[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] José Américo: Um jovem de 90 anos | O POVO ONLINE
Jan/1977 21/09/2012 - 08h00

José Américo: Um jovem de 90 anos

José Américo de Almeida soube unir, com fidelidade de pensamento, a literatura e a política. Nos dois campos, o homem identificado com os problemas de sua terra e de seu povo. Foi assim que moldou uma literatura adequada ao exercício de sua personalidade combativa %u2013 uma literatura de denúncia do homem esmagado pelo rigor da seca e desamparado de tudo e de todos.
Acervo O POVO
Página do Jornal O POVO publicada em 08/02/2000
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Jornal O POVO 08/02/2000

 

A princípio, ele foi poeta, escrevendo principalmente sonetos em que era patente a influência de Augusto dos Anjos, seu contemporâneo na Faculdade de Direito de Recife. Depois, mais amadurecido intelectualmente, repudiou-os. Em seguida, se fez articulista, publicando artigos em jornais. E, enfim, escreveu romances, novelas, ensaios, memórias. Um de seus romances, A Bagaceira, projetou nacionalmente o seu nome, antes que a política o projetasse além das fronteiras da Paraíba, Estado onde nasceu. José Américo de Almeida soube unir, com fidelidade de pensamento, a literatura e a política. Nos dois campos, o homem identificado com os problemas de sua terra e de seu povo. Foi assim que moldou uma literatura adequada ao exercício de sua personalidade combativa – uma literatura de denúncia do homem esmagado pelo rigor da seca e desamparado de tudo e de todos. Foi dessa maneira, também, que forjou seu nome na política, onde chegou a ser candidato à presidência da República, deputado, senador, governador da Paraíba. Em seus discursos, como na literatura, a luta em defesa do Nordeste e a denúncia de seus problemas. O repórter do O POVO Fenelon de Almeida foi encontrá-lo na Praia de Tambaú, na Paraíba, por ocasião do seu 90º aniversário, em janeiro de 1977. O "jovem de 90 anos" há alguns anos já havia se recolhido, mas mesmo assim ainda mantinha o status de conselheiro de muitos políticos. A entrevista, não poderia deixar de ser, acabou como um relato de sua vida – da infância à política, da literatura à solidão da casa. Porém, serviu também para mais reflexões sobre o Nordeste, a seca, os livros.


Toda a gente de João Pessoa sabe onde mora o ministro José Américo. Toda a Paraíba o conhece e o reverencia como o seu filho mais ilustre. E ele é mais que isso. É hoje patrimônio nacional, mentor da nacionalidade, um paradigma para as novas gerações de homens públicos, por ter sido ele um propugnador intransigente da decência administrativa e um defensor implacável da preservação incondicional do patrimônio da Nação e da Província natal, às quais serviu com verdadeiro espírito público e raro descortino administrativo.

A reportagem do O POVO foi encontrá-lo ainda são e lúcido, na véspera do seu 90° aniversário, no seu retiro da Praia de Tambaú – a mais bonita orla marítima das muitas que conheço. "Entre o mar e a colina verde", como ele próprio escreveu, está situada a sua casa. Ali ele mora há mais de 20 anos. Desde quando se retirou voluntariamente da vida pública. Mas, em seu retiro de Tambaú, ele não vive isolado de tudo e de todos. Lê muito e é bastante lúcido para, mesmo de longe, acompanhar o mundo que o cerca. É mestre e conselheiro de chefes políticos e de homens do povo, de ministros de Estado e de simples lavadeiras, de parlamentares e de estudantes, e de literatos em começo de carreira, que se vão aconselhar com ele toda vez que disso têm necessidade. Foi por isso que, quando lhe perguntei se a solidão o deprime, teve esta resposta antológica:

- “A solidão liberta-me e valoriza-me. Enquanto estou só, crio o meu mundo e me basto. Mas uma presença é sempre um raio de sol a reconciliar-me com o mundo exterior”.

LITERATURA E CENSURA
Sabíamos que o literato surgiu antes do político. Por isso perguntamos ao ministro José Américo o que o levou a seguir a carreira política quando tinha tudo para brilhar ainda mais intensamente na literatura.

