[an error occurred while processing this directive][an error occurred while processing this directive] Entrevista de Ernesto Geisel à televisão francesa | O POVO ONLINE
jul/1977 19/09/2012 - 08h00

Entrevista de Ernesto Geisel à televisão francesa

Escreveu o jornalista Jânio de Freitas que aqueles integralmente contrários à ocupação do poder constitucional pelo poder militar não podem ter opinião retilínea sobre o general Ernesto Geisel, presidente da República entre 1974 e 1979. Isso porque, a despeito de ter sido um presidente militar, em regime ditatorial, é impossível reconhecer nele o construtor da via, depois alargada pelo general Figueiredo, que restituiu aos brasileiros o direito de não serem subjugados pela arbitrariedade armada.
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Página do Jornal O POVO publicada em 15/02/2000
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Jornal O POVO 15/02/2000

 

Escreveu o jornalista Jânio de Freitas que aqueles integralmente contrários à ocupação do poder constitucional pelo poder militar não podem ter opinião retilínea sobre o general  Ernesto Geisel, presidente da República entre 1974 e 1979. Isso porque, a despeito de ter sido um presidente militar, em regime ditatorial, é impossível reconhecer nele o construtor da via, depois alargada pelo general Figueiredo, que restituiu aos brasileiros o direito de não serem subjugados pela arbitrariedade armada. Recluso por temperamento, Geisel morreu lembrado, porém quase desconhecido. Após deixar a presidência em 1979, viveu fora do poder e da política. Recusou-se a escrever memórias e relutou para narrar sua vida: "Estou muito velho para ficar falando de mim mesmo". A ditadura colocou-o no poder e ele a desmontou. Recebeu, em 1974, um governo com poderes excepcionais, tortura de presos políticos e censura à imprensa. Num levantamento feito pelo jornalista Elio Gaspari, que assina coluna no O POVO, em cinco anos, Geisel  cassou 11 mandatos parlamentares e fechou o Congresso por duas semanas. A censura proibiu 47 filmes, 117 peças, 840 músicas e quilômetros de textos jornalísticos. Nesse período, ainda segundo Gaspari, 42 pessoas foram assassinadas, 39 das quais desapareceram nos porões do regime, e registraram-se 1.022 casos de denúncias de tortura. Quando deixou Brasília, o AI-5, que lhe dera poderes ditatoriais, estava extinto. A imprensa recuperara a liberdade. Não havia mais tortura de dissidentes. Haviam terminado as prisões políticas. Discutia-se a anistia. No entanto, há algo intrigante na figura de Geisel: o paradoxo em que convivem o comandante de uma ditadura e o chefe de uma abertura. Mais: viveu convencido de que a democracia é coisa relativa e eleição direta para presidência da república é um erro até mesmo nos Estados Unidos. Divertia-se argumentando que "Parlamento é para parlar'. Impossível mesmo, portanto, ter uma opinião retilínea sobre o general. Pois é esse personagem que revemos a seguir, numa entrevista publicada no O POVO em junho de 1977. Avesso a entrevistas - praticamente não falava com jornais e revistas - esta foi uma entrevista concedida à televisão francesa, reproduzida nas páginas do O POVO antes da exibição do programa na França. Torna-se interessante por refletir algumas das idéias do general e por fazer perceber, entre outras coisas, como um presidente da república deveria aparecer nos jornais num período discricionário como aquele. Quem ler, perceberá.
    
Brasília - O presidente Ernesto Geisel disse que o Brasil é um "País livre e devemos zelar para que essa liberdade se exerça efetivamente", mas observou que é preciso que a todo direito corresponda um dever, que não se pode só falar em direitos, é preciso falar nos deveres. "Quando se fala em liberdade, declarou o Presidente da República, "é preciso colocar ao lado da liberdade a responsabilidade."

O presidente Geisel fez essas declarações ao apresentador da rádio e TV francesa Jacques Chancel, que esteve no Brasil a fim de gravar uma entrevista com o chefe do governo e que hoje será transmitida pela televisão francesa, cana 2, durante um programa de três horas de duração sobre o Brasil.

Geisel concedeu a entrevista no dia 9 deste mês, no jardim interno do Palácio da Alvorada. As perguntas eram dirigidas ao Presidente em francês. o coronel Camargo, assessor da Imprensa da Presidência, traduzia para o Presidente e vertia a resposta para o francês. A entrevista a ser divulgada hoje pela televisão francesa será dublada com o telespectadores ouvindo em francês as respostas do Presidente Geisel.

