[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Luar do sertão: Catulo da Paixão Cearense | O POVO
ANA MIRANDA 25/08/2013

Luar do sertão: Catulo da Paixão Cearense

"Catulo não era cearense, mas filho de um ourives cearense que tinha o orgulho no nome"
Ana Miranda S/ Email
Compartilhar

Não há, ó gente, oh não, luar como este do sertão... É o hino sertanejo, qualquer um sabe cantar, qualquer um se sente tocado no fundo do sentimento com essas palavras e a melodia. A cantiga é de Catulo da Paixão Cearense, que não era cearense, mas filho de um ourives cearense que tinha o orgulho da terra no nome. O tema nasceu de um coco, de autor desconhecido. Fazia parte do repertório de João Pernambuco, que o modificou e o ensinou a Catulo. Catulo dizia que era uma melodia do folclore nortista. O resumo é que são três autores: Catulo, João e o Povo. De qualquer forma, apesar de ser a música brasileira mais interpretada em todos os tempos, os três morreram pobres. Quem ficou rico fomos nós, que herdamos a modinha.

 

Catulo tem uma história de vida comovente. Dos dez aos 17 anos morou no sertão do Ceará. Foi com a família para o Rio, e se tornou relojoeiro. Trabalhou também como datilógrafo do Ministério da Viação, e como estivador no cais do porto, dizem que ele era uma fortaleza, carregando aqueles sacos. No Rio, entrou para a boêmia, fazendo amizade com os chorões mais fabulosos, como Anacleto de Medeiros e Viriato. Aprendeu sozinho a tocar violão e flauta. Foi parceiro de Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, do maestro Francisco Braga... O inesquecível tenor Vicente Celestino imortalizava as canções de Catulo, interpretando-as. “Flor amorosa”, “Ontem ao luar”, “A flor do maracujá”, “Por um beijo”, “Talento e formosura”... Todas as músicas carregam um lirismo sertanejo que lhe vivia na alma, trazido da infância sob saudosos luares. Dengue brasileiro, quebranto, evocação... Ficou famoso, chegou a se apresentar no palácio do Catete para o presidente Hermes da Fonseca, convidado por Nair de Tefé, a primeira-dama. Cantava suas modinhas em festas de casamento, e uma sua embolada fez sucesso no Carnaval de 1913, deixando-o espantado com a popularidade. O vate sertanejo era também poeta, e publicou alguns livros: Sertão em flor, Meu sertão, Um boêmio no céu, Alma do sertão, Poemas bravios... sempre pungente, terno, sertanejo. Compositores famosos usavam seus versos como letras de músicas. Era querido, foi aclamado O Poeta Nacional, “a voz da terra brasílica”. Teve busto de bronze em praça, retrato a óleo, reconhecimento.


Catulo não fazia apenas por si; editava em folhetos de cordel algumas preciosas antologias de cancioneiro popular, com modinhas, lundus, cançonetas, choros, trovas. Foi ele quem introduziu nas salas da nata carioca o violão, que era desconsiderado como um instrumento de boêmios e vadios. O maestro Alberto Nepomuceno o levou, com seu pinho e suas modinhas, para o Instituto Nacional de Música, e até o austero conselheiro da casa, Rui Barbosa, se curvou ao vate maranhense. A modinha estava no auge.


Dizem que Catulo era vaidoso, tinha muitas namoradas, e chamava a sua modesta casa de madeira, no Engenho de Dentro, de Palácio Choupanal. Ali ele recebia a flor das flores: escritores, pintores, poetas... Escrevia poesias, peças de teatro, traduzia versos de poetas clássicos franceses. Fundou um colégio na Piedade, onde dava aulas de línguas. Nessa escola estudava um rapazinho de quinze anos, Heitor Villa-Lobos, que costumava sair com o mestre e os amigos chorões pelas ruas do subúrbio, gozando, como dizia Catulo, do “veludo das noites brasileiras”. Villa adorava Catulo, dizem que se emocionava quando lembrava seus versos, e gostava especialmente daquele no qual Nosso Senhor, ao caminhar pelos desertos, apreciava ouvir uma viola ponteada por são Pedro, uma viola feita com a madeira da cruz, por isso o violão sofria tanto e tanto chorava. Villa-Lobos usou seu poema, “Rasga o coração”, no Choro nº 10. Musicou as poesias “Caboca di Caxangá” e “Tu passaste por este jardim.”


Mas a modinha foi ficando para trás, chegava o animado samba, e Catulo disse, numa pendenga com Sinhô: “Basta que um sujeito escreva um samba, em que, capadoçalmente, fale em Brasil, para que logo seja considerado um poeta dos voos nacionais”. Sofreu com a chegada dos novos tempos, e lamentou: “Já ninguém mais canta meu divino repertório!” Ele achava que uma serenata ao luar, harmonizada por uma flauta, dois violões, um cavaquinho, era a voz serena de um trovador noturno, a prece mais bela e religiosa que um coração humano podia endereçar a Deus. Essa prece, de verdade, é o inesquecível “Luar do sertão”. E ninguém a esqueceu: Este luar cá da cidade, tão escuro, não tem aquela saudade do luar do meu sertão...

Compartilhar
espaço do leitor
Nenhum comentário ainda, seja o primeiro a comentar esta notícia.
0
Comentários
300
As informações são de responsabilidade do autor:

ana miranda

RSS

ana miranda

ana miranda

Escreva para o colunista

Atualização: Domingo

TV O POVO

Confira a programação play

anterior

próxima

Divirta-se

  • Em Breve

    Ofertas incríveis para você

    Aguarde

Erro ao renderizar o portlet: Caixa Jornal De Hoje

Erro: maximum recursion depth exceeded while calling a Python object

Newsletter

Receba as notícias da Coluna Ana Miranda

Powered by Feedburner/Google

O POVO Entretenimento | Ana Miranda