– Não sei. Talvez porque, infelizmente, no Brasil, a literatura ainda não dá independência, não é uma profissão, não assegura a manutenção do escritor. Começou muito cedo, ainda como estudante a escrever nos jornais.

– Quase todos os escritores passaram pelas redações dos jornais. Fizeram-se jornalistas e, como jornalistas, aprimoraram a forma, tornaram-se escritores. De maneira que os seus rumos foram os mesmos:

– Sempre fui um amante da leitura, um leitor constante. Depois, nomeado muito cedo Procurador Geral do Estado junto ao Superior Tribunal de Justiça, da Paraíba, tive que adotar outro estilo de vida. Retirei-me do meio social, recolhi-me ao meu gabinete. Nesse tempo, pude me preparar para livros de certa responsabilidade, como “A Paraíba e seus problemas”.

Comprava livros diretamente à França, à Inglaterra, à Itália, todos vindos pelos Correios. E não perdia um só volume.

– Depois de escrever “A Paraíba e seus problemas”, livro de ensaios, vi que havia um resíduo que podia ser aproveitado com outra feição. Daí ter escrito “A Bagaceira”. Não é propriamente uma literatura dirigida. Mas, como me filiei ao movimento modernista de São Paulo; como representei esse movimento no Nordeste e sou de certa forma considerado o seu pioneiro, introduzi essa experiência no romance, que era uma literatura mais fácil de propagar, um gênero que podia estar nas mãos de todos.

E, reatando o fio da pergunta inicial:

– Depois, fui arrebatado pela política. Chamado ao Rio para ocupar o Ministério da Viação, não tive mais a oportunidade de escrever. Mas mantive o meu estilo. Redigia todos os relatórios, alguns dos quais constituem livros que ainda são consultados, como “Ciclo Revolucionário do Ministério da Viação”, e “O Ministério da Viação no Governo Provisório”. Finalmente, deixando esse posto, fiz mais duas novelas – essas, ditadas, para torná-las mais acessíveis. Resolvi ditá-las a um amigo e, assim, saíram “Coiteiros” e “O Boqueirão”. Finalmente, publiquei discursos: “A Palavra e o Tempo”, e “Discursos de seu Tempo”. Dei também a lume “Ocasos de Sangue”, a história de três desfechos sangrentos: a morte de João Pessoa, o suicídio de Getúlio Vargas e o assassinato de Virgílio de Melo Franco. Dispus-me, finalmente, a redigir minhas memórias. Comecei por “Antes que Me Esqueça”, que é uma espécie de “aperitivo”, compreendendo apenas a infância, a idade ingênua, procurando, o quanto possível, ajustar a linguagem a esse período da vida. Prosseguirei nesse plano. Os volumes seguintes chegarão até o plano político, quando me desloquei para o centro e participei dos grandes acontecimentos que modificaram a face política do Brasil. Publicado o 1° volume, levando dados para a publicação do 2° e sairão mais três ou quatro, até os dias atuais.

– Conte-nos um episódio de sua infância contido em suas memórias. Uma breve reflexão, e começou:           

– Eu era menino de engenheiro e vivia na área dos fortins da Borborema, zona deprimida pelo atraso agrícola. Eu tinha a mobilidade de um pequeno selvagem dentro dos meus limites e, dos seis para os sete anos, fui arrancado do meu chão para a reclusão na casa do meu tio-padre. Na primeira manhã, despertei com o canto dos passarinhos e saltei da cama para as minhas correrias. Era uma ilusão, não eram os canários do beiral da casa grande que cantavam e sim os das gaiolas que forravam as paredes da sala de jantar. As portas só se abriam para mim quando ia à escola pertinho ou à igreja, a alguns passos. Faltava-me companhia. Meu tio, com a sua austeridade, não se dignava dar-me uma palavra e a criada preferia resmungar sozinha. Foi aí que comecei a conhecer o silêncio e me acostumei a viver só. Iria a pulso para o seminário e lá, dentro da comunidade, também não havia comunicação. Era proibido maliciosamente o que se chamava "amizade particular". Não tendo com quem falar, falava comigo mesmo. Passei então a sonhar acordado. Criava um ambiente e povoava-o de plena luz. Isso me ajudou a ser romancista. 

- A censura não está sendo atualmente fator negativo para a literatura brasileira?          

