[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Dona Bárbara do Crato | O POVO
Ana Miranda 24/02/2013

Dona Bárbara do Crato

Dona Bárbara foi a primeira presa política na história brasileira
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Eu ainda morava no Rio, ano de 1995, era vizinha da Rachel de Queiroz, e numa das visitas que lhe fiz ela me falou sobre dona Bárbara do Crato. Era a primeira vez que eu ouvia esse nome, e dona Bárbara entrou em minha vida pela voz de Rachel, que falava com fascínio em sua antepassada, mãe do padre Martiniano de Alencar, avó do romancista José de Alencar, e trisavó da escritora. Naquele dia Rachel me entregou uma preciosidade da família, o livro Dona Bárbara do Crato, de Juarez Aires de Alencar, com a recomendação de que eu escrevesse um romance histórico sobre a heroína republicana. Dona Bárbara foi a primeira presa política na história brasileira, por seu envolvimento na Guerra dos Padres, a revolução republicana de 1817.


Dona Bárbara era filha de uma mulher quase mítica, Teodora, possivelmente filha de índios e adotada por uma família de fazendeiros ricos. Contam que ela montava cavalos bravios, derrubava reses como um vaqueiro, caçava ferozes onças negras e parecia uma ninfa das caatingas. Teodora casou-se com Joaquim, filho dos primeiros Alencar que vieram de Portugal para o Cariri. Bárbara nasceu em 1760, ano de seca e de um violento ataque de índios ao sítio onde morava o jovem casal, no lado pernambucano dos Cariris. Cresceu ali, demonstrando desde menina seu temperamento valente, segundo a descrição de um contemporâneo. “Ela possuía muita harmonia nos traços, tinha a boca ampla e os lábios firmes, seu todo era forte, quase masculino, alta, a passada larga e decidida, ao mesmo tempo que movia com muita desenvoltura os braços longos. Se impunha como chefe onde chegasse e falasse”. Casou, mesmo contra a vontade dos pais, com um comerciante português que lhe deu filhos, entre eles Tristão, mártir das lutas pela independência e república do Brasil, e José Martiniano, senador, de uma atuação tão profunda como presidente da província do Ceará que “nada será feito no futuro que não tenha sido iniciado ou previsto pelo presidente José Martiniano de Alencar”, palavras de João Brígido. Depois Bárbara foi morar no Crato. Recebia poderosos da capital da província, até de Recife e da Bahia. Mas tudo sem luxo, tudo rude, as aristocracias guerreiras sempre desdenharam da riqueza. Consta que dona Bárbara era abolicionista e alforriou muitos, ou todos os seus escravos.


O envolvimento de dona Bárbara com a Revolução de 1817 começou com a visita que o naturalista Arruda da Câmara fez aos Cariris, em busca de adesões para a luta republicana e independentista. Em sua carta testamento, de 1810, ele lhe deu o título de Heroína, chamando-a de Bárbara Crato. E ela cumpriu honrosamente a missão de que foi encarregada. Seu filho, padre Martiniano, veio do seminário de Olinda onde estudava, com a missão de proclamar a república nas vilas do vale do Cariri, e dona Bárbara arregimentou um exército de cabras armados para apoiar a revolução. A república foi proclamada no Crato, numa cena comovente de cerco à cidade, e os combatentes seguiram para outras vilas, com o mesmo intento. Mas as forças imperiais derrotaram os revolucionários, em lances de violência e intrigas que muito revelam os costumes e a situação da época, e dona Bárbara foi presa, levada depois para os cárceres da Bahia. Sofreu horrores na cadeia, com filhos e correligionários também aprisionados. Ela perdeu suas terras e riquezas, muitos parentes, foi humilhada, incompreendida, mas voltou numa caravana, depois da independência do Brasil, aclamada nas cidades sertanejas por onde passava. Reconstruiu sua vida, lutando para reaver as terras que perdera e que tanto amava.


O sofrimento não a abateu, e ela se envolveu na guerra seguinte, a Confederação do Equador, de 1824, quando perdeu dois filhos, Tristão e padre Carlos, um irmão e outros mais parentes, ainda perseguindo a ideia republicana. Reunia-se com os futuros mártires da Confederação, orientava, estimulava os ideais e a luta. Morreu ao terceiro sol de 1833, refugiada num sítio, ao final da terceira guerra política de que participou, contra a restauração do trono imperial. A história de dona Bárbara é fabulosa, digna de uma biografia escrita por esses biógrafos minuciosos que tiram leite de pedras, pois os documentos são poucos e a maioria ainda no oblívio dos arquivos paroquiais e municipais, nos baús familiares. Ela nos honra como cearenses, e como mulheres, tenho certeza de que Rachel se inspirava nela, e se lembrava dela nos momentos de dúvidas diante das tantas adversidades que teve de enfrentar.

 

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