Dentre numerosas informações prestadas ao entrevistador, o presidente Geisel disse que não é verdade que aqui se pratiquem torturas contra os que não apoiam o governo.

"Quem vive no Brasil sabe que o Brasil é um País livre, onde todos podem viver livremente e exercer todos os seus direitos" acentuou o Chefe do Governo, acrescentando que na Europa poucos são os que se detêm e analisam o Brasil como ele é e que por isso mesmo não, podem fazer uma crítica sincera do nosso País.

É a seguinte a entrevista com o Chefe do Governo Brasileiro que a televisão francesa irá divulgar hoje à noite durante o programa "Le Grand Echiquier":

P - Aqui estamos no Brasil, em busca da música, das artes, de uma visão ampla de suas paisagens. Era preciso uma voz para trazer o aspecto político. Uma só voz. A sua, senhor Presidente. O Brasil é um país imenso, invejado e temido. Daí poder-se pensar que pese sobre ele a maldição do espaço. Pode-se imaginar que ele tenha aspirações a ser potência. O senhor, tem, senhor presidente, este sentimento?

R - Eu não creio que o Brasil seja um País temido. Talvez seja invejado, pela sua grandeza e pelas suas possibilidades. Nós não pensamos no poder pelo poder, nós desejamos desenvolver o Brasil, fazer com que ele cresça econômica e socialmente, porque a nossa preocupação é o bem estar da população, é o bem-estar do homem brasileiro, este é que é, realmente, o nosso objetivo.

P - Seu País ocupa um lugar privilegiado no continente sul-americano?

R- Creio que sim. Nós temos uma posição privilegiada, de um lado, porque o Brasil é um País continental pela sua extensão. O Brasil, tem a metade da América do Sul, com 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Também porque ocupa uma posição marítima. No Atlântico Sul, o Brasil se projeta  numa grande extensão, com um litoral de alguns milhares de quilômetros. Essa posição privilegiada lhe assegura não só uma comunicação fraterna com seus vizinhos - nós temos fronteira com 10 países - mas por outro lado nos abre as portas para um inter-relacionamento mundial, sobretudo com a Europa, com alguns países da África, com os Estados Unidos, e assim por diante.

P - As riquezas do Brasil, são enormes. estarão nessas riquezas a oportunidade do Brasil?

R - As riquezas que o Brasil tem, que são proporcionadas pela sua natureza pela sua natureza, dos reinos animal, vegetal e mineral, são um grande fator para o desenvolvimento do Brasil. É verdade que há também debilidades, particularmente no setor dos combustíveis fósseis. Temos pouco petróleo, por enquanto, e também temos pouco carvão. Isto constitui u dos pontos fracos do nosso País. Mas temos riquezas variadas que permitem sobejamente compensar estas deficiências. Mas a maior riqueza do Brasil não é sua população. Nós acreditamos no nosso povo, pela sua índole, pela sua capacidade de trabalho e pelos sentimentos nacionais que ele tem. Essa constitui sua principal riqueza.
    
JUVENTUDE
P - O Brasil tem 110 milhões de habitantes. Terá 200 no 2000. O senhor pode imaginar o que fará a juventude? No mundo inteiro ela está em revolta. Que futuro espera o seu País?

R - A população do Brasil é grande, como o senhor diz; é superior a 100 milhões de habitantes. Estamos ainda com uma taxa de crescimento muito alta; o Brasil cresce, presentemente, a uma taxa de 2,7 por cento ao ano. É muito. Isso nos obriga, praticamente, a criar todo ano cerca de 2 milhões de novos empregos. Essa população, numa proporção talvez de mais de 50 por cento é constituída de jovens. São jovens que ainda não trabalham, que estudam, que crescem e precisam de escolas, de assistência médica e de tanta coisa. Essa juventude constitui um peso, uma sobrecarga na geração atual que trabalha. Mas um peso que nós suportamos com grande prazer, porque essa juventude é o Brasil de amanhã. É ela que vai fazer desenvolver cada vez mais o nosso País e acreditamos que ela tem possibilidade de realizar mais do que aquilo que nós estamos realizando. É claro que toda juventude é inquieta; ela é levada por altos sentimentos de idealismo, vive num mundo ainda não suficientemente real, não sente os problemas como eles são, dá cursos à sua imaginação e por vezes se desvia dos caminhos reais que nós desejaríamos; mas nós confiamos na juventude; achamos que ela é boa, na sua grande maioria; que ela terá condições de prosseguir o trabalho que nós estamos realizando, de construir o Brasil que nós imaginamos.