– O escritor, para criar, precisa de liberdade. Portanto, que ele também seja sujeito à responsabilidade. Sempre fui contra a censura. Quando ocupei o Ministério da Viação pela primeira vez, todos os ministérios tinham essa cobertura, feita pela Polícia. Escrevi ao Chefe de Polícia, João Alberto, dispensando-a do meu Ministério. E tirei disso grande proveito, porque, destacando do jornal as páginas em que se faziam certas críticas, distribuí-as pelos vários setores e departamentos subordinados, exigindo elementos para publicar notas de gabinete, em resposta às críticas formuladas. Isso, de certa forma trazia todos alertas, evitando, qualquer prática que pudesse incorrer em reparos e até mesmo em censura.

– Qual, na sua apreciação, o maior escritor brasileiro?          

– Eu não gosto de critérios absolutos, dizer, por exemplo, qual é o maior livro, qual é o maior escritor. Porque o escritor pode ser grande sob certos aspectos, conquanto sua obra não seja maior. De forma que é preciso distinguir. Prefiro não fazer discriminação de modo absoluto. Um grande escritor pode ter bons livros e livros mais fracos. De forma que me excuso dizer qual o maior deles. Posso dizer qual o mais consagrado, que, a meu ver, é Machado de Assis. Dos modernos, Guimarães Rosa.

– A seu ver, o ciclo da chamada "literatura das secas" já chegou ao fim?          

– Considera-se um assunto mais ou menos esgotado. Mas, existem outros aspectos que poderão ainda ser utilizados. O Nordeste tem condições para desenvolver uma literatura própria, independente desse tema, – o cangaço, por exemplo, que também já procurei explorar, por uma de suas formas indiretas, no livro “Coiteiros”. Não digo que o romance no Nordeste, sob essa feição, das secas, esteja inteiramente esgotado. Depende de novos talentos, de outras revelações, que serão igualmente interessantes como expressões do meio, expressões do ambiente.

– E o que está faltando para que voltem a pontificar, como no passado, os grandes romancistas do Nordeste?     – Como já disse, o romance do Nordeste tinha como temas principais a seca e, depois, o cangaço. Já foram explorados estes temas. Agora, para que seja renovado, parecia ser lançado com grandes possibilidades, com grandes recursos literários e artísticos. No dia em que surgir um escritor com essas qualidades, o romance do Nordeste, tendo o mesmo caráter, poderá, afinal de contas, representar, como já representou, uma corrente literária, porque, quando surgiu, popularizou-se de tal forma que o romance, que havia sido de certa forma esquecido, tornou-se o ramo literário mais popular do Brasil.

– Que achou da adaptação da “A Bagaceira” ao cinema. Houve deformação? Em que sentido?          

– Houve desvio do romance. “A Bagaceira” não se projetava até 1930. Era um romance social e não um romance político. Além disso, algumas figuras foram de certa forma deformadas. Soledade, por exemplo, perdeu inteiramente a sua personalidade, tornando-se violenta no desfecho. O produtor estava interessado em fazer um filme de ação. Mas um filme de ação não é de violência. E havia conflitos que ele podia ter explorado. Como entre pai e filho, entre brejeiro e sertanejo, e assim por diante. Artisticamente, "A Bagaceira" tem alguns atributos, mas não foi fiel ao romance.

SECA, FOME E SUDENE
– O que fazer para resolver-se em definitivo o problema da seca no Nordeste?          

