[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Milton Friedman para o Fed | Coluna Paul Krugman | O POVO Online
Paul Krugman 18/08/2013

Milton Friedman para o Fed

"Isso sugere uma pergunta interessante: o que houve com o papel de Friedman como um ícone do livre mercado?"
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Recentemente, o senador Rand Paul, potencial candidato à presidência dos Estados Unidos e autoproclamado especialista em questões monetárias, foi entrevistado pela revista Bloomberg Businessweek. Não foi bem-sucedido. Por exemplo: Paul disse que os Estados Unidos terão “um déficit de US$ 1 trilhão por ano”; na verdade, o déficit deverá ser de apenas US$ 642 bilhões em 2013, e essa cifra está caindo muito rápido. 

 

Porém, o momento mais interessante talvez tenha sido quando perguntaram a Paul quem ele escolheria, idealmente, para comandar o Fed, e ele sugeriu Milton Friedman - “ele não é austríaco, mas seria melhor do que o que temos hoje”. Então, o entrevistador informou gentilmente a Paul que, na verdade, Friedman - que hoje teria 101 anos de idade se estivesse vivo - estava morto. OK, Paul disse: “Vamos ficar com os mortos mesmo, pois assim provavelmente o Fed não precisaria ser tão ativo”.

 

Isso sugere uma pergunta interessante: o que houve com o papel de Friedman como um ícone do livre mercado? A resposta a essa pergunta diz muito sobre o que aconteceu com o conservadorismo moderno.

 

Friedman, que costumava ser o último avatar da economia conservadora, basicamente desapareceu do discurso da direita. É certo que o nome dele é mencionado de vez em quando - mas só por causa de suas polêmicas políticas, nunca devido a suas teorias monetárias. Em vez disso, Rand Paul recorre à visão “austríaca” de pensadores como Friedrich Hayek - uma visão que Friedman descreveu certa vez como uma “caricatura atrofiada e rígida” -, enquanto Paul Ryan, o líder intelectual de fato do Partido Republicano, baseia sua economia monetária em Ayn Rand ou, mais precisamente, nos personagens fictícios de “Atlas Shrugged” (“A Revolta de Atlas”).

 

Como isso ocorreu? Friedman, ao que parece, era uma figura muito realista e cheia de nuances para a direita moderna, que não gosta de nuances e rejeita a realidade - que tem um conhecido viés liberal.

 

Uma maneira para definir Friedman seria afirmar que ele era o homem que tentou salvar a ideologia do livre mercado dela mesma ao oferecer uma resposta para esta óbvia pergunta: “Se os mercados livres são tão bons, por que é que nós temos depressões?”

 

Até Friedman surgir, a resposta da maioria dos economistas conservadores a essa questão era basicamente que as depressões serviam a uma função necessária e deveriam simplesmente ser suportadas. Hayek, por exemplo, argumentava que “talvez sejamos capazes de evitar as crises aos restringirmos a expansão a tempo”, mas, segundo ele, “após as crises terem se instalado, não podemos fazer nada para sair delas antes de seu fim natural”. Essas respostas sombrias levaram muitos economistas para os braços de John Maynard Keynes.

 

Friedman, entretanto, deu uma resposta diferente. Ele estava disposto a recuar um pouco e a admitir que as medidas adotadas pelo governo são, de fato, necessárias para prevenir as depressões. Mas as ações governamentais necessárias, insistia ele, eram de um tipo bastante restrito: a única coisa necessária, nesse sentido, era ter um Fed ativo o suficiente. Em particular, Friedman argumentava que o Fed poderia ter evitado a Grande Depressão - sem a necessidade da implantação de novos programas governamentais - se o banco central tivesse pelo menos agido para salvar os bancos falidos e bombeado reservas suficientes no sistema bancário para evitar uma queda acentuada na base monetária.

 

Essa seria, como afirmei, uma medida voltada para o realismo (embora ela pareça errada à luz das experiências recentes). Mas o realismo não tem lugar no Partido Republicano de hoje: Paul e Ryan têm atacado furiosamente Ben Bernanke devido ao fato de ele ter regido à crise financeira de 2008 fazendo exatamente o que Friedman disse que o Fed deveria ter feito na década de 1930 - conselho que ele repetiu para o Banco do Japão em 2000. “A coisa mais insidiosa que um país pode fazer contra seus cidadãos”, Ryan repreendeu Bernanke, “é depreciar sua moeda”.

 

Bom, e já que estamos falando sobre depreciação de moedas: uma das defesas mais duradouras da análise econômica direta de Friedman foi o argumento de 1953 a favor das taxas de câmbio flexíveis, por meio do qual ele demonstrou que os países que têm salários e preços excessivamente altos em relação aos praticados por seus parceiros comerciais - como os países do sul da Europa atualmente - se sairiam melhor se desvalorizassem suas moedas, em vez de terem que suportar anos de desemprego elevado “até que a deflação percorra seu triste caminho”. De novo, não existe espaço para esse tipo de pragmatismo em um partido dentro do qual muitos dos membros são favoráveis ao retorno do padrão-ouro.

 

Mas não quero colocar Friedman em um pedestal. Na verdade, eu diria que a experiência dos últimos 15 anos, primeiro no Japão e agora no mundo ocidental todo, mostra que Keynes estava certo e que Friedman estava errado sobre a capacidade da política monetária sozinha para combater depressões. A verdade é que precisamos de um governo mais ativo do que Friedman estava disposto a tolerar.


A questão, porém, é que o conservadorismo moderno avançou tanto em direção à direita que ele já não tem espaço nem para fazer pequenas concessões à realidade. Friedman tentou salvar o conservadorismo de livre mercado de si mesmo - mas os ideólogos que dominam hoje em dia o Partido Republicano estão além da salvação.

 

Tradução: Daniela Nogueira

danielanogueira@opovo.com.br

 

Paul Krugman

economia@opovo.com.br

Professor de Economia da Universidade de Princeton é articulista do New York Times. Recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2008

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