[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Perto da borda | Coluna Thomas Friedman | O POVO Online
Thomas Friedman 23/08/2013

Perto da borda

"Quem vai pagar para sanar as feridas materiais e humanas que o Egito está infligindo a si mesmo agora?"
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De todas as imagens perturbadoras que têm chegado do Cairo atualmente, nenhuma poderia ser pior do que as fotos das várias vítimas civis. Mas um vídeo exibido na semana passada é quase tão perturbadora quanto essas imagens. É possível ver um veículo da polícia do Egito caindo da ponte 6 de Outubro, que atravessa o rio Nilo, no centro do Cairo. Relatos feitos pelos meios de comunicação divergem sobre se o veículo foi empurrado por manifestantes ou se, em pânico, o motorista jogou o carro contra a mureta da ponte e caiu no rio. De qualquer maneira, a ponte ficou bastante danificada, o carro se perdeu e o destino de seus passageiros é desconhecido.

Essas cenas compõem um retrato em escala reduzida de um país que já está decadente, que já está enfrentando enormes desafios ambientais e populacionais, que está necessitando desesperadamente de desenvolvimento e de recuperação, mas que está se destruindo mais. Quem vai pagar para sanar as feridas materiais e humanas que o Egito está infligindo a si mesmo agora? Nem mesmo os bilhões de dólares dos países do Golfo Pérsico serão capazes de sustentar indefinidamente um país de 85 milhões de pessoas, em que cerca de metade das mulheres não sabe ler. O que os egípcios estão fazendo ao país deles é loucura.

 

O que é especialmente deprimente é que a liderança e as opções necessárias para reverter essas tendências não parecem estar disponíveis no país. Os egípcios hoje podem escolher entre os militares, que parecem querer levar o Egito de volta a 1952, quando o exército tomou o poder no país pela primeira vez - e manteve os Irmãos Muçulmanos em seu lugar -, e a Irmandade Muçulmana, que quer retornar para 622, o ano de nascimento do Islã, e para uma sociedade limitada, antipluralista, contra as mulheres e dominada pela shariah, a lei islâmica - como se essa fosse a resposta aos males do Egito.

 

“A impressionante lição do Egito hoje em dia é que os dois grupos mais poderosos, organizados e confiáveis do país - a Irmandade Muçulmana e as forças armadas - provaram ser incompetentes para governar a nação”, escreveu na semana passada no jornal The Beirut Daily Star o cientista político Rami Khouri. “E isso não se deve ao fato de eles não terem indivíduos capacitados nem aliados inteligentes e racionais, porque eles têm muito de tudo isso. Isso se deve, sim, ao fato de que os métodos dos soldados e da espiritualidade foram criados para mundos distintos, que não são o da governança nem o da maneira equitativa de prestar serviços e gerar oportunidades para milhões de pessoas de diferentes religiões, ideologias e etnias... A falta de outros grupos de cidadãos nativos organizados e dignos de confiança, que possam participar do processo político e moldar novos sistemas constitucionais é consequência de como os oficiais militares, os membros de tribos e os fanáticos religiosos têm dominado a vida pública árabe há décadas.”

 

Que verdade. Os europeus do leste haviam tido experiência com a democracia parlamentar no período entre guerras. Assim, quando o comunismo ruiu, em 1989, com a ajuda da União Europeia (UE), eles fizeram transições relativamente fáceis para o capitalismo democrático. Os cidadãos do Leste Asiático tiveram décadas de ditadores, mas, ao contrário daqueles no mundo árabe, a maioria era modernizadora, que se concentrava na construção e na criação de infraestrutura, de sistemas educacionais, de estímulos ao empreendedorismo e de economias exportadoras que, por fim, produziram classes médias tão amplas e qualificadas que elas conseguiram arrancar de forma relativamente pacífica sua liberdade das mãos dos generais. Os asiáticos do leste também tinham o Japão como modelo, um país que disse: “Nós ficamos para trás. O que há de errado conosco? Precisamos aprender com aqueles que estão se saindo melhor do que nós.”

 

O mundo árabe não tinha as raízes da democracia que poderiam florescer rapidamente nem os autocratas modernizadores, que criariam amplas classes médias qualificadas, que poderiam gradualmente assumir o controle do país. E o mundo árabe não teve uma União Europeia para atuar como um ímã e modelo. Assim, quando a tampa da panela de pressão árabe foi arrancada pela Primavera Árabe, não havia nenhum movimento progressista de base ampla para competir efetivamente com a mesma cantilena de sempre: as forças armadas e a Irmandade Muçulmana.

 

Entendo por que tantos egípcios se voltaram contra a Irmandade Muçulmana. Ela estava roubando a revolução deles a favor de seus próprios interesses obsoletos. Mas a melhor maneira de justificar a destituição da Irmandade Muçulmana do poder seria se os militares colocassem no lugar dela um governo que realmente fizesse o Egito iniciar sua longa marcha rumo à modernização, ao empreendedorismo, à alfabetização das mulheres e à política consensual e inclusiva - que incluiria até os islâmicos -, e não outra marcha sob as ordens dos generais.

 

O general Abdel-Fattah el-Sissi empossou um gabinete com algumas pessoas boas; ele tinha o potencial de dar origem a uma terceira via. Mas, antes que esse gabinete pudesse dar dois passos, o exército e a polícia lançaram uma campanha para eliminar a Irmandade Muçulmana, que envolveu, espantosamente, a matança indiscriminada de centenas de pessoas desarmadas. A Irmandade provocou alguns desses eventos - eles ficaram felizes por terem alguns “mártires” para deslegitimar a tomada de poder pelo exército e tirar o foco de seu próprio desgoverno. Para compor o cenário de maneira adequada, vale lembrar que simpatizantes da Irmandade queimaram cerca de 40 igrejas e mataram alguns policiais.

 

Assim, de novo, os egípcios e os amigos deles do exterior estão sendo levados a optar pelas mesmas duas opções ruins. É tarde. El-Sissi tem que recuar e dar poder ao gabinete de ministros que ele nomeou para produzir uma terceira via - uma via autenticamente modernizadora e que inclua o governo. A revolução de 2011 teve a ver com isso. Se ele desviar o Egito desse objetivo, como a Irmandade fez, se a única ambição de El-Sissi for se transformar em outro Nasser, e não em um Mandela, o Egito estará se caminhando para um mergulho profundo, assim como o veículo policial que tombou no Nilo.

 

Tradução: Daniela Nogueira

danielanogueira@opovo.com.br texto

 

Thomas Friedman

tendencias@opovo.com.br Colunista de assuntos internacionais do New York Times, Friedman já ganhou três vezes o prêmio Pulitzer de jornalismo. É autor do best-seller O Mundo é Plano

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