– Eu falei, no Ceará, longamente, quando recebi o título de Cidadão Cearense, sobre a necessidade de fazer-se uma revisão nos planos atuais. Antes, como Ministro, fui responsável pela primeira regulamentação dos vários sistemas. Acreditava no grande açude, mas acabei reconhecendo que o nosso problema não é o mesmo de outras áreas. Na África, por exemplo, num vale úmido constrói-se uma açude. Em derredor tudo é deserto. De maneira que nada se altera. Mas, aqui, constrói-se o grande açude e logo depois ele é saturado e ocupado. Não fica em condições de absorver as massas deslocadas pela seca, que não passa de desemprego rural. De forma que, como disse, o grande açude, que é necessário como apoio econômico em qualquer época, não atende a emergência, não dá trabalho (serviço), não tem mais condições para isso. Hoje, estou certo de que esse problema, sendo complexo, dependendo de diversas iniciativas, deve ter um apoio, por assim dizer, individual. Só o pequeno açude ou o açude médio, preservando casa, propriedade dos feitos da seca, poderão nos livrar das crises que ainda nos ameaçam. Uma vez, sobrevoando o Ceará, distingui lá de cima uma mancha verde. Perguntei o que era e me disseram que era um açude particular. Ainda indaguei qual era a sua função. E me disseram que contribuía para a manutenção do pessoal, salvava um pequeno rebanho de 300 reses, e assim por diante. Daí venho sugerindo que o governo devia estimular a construção de empresas, motorizadas, com área necessária para a construção de um pequeno açude em cada propriedade, não sujeita às delongas burocráticas que o desmobilizaram, mas podendo ser feito em três meses, mecanicamente, em dois ou três meses, e essas propriedades terão condições de atravessar as secas médias. As secas de mais de dois anos são raríssimas, em todos os tempos. Fiz a história de todos no meu livro “A Paraíba e seus problemas”. Há duas ou três secas de mais de dois anos, como a seca de 1907, a de 1932. Se, portanto, o governo, em vez de gastar improdutivamente, como tem feito, fora dos planos, sem deixar nada de definitivo, nada que colabore para a solução geral, desse dessa forma de auxílio aos proprietários rurais, eu acho que, em pouco tempo, em poucos anos, nós estaríamos livres desse flagelo. Para manter-se, o proprietário precisaria de financiamento durante a época da crise. Mas, as despesas seriam inferiores, muito inferiores, ao que se gasta, hoje, de maneira inteiramente perdida, que nada fica, como não ficou até hoje. Também acho que se deve fazer um estudo científico da seca, do seu clima, para ver se é possível prevenir o mal, isto é, ter a impressão de sua aproximação e tomar as medidas necessárias para que os danos sejam mentores. Isso que se está fazendo ou se pretende fazer, em referência à intervenção do homem nas próprias condições atmosféricas, com as chamadas chuvas induzidas, a meu ver, são medidas proveitosas, que devem ser repetidas e aperfeiçoadas.

– Que diz da ação da Sudene: há alguma disparidade entre a implantação da indústrias no Nordeste e o bem-estar social dos seus grupos humanos?          

– A Sudene é um órgão que eu previ antes de ser criado. Entendia que as crises do Nordeste deviam ser dirimidas pelos meios próprios, mas que se deviam, ao mesmo tempo, elevar o nível econômico da região, para que ele se preservasse dessas depressões. Tive vários encontros com o seu fundador, Celso Furtado. Ele, de certa forma, subestimava a região. Eu lhe perguntava a que se devia o atraso do Nordeste, e ele costumava responder que era ao excesso de população. Eu, então, ponderava que, em certos momentos, o que havia era o contrário; era a falta de braços para certas colheitas, como as do algodão, do sisal e outras. A Sudene, porém, orientou seus planos naquele sentido. Hoje, faz certos estudos que são necessários para a solução geral – estudos da Geologia e outros correlatos. Mas, se ocorrer alguma seca atualmente, os efeitos não serão tão desastrosos como os anteriores, porque temos estradas, temos açudes, temos outras vantagens. Há cerca de cinco anos passados, fui convidado a assistir a uma das reuniões da Sudene. Esta teve lugar em Fernando de Noronha. Pensei que se tratasse de problemas locais. Mas eram os problemas gerais da Região. Não podia falar, não podia participar dos debates. Mas o governador João Agripino me designou, por exceção, para representá-lo. Então, tive oportunidade de exortar à Sudene a assumir a responsabilidade do combate às secas que reincidiam. Nesse tempo, ela não tinha sequer um plano de combate. Depois, chegou a elaborar um. Mas o meu pensamento é que, se ocorrer hoje uma grande seca, os efeitos ainda serão desastrosos. Não serão maiores, porque temos alguns recursos locais: temos os açudes, o peixe etc. Uma vez, me disse uma grande figura, que eu admiro, Rui Simões de Meneses, que o peixe desses açudes se estivesse regulamentada a pesca, chegaria para indenizar todas as despesas feitas com os açudes. Ele me dizia isso, porque fui eu quem criou a Comissão de Piscicultura, quando Ministro da Viação e Obras Públicas. Foi iniciativa minha e procurei lançá-la com uma base segura de caráter científico e permanente, contratando um grande técnico, que estudou as águas do Nordeste e quais as suas reais condições, e pode assegurar o êxito que nós temos.

