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Na terça-feira, recebi em São Paulo a Ordem do Mérito Cultural, em festa no auditório do Ibirapuera. A Ordem “é uma das maneiras pelas quais o Ministério da Cultura reconhece pessoas que ajudam a manter, renovar e difundir nossa cultura”. São agraciadas pessoas ou instituições em três classes: Grã-Cruz, Comendador e Cavaleiro. Recebi a ordem de Comendador.
Gostei de ficar ao lado de gente importante para a minha formação como os cineastas Maurice Capovilla e Cacá Diegues, o encenador Antunes Filho, o músico Naná Vasconcelos, o compositor e maestro Marlos Nobre, a artista plástica Tomie Ohtake – que junto a Oscar Niemeyer eram os homenageados desse ano –, e de vários artistas populares. Nem é preciso dizer que os flashes e maiores aplausos foram para atores da televisão como Antônio Fagundes, Abujamra, Mamberti e para o tremendão Erasmo Carlos.
Mas houve um momento em que todo auditório comoveu-se e as palmas soaram com mais poesia. Anunciaram o nome Maria de Lourdes Cândido e uma mulher pequena caminhou pelo palco enorme: firme, decidida, as vestes simples contrastando com a exuberância do cenário. A mestra da cultura popular tradicional cearense de 74 anos, artesã do barro em Juazeiro do Norte, recebia a Ordem de Cavaleiro com a sincera modéstia com que ensinou seus 11 filhos a trabalharem a argila.
Era como se a grande honraria não interferisse na ordem de sua criação, na simplicidade com que amassa o barro, dá forma às suas peças, leva ao forno para queimar e depois pintá-las. A medalha talvez seja pendurada numa parede da casa, para que as pessoas a vejam e se orgulhem da conquista, mas no peito de Maria Cândido continuarão outras medalhas milagrosas, antigas, presas a um rosário de contas: a da Mãe das Dores e a do Padre Cícero.
Conversei um tempinho com a homenageada e lembramos duas artesãs pioneiras do barro: Dona Ciça do Barro-cru, que não levava ao forno nenhuma de suas criações geniais, tornando-as frágeis e de pouca durabilidade; e Dona Ciça do Barro-cozido, a quem Maria Cândido se filia como discípula, uma continuadora do estilo da velha mestra que por motivos de saúde largou o trabalho com a argila.
No início da década de 70 convivi com os artesãos de Juazeiro do Norte, comprando o que produziam, distribuindo em museus do Recife, sugerindo a eles temas e técnicas novas. Os primeiros ‘quadros’ de parede com as figuras aplicadas foram sugeridos por mim a Ciça do Barro-cozido, e executados por seu filho, de nome Ciço. Os artesãos não assinavam as peças e mandei fabricar carimbos para que eles aplicassem no barro e, dessa maneira, criassem uma identidade pessoal. Porém, compreendi que o sentido de propriedade, de direito autoral não existia para esses artesãos. Eles se apropriam da invenção dos outros como um bem comum, tiram e acrescentam detalhes ao bel prazer, multiplicam o que seria de outro.
Separadas por conceitos de popular e erudito, figurativo e abstrato, artesanal e profissional, pelas regiões em que vivem – o nordeste pobre e o sudeste rico –, pela abundância e escassez de bens materiais, as duas artistas se tornaram semelhantes durante uma noite. Maria Cândido e Tomie Ohtake – sentadas em cadeiras dispostas em alturas diferentes – se nivelaram na noite de entrega da Ordem do Mérito. No palco, as pessoas enxergaram apenas duas artistas, uma mais velha e outra mais nova, igualadas pelo ofício da arte.
Ronaldo Correia de Brito é cearense de Saboeiro, autor dos romances Galileia e Estive lá fora
"Recebi em São Paulo a Ordem do Mérito Cultural, concedida pelo Ministério da Cultura"
"As palmas soaram com mais poesia quando anunciaram o nome de Maria de Lourdes Cândido"
"Convivi com os artesãos de Juazeiro, comprando o que produziam, distribuindo em museus"
"Compreendi que o sentido de propriedade, de direito autoral, não exisita para esses artesãos"
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