioria das vezes, o próprio diretor brasileiro divulga seu filme. É um problema grande, porque há ferramentas necessárias para o filme fazer sucesso. Para elevar ao contexto internacional, é preciso um bom produtor seguindo seu projeto do roteiro à execução. Se seu filme tem um produtor, ele saberá exatamente quando manda-lo ao mundo, em que momento ele vai tentar vender ao público. É como um investidor, um homem de negócios, sabe? É alguém que sabe quais as pessoas certas. É como uma enciclopédia de tudo o que existe no mercado de cinema. Com o projeto das mãos, o produtor sabe o que fazer com o filme. É um trabalho muito importante. Se alguém toma conta disso, então o diretor terá mais tempo de fazer seus filmes e não estar envolvido em assuntos de produção.

OP – Na França, é diferente?
Delseth – Sim. Cada produtor é realmente um produtor. Nem todo mundo tem a capacidade de fazer filme. Não é só ter uma boa história para contar, ter um bom fotógrafo. É algo para dizer no momento, de um jeito honesto e de forma espontânea. É preciso ter talento, senão você só copia. Para mim, um filme tem que ter algo diferente de outro que já foi contado. A forma de narrar precisa ser original. Não é só ter uma história para contar que te torna um bom diretor. E ser produtor é também descobrir que você não é um diretor (risos). Na Europa, é uma carreira legítima. Eles não são tratados como diretores. Seria bom que aqui no Brasil criassem escolas específicas de produção – algo que existe na Europa.

OP – Na seleção dos filmes da Quinzena, o que a curadoria normalmente busca em um filme?
Delseth – A Quinzena dos Realizadores é uma sessão paralela a Cannes. Sua ideia nasceu em maio de 1968, na França, no contexto da revolução estudantil. Naquele momento, importantes diretores se uniram para que o Festival de Cannes funcionasse também como protesto do Maio de 68, que fosse mais aberto ao mundo. A Quinzena foi pensada como a favor da liberdade de expressão, para mostrar filmes para o mundo todo, de ser mente aberta. Então, os filmes que buscamos ao longo dessa história tentam ser bem diferentes da forma como são narrados. Precisam dizer algo importante e reinventar o cinema.

OP – Mas é quase uma loteria selecionar 15 longas entre dois mil inscritos. Suponho que muitos filmes bons ficam de fora.
Delseth – É claro. Já comecei a assistir os que chegaram e, para o momento, há muitos filmes ruins também. Além disso, não é só escolher filmes bons, mas é uma questão de curadoria. Como eu posso montar uma seleção de filmes que possam dizer algo diferente? Precisa ter dois ou três filmes que funcionam como eventos, com grandes diretores. É preciso escolher também um filme de diretor estreante, mais frágil, que não deixa de ser bom. É um equilíbrio. Os filmes precisam ser coerentes no conjunto da curadoria. Prefiro pensar que não é uma loteria, porque tentamos escolher da forma mais profissional possível.

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