– O controle rigoroso da natalidade não seria a solução para o problema da fome no Nordeste? Porque nós sabemos que há fome endêmica na Região, independente da ocorrência de secas.          

– Celso Furtado não cogitava, ainda, com o controle à natalidade mas do deslocamento dos excessos de população do Nordeste para outras regiões brasileiras menos povoadas. Na grande seca de 1932, chegando ao Ceará, eu fiz desembarcar muita gente que já estava a bordo para viajar. Evitei por todas as suas formas a evasão. Abri os campos de concentração, para ir recolhendo os necessitados, e, daí, à medida que fossem projetadas as obras dos açudes, ia tirando os elementos válidos, para a construção. Só num campo, entre Crato e Juazeiro, estiveram recolhidas mais de 100 pessoas. Agora: o que aconteceu com essas medidas? Só permitindo que deixassem o Nordeste aqueles que tinham apoio econômico.

– Mas, voltando ao controle da natalidade: aprova ou desaprova?          

– No meu discurso, na Academia de Letras, eu disse que via sob grandes ameaças, inclusive da bomba atômica. Que essa não devíamos temer tanto, porque o perigo era comum, era de um lado e do outro. Mas que a ameaça maior era a fome. E, realmente, é a que o mundo está condenado, se não tomar providências que, de certa forma, evitem essa calamidade. E não posso deixar de reconhecer que controle de natalidade, sendo bem dirigido e limitando-se a certas camadas, é um dos meios de evitar a ameaça que pesa sobre a humanidade.

– Já que o senhor vive e sente os problemas do Nordeste, como recebeu a notícia da descoberta de petróleo no Ceará?          

– Recebi da forma mais alvissareira e já com certa confiança. O Nordeste precisa justamente disso, de elementos novos. No discurso que fiz no Ceará, quando recebi o título de Cidadão Cearense, eu procurei explicar porque é que o Ceará não se desenvolvia como outras unidades, como outras regiões, e toquei nesse ponto: porque não tinha petróleo. Com petróleo, o Ceará será uma extraordinária civilização de trabalho, porque o cearense é um realizador.

– O senhor se decepcionou com a vida política?          

– Muito. A política viciou-se. E nunca se praticou a democracia no Brasil na sua essência. Fiquei sempre decepcionado e por isso tinha decidido me afastar cedo. A vida política devia ser melhor, pois o político deve ter a função de um servidor, deve ter espírito público. Se a democracia fosse praticada, isso seria possível. Mas não existe seleção de valores. 

No engenho
José Américo de Almeida nasceu a 10 de janeiro de 1887, no engenho Olho D'Água, perto da cidadezinha de Areia, na Paraíba. Viveu a infância no engenho mas aos nove anos, com a morte do pai, foi entregue ao tio-padre, em Areia. Este tentou orientar a formação do sobrinho para o sacerdócio. José Américo ingressou no seminário da Paraíba, onde esteve por dois anos apenas.

Contato com a terra
Formado em Direito em 1908, já no ano seguinte José Américo foi nomeado Promotor Público da comarca de Sousa, em pleno sertão. Costuma-se dizer que dessa viagem ao alto sertão paraibano, feita em lombo de burro, o romancista que havia nele viu e sentiu tudo, enquanto o homem público tomou contato com os problemas de sua terra e de sua gente.

A literatura
Após o ensaio A Paraíba e Seus Problemas, José Américo publicou, em 1928, o romance A Bagaceira, que lhe possibilitou consagração nacional. Editado pela imprensa oficial, numa brochura modesta, o livro obteve excelente repercussão. "Temos um romancista novo", escreveu Tristão de Athayde na época. "Não se velho ou novo de idade. Sei apenas que autor de um livro sensacional". Isso lhe abriu caminho para, mais tarde, ingressar na Academia Brasileira de Letras.

