[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Fantasia de Carnaval | O POVO
Ana Miranda 10/02/2013

Fantasia de Carnaval

"Talvez todo o trabalho de nos fantasiarmos fosse apenas para cumprir um ritual, de nos vestir, sair à rua, sermos fotografadas"
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Vejo num álbum de fotografias meu retrato, ainda criança, muito magrinha, de olhos grandes e tímidos, fantasiada de bailarina: um tutu armado em camadas de tule, o corpinho todo rebordado, um diadema nos cabelos, os pés pequenos em sapatilhas autênticas, tentando compor uma posição de balé, os braços arqueados, mas um tanto desajeitada. Ao lado está a minha irmã numa alegre e musical baiana de turbante, cestinha de “frutas” na cabeça, saia em babados de rendas e muitos balangandãs, argolas, colares, fitas, um pano da Costa no ombro. Bem extrovertida como uma verdadeira baiana. Uma coisa linda a foto. Nossos rostos de meninas expressam um sentimento de alguém no meio de um sonho, acreditando nos personagens que escolhemos. Nós nos fantasiávamos também em nossas alminhas.

 

Não lembro se íamos a algum clube dançar bailes carnavalescos, acho que não. Talvez todo o trabalho de nos fantasiarmos fosse apenas para cumprir um ritual, de nos vestir, sair à rua, sermos fotografadas, guardar a foto num álbum e termos a recordação de uma infância boa, de um tempo feliz, quando éramos iguais aos outros. Naquela época as pessoas tentavam ser iguais umas às outras. Cada Carnaval em que nos fantasiávamos provava que nossa família cumpria o que se esperava dela: a celebração das cerimônias comuns. Lembro de ver meu pai chegando com vidros de lança-perfume, que naquela época era algo inofensivo, permitido às crianças, e pacotes de serpentinas, sacos de filó cheios de confetes. Minha mãe ficava sentada dias e dias à máquina de costura ou à mesa com seu costureiro de cesta e sua tesoura, cortava o tecido, pregava lantejoulas uma a uma, fazia fios de canutilhos, franzia na máquina o tule transparente ou as rendas brancas dos babados, enfiava as contas dos colares, pintava de purpurina umas bananas e frutas de cera em miniatura, com um sorriso nos lábios, talvez entregue a algum devaneio, ela criou as nossas fantasias com mãos de fada e carinho.


Depois, adolescente, minhas fantasias passaram a ser uma tentativa de fazer surgir a mulher que havia dentro de mim, ainda em formação, ou as mulheres arcaicas, de lembranças mais antigas do que eu mesma, e que eu buscava e aprendia a representar. Lembro uma fantasia que eu mesma fiz, de improviso, uma havaiana, que era nada mais que uma toalha amarrada na cintura, um busto estampado bem colorido, e colares de flores que eu mesma montei. Talvez alguma Xerazade a inventar histórias, uma cigana, ou uma colombina triste cantando a “Máscara negra”. “Eu quero matar as saudades... Vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é Carnaval...” Um desabrochar sem malícia ou bacias d’água despejadas à traição, confete e serpentina, limões de cheiro dos antigos entrudos... Uma lágrima desenhada no rosto... Só fantasias na imaginação.


Porém o que mais gosto no Carnaval é olhar as fantasias nas ruas. Costumava, nas tardes de Carnaval, sair com um amigo só para olhar as fantasias. Sentávamos num bar, ou numa arquibancada, e ficávamos ali, horas a fio, admirando as pessoas fantasiadas a dançar ou apenas a caminhar, sem mesmo alguma música, do começo ao fim da rua, indo e voltando, uma espécie de corso popular a pé. O nosso, assim como o delas, era um divertimento vadio, um pouco patético, meio sem sentido, parecendo a própria vida. Mas eu me sentia feliz, como se fosse uma criança num circo. Havia as fantasias de tirolês, odalisca, o melancólico trio de arlequim e colombina e pierrô, fantasia de anjo, índio, oncinha... as irreverentes, de freira, meretriz, homens vestidos de mulheres como se nós fôssemos os seres mais irresponsáveis e levianos e cheios de trejeitos do mundo... as de sátiras políticas... máscaras de presidentes, atores, macacos, algumas fantasias originalíssimas, como a de árvore, de dinheiro, saco de pipoca... os tradicionais clóvis batendo bexigas no chão e fazendo medo às crianças. Também, as pessoas que saíam em blocos, com fantasias iguais.


Mesmo sendo fantasias, eram verdadeiras, porque combinavam com a pessoa e eram escolhidas por algum motivo ou sentimento particular, cada uma daquelas pessoas contava um segredo de seu modo de ser, todas transpareciam um jeito de escapar da realidade e viver um sonho. Cada um escolhia um papel a representar, e cada um o representava à sua maneira. Não é assim o ano inteiro? As pessoas fantasiadas com seus personagens... A mãe dedicada, o empresário apressado, o palhaço das festas, a eterna sofredora, o distraído, o galã... todas, um encanto.

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