A crise de identidade do Mercosul
João Bosco Monte
Professor de Relações Internacionais
Consultor Internacional
Quando em março de 1991 os presidentes da Argentina, Uruguai, Paraguai e Brasil assinaram na capital paraguaia o tratado para a constituição do Mercado Comum do Sul - Mercosul, se preconizava o início da integração econômica da América do Sul.
Naquele momento, no auge das discussões sobre os processos de integração regional - quando o termo globalização ensaiava virar moda -, o objetivo era apresentar respostas aos desafios enfrentados pelas economias nacionais em desenvolvimento e sua participação no novo cenário econômico internacional.
As discussões e negociações formais que sustentaram os vários processos se centraram basicamente em questões tributárias y macroeconómicas, no marco de uma agenda que privilegiava os aspectos comerciais e financeiros.
O que se viu ao longo desses anos de existência do Mercosul, entretanto, é que além dos temas explícitos de negociação, também se pode verificar outro nível de significados, vinculado a outras dimensões. Além das questões econômicas surgiram preocupações mais ideológicas e o bloco começou a ser um fórum de discussões mais politicas, que econômicas.
Assim, o Mercosul ao atingir sua maioridade vive uma séria crise de identidade,pois se distanciou do seu objetivo principal, qual seja, o de se consolidar como vetor de integração comercial, objetivando a liberdade do comércio interzonal e a adoção de uma tarifa comum.
É importante destacar que na gênese da criação do Mercosul se trataram de projetos impulsionados pela vontade das elites e a decisão política dos governos e agentes económicos transnacionais. Além disso, ao se desviar de sua essência, o Mercosulbuscando mais um direcionamento politico que econômico, contribui para o desinteresse da comunidade internacional em negociar com o bloco.
Considere-se também, a miopia dos burocratas,não permitiu até o momento que o Mercosul,de forma simples, fizesse a integração comercial entre os países que compõem o bloco. Por exemplo, se um produtor do Nordeste brasileiro quiser enviar suas mercadorias para a Argentina ou Uruguai,certamente encontrará dificuldades para fazê-lo. Além disso,o Mercosul poderia ser a escola,principalmente para que empresas brasileiras pudessem expandir suas ações no cenário internacional.
O fato, é que seria um grave erro se considerarmos o Mercosul,apenas a partir da identidade conjuntural dos governos que do ponto de visto ideológico podem ter mais ou menos afinidade. Certamente que a afinidade ideológica dos governos pode ajudar bastante na condução das agendas e o avanço nos acordos.
É evidente que não existe um modelo institucional neutro e que a congruências de afinidades ideológicas entre os parceiros ajudam a avançar. Porem,precisamente para aproveitar o máximo essas oportunidades,é necessário criar instituições que consolidem a partir das negociações políticas, avanços que sejam difíceis dereverter,a despeito dos governos.
Por que não aprender com aUnião Europeia (esqueçamos a crise financeira que assola a UE)que ainda que formada por governos ideologicamente diferentes - social democrata,democrata cristão,conservador e liberal,é reconhecida como um bloco econômico que acima de tudo defende os interesses econômicos dos países membros?
Por outro lado,o Mercosulprecisa entender o tamanho de sua importância para o comércio internacional, mas é necessário que se organize para se consolidar como um forte bloco econômico e sobretudo busque parcerias longevas e vantajosas. E as oportunidades, sim existem.
De maneira oportuna, Wen Jiabao, primeiro ministro chinês, através de vídeo conferencia com os presidentes Dilma Rousseff (Brasil), Cristina Fernández (Argentina) eJosé Mujica (Uruguai) definiu que a China quer fortalecer os laços comerciais com o Mercosul e para isso assegurou duplicar o comércio com o países do bloco até 2016,alcançando a considerável cifra de 200 bilhões de dólares.
A proposta de Wen Jiabao prevê a criação de um fundo de cooperação onde a China aportará inicialmente cinco bilhões de dólares além de uma linha de crédito de dez bilhões de dólaresdo Banco de Desenvolvimento da China destinada a obras de infraestrutura. Não resta dúvida que o desejo do governo chines é a partir dessa aliança estratégica,o estabelecimento do tratado de livre comércio China-Mercosul.
Diante do cenário antagônico que paira sobre o Mercosul, urge que se apresentem interlocutores em defesa dos seus melhores interesses para o fortalecimento institucional, objetivando obter resultados econômicos satisfatórios para os países que compõem o bloco.
E ao Brasil, como principal economia do Mercosul, não cabe outra alternativa, senão se apresentar como protagonista da história da América do Sul.