A política
Depois da literatura, o político, José Américo enfrentou, em 1930, a insurreição de Princesa, como secretário de governo de João Pessoa, governador da Paraíba. Logo depois, acabou assumindo o Governo do Estado, após o assassinato de João Pessoa. Nos primeiros dias da Revolução de 30, que levou Getúlio Vargas ao poder, José Américo foi convocado para o Ministério da Viação e Obras Públicas. José Américo tinha 44 anos.

Quase presidente
Deputado, senador, governador da Paraíba, ministro, José Américo também foi candidato à presidência da República em 1937, em oposição a Plínio Salgado e a Armando Salles de Oliveira. Durante a campanha eleitoral, seus discursos tiveram um cunho eminentemente social e popular. Seus discursos, inclusive, acabaram se transformando em livro (A Palavra e o Tempo) O golpe de Getúlio, porém, instaurando o Estado Novo, o fez recolher-se à vida privada. Durante o Estado Novo, José Américo viveu em sua casa no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro.

Contra a censura
Foi na sua casa, no Rio de Janeiro, que em fevereiro de 1945 José Américo concedeu a famosa entrevista a Carlos Lacerda, defendendo a realização de eleições. A entrevista foi publicada no jornal Correio da Manhã. Com a entrevista, ele ajudou a acabar com a censura à imprensa e a própria ditadura do Estado Novo. A partir daí, transformou-se numa espécie de oráculo a quem políticos passaram a se dirigir em busca de conselhos. 

Perto de Vargas
Apesar de ajudar a pôr fim ao Estado Novo, José Américo foi convidado para o ministério da Viação e Obras Públicas quando Getúlio voltou à presidência. Assim, acompanhou de perto os acontecimentos de agosto de 1954, que culminaram com a morte de Vargas. A partir dali, recolheu-se ao silêncio e à solidão na sua casa, na praia de Tambaú, em João Pessoa.

Lúcido na morte
José Américo de Almeida morreu em 10 de março de 1980, aos 93 anos de idade, três anos após Fenelon de Almeida ir a Tambaú entrevistá-lo. Estava quase cego, porém muito lúcido. Nos últimos tempos lia e escrevia por olhos e mãos alheias. Na Paraíba, não houve expediente nos bancos, comércio e repartições públicas. O presidente da República João Figueiredo, decretou luto oficial em todo o País. O governador do Ceará, Virgílio Távora, também. 

Obras de José Américo de Almeida
Reflexões de uma cabra - novela - Paraíba, 1922.
A Paraíba e seus problemas - Paraíba, 1923, 3° edição - Ed. Globo, 1937.

 A Bagaceira - romance - 1° edição - Imprensa Oficial - Paraíba - 1928 - 13° edição - Ed. José Olympio - 1974.

O Boqueirão - romance - Editora José Olympio - Rio - 1935. 

Coiteiros - romance - Cia. Editora Nacional - São Paulo - 1935.
As Secas do Nordeste - Exposição e debates na Câmara Federal - Ed. do Ministério da Viação, Rio - 1953. Ocasos de sangue - memórias - Editora José Olympio - Rio - 1954.

Discursos do seu tempo - 2 volumes – Univ. Federal da Paraíba - 1964-65. A Palavra e o Tempo (1937-1945-1950) - Ed. José Olympio - Rio - 1965.

Ad imortalitatem - Discursos de José Américo de Almeida e Alceu Amoroso Lima - Sec. de Educação e Cultura da Paraíba - João Pessoa - 1967.

Graça Aranha, o doutrinador - Ed. da Univ. da Paraíba – João Pessoa -1968.

O Ano do Nego - memórias - Gráfica Editora Pessoa - 1967.

Eu e eles - Perfis - Ed. Nosso Tempo - Rio - 1970. Quarto Minguante - poesia.

Antes que Me Esqueça - memórias - Ed. José Olympio - 1976. 

Maria Teresa Ayres mariateresa@opovo.com.br
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espaço do leitor
Nascimento 07/10/2012 11:51
07.10.12 Como paraibano de coração, endosso as palavras do articulista. José Américo foi um homem probo,caráter firme e combativo, inteligência impar, escritor de talento, politico de grande influência, um nome para honrar a história da Paraiba.
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