Não me recordo de ter machadado árvore alguma. Até os pés de mamona, germinados de graça nos terrenos baldios do Porangabussu, eu ficava condoído quando inventavam derrubá-los para limpar o mato.
É que um magote de gente grande de hoje teve árvores na infância. Porque era comum nascer e se criar no quintal. Gente, cachorro, pinto e planta. E sem sentimentalidades, os pés de pau também eram parte das familias.
Só não chamávamos a goiabeira de “tia” porque soava doidice... Mas caberia, tranquilo, chamar de “vô” o velho pé de sapotis. E não seria exagero achar que nos escutavam, espreitavam e até ralhavam da arte que perigava. Menino!
Mesmo se soubessem palavrear, não enredariam o primeiro beijo encostado no tronco... nem a descobertas da fornicação à sombra ou as pinadas bestas. Nem a coisa “feia” com a pinta dura. Lá do alto, no olho da goiabeira, pra dentro e pra fora até esguichar satisfação.
A goiabeira vermelha sabia guardar segredos. Além de confidente, uma dadeira de fruta doce na boca. Quem não tirou ciriguela do pé? Ou chupou manga, se melou todo e ficou cheios de fiapos entre os dentes? E o coco da macaúba?
Pois bem, a goiabeira da minha infância já se foi. Deu muito fruto, pôs muita flor branca no mundo, teve muitos ninhos e soprou muito vento no calor quando começava uma paixão viçosa.
Fez sombra para alguns fuscas e se queimou, as folhas e os galhos quando a Kombi velha de meu pai tocou fogo no motor. Mas havia invernos e sarou. Para o nosso bem e das galinhas que se empoleiravam à noitinha e os ladrões rabo-de-cabras.
Essa conversa toda era também pra contar sobre as árvores de Nova York e dos pés de plantas sobreviventes no entorno da rua onde vivo – a Afonso Celso e as encruzilhadas vizinhas.
Pois Nova York mapeou as árvores de lá. Numerou-as, deu uma cor para identificar por espécie e as chama pelo nome de batismo e popular. Todas as 684,5 mil das ruas. Uma boniteza de gesto. É que a prefeitura novaiorquina tem um departamento de parques e recreação.
Fez um mapa online e interativo do itinerário das plantas e está mostrando qual o impacto ambiental e financeiro de cada árvore na Cidade. Eles calcularam que as 685 mil plantas retêm 1 bilhão de galões de água de chuvas e de tempestades, o que pouparia US$ 10,8 milhões em reparação de danos fluviais e problemas relacionados a inundações. Além da ventilação global favorecida.
Achei isso uma grandeza! Uma humildade de se importar. Fora os números e a cabeça capital deles, mostraram ainda como é bom viver com árvores e passarinhos pelos destinos tomados.
Desde que li isso, venho tentando vencer a indolência e fazer um pequeno mapa afetivo das árvores da rua onde descaso. Na verdade, já havia escrito num arquivo (antigo): “Sair contando árvores e ninhos que elas abrigam”. Despropósito...
Pode ser. Talvez a partir de 2017... Começar pelo ipê amarelo que me cumprimenta, todo dia, na esquina da Torres Câmara com Monsenhor Bruno. Lá, um casal de bem-te-vis usa há sete anos o mesmo ninho (reformado).
Talvez a geração de passarinhos-netos que já namoram. Ou outra família... Mas o ipê os acomoda e quando chega novembro-dezembro é flor amarela e mais passarins... Uma boniteza.
DEMITRI TÚLIO é repórter especial e cronista do O POVO demitri@opovo.com.br
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