P - Seu País, de acordo com a opinião de sociólogos e políticos, teve um êxito marcante no caldeamento dos povos. Sua integração é reconhecida por todos. Há ausência total de problemas raciais. Não é o mesmo, entretanto, o que ocorre com os preconceitos sociais, porque a divisão, como o senhor sabe, é principalmente um problema de classes. Os negros, é preciso reconhecer, ocupam os degraus menos elevados da hierarquia social. O brasileiro se considera como um povo de transição entre a Europa e a África?

R - O Brasil é, de fato, um País que se caracteriza, singularmente, por não ter questões raciais. Acredito mesmo que o Brasil seja um exemplo único no mundo, nesse sentido. Aqui vivem brancos, negros, índios, asiáticos, árabes, judeus, numa convivência sem problemas, sem conflitos. Não se tem memória de conflitos raciais no Brasil. Inclusive a nossa legislação, antiga nesse sentido, pune, severamente, todo aquele que faça alguma discriminação racial também se estendem ao campo religioso e mesmo ao campo social. O Brasil é um País que se caracteriza por uma extraordinária mobilidade social no sentido vertical. Uma pessoa, por mais humilde que seja a sua origem, pode ingressar na sociedade e conviver em qualquer camada social, desde que, pelas suas condições pessoais de trabalho, de conhecimento, de cultura e comportamento, a ela se ajuste. Nós não temos camadas sociais estratificadas. Conseqüentemente, a mobilidade social no sentido vertical é muito grande. No que se refere propriamente aos negros, eles convivem harmoniosamente com todos e se não atingiram camadas mais altas e os pontos mais importantes do País, em sua generalidade, é porque eles chegaram um pouco tarde. Eles conseguiram sua libertação, saindo de um estado de escravização, tardiamente. A libertação dos escravos no Brasil ocorreu em 1888, talvez tenha sido um dos últimos países do mundo ocidental a libertar seus escravos. Mas eles, hoje em dia, estão e desenvolvendo, freqüentam livremente as nossas escolas, as nossas universidades, formam-se em diferentes ramos da ciência e das atividades liberais, ingressam na política e nas Forças Armadas e têm franco acesso em toda parte. Nós temos, no Exército, generais negros; nós temos, na política, deputados negros; nós temos médicos negros; e toda vez que estudarem e se habilitarem para suas profissões, eles têm o caminho aberto. Mas eu não considero que o Brasil seja uma ponte, uma vinculação entre a Europa Branca e a África Negra. Pelo contrário, o Brasil é um País que está aberto a todo mundo, tanto com os que vivem com a Europa como os que vivem com a África. Hoje em dia nós estamos realizando um grande esforço para nos vincularmos mais com a África; afinal de contas, a África é nossa vizinha; estamos separados dela apenas pelo Atlântico Sul; temos interesses comerciais, interesses econômicos mais desenvolvidos e temos, inclusive, certas vinculações sentimentais, porque há muitos africanos que têm suas origens também no Brasil e que depois da libertação do escravos voltaram para a África. E temos também procurado maior vinculação com países africanos de língua portuguesa, que se libertaram de Portugal, como Angola e Moçambique. Mas eu não creio que o Brasil se ponha na posição de um vínculo entre a Europa e a África; a posição do Brasil, embora seja mais ouvida no quadro da América do Sul, é, no mundo que está a cada dia diminuindo, a de ligar-se com todos os países. Nós nos vinculamos muito com os países da Europa Ocidental, com os Estados Unidos, com a América Latina, com o Japão. A posição do Brasil, sua tendência e sua vocação é de vinculação universal.

P - Nós, da Europa Ocidental, adquirimos o hábito de criticar os governos sul-americanos. Isso o incomoda? O senhor considera válida essa crítica? Aceita-a com espírito esportivo? Creio que o senhor poderia esclarecer ao mundo ocidental algumas acusações que fazem ao Brasil, como por exemplo, sobre torturas e prisioneiros políticos.

R - Realmente, eu sei que há europeus que criticam o Brasil. Uns criticam de boa fé, porque não conhecem o Brasil. Poucos são aqueles que se detêm e analisam o Brasil como ele é, e cometem, geralmente, o equívoco de querer julgar o Brasil pelos mesmos padrões, e pela mesma ótica com que analisam seus próprios países. Falta-lhes a capacidade de adaptação, de se transportarem psicologicamente para o Brasil e sentirem quais são, de fato, os nossos problemas e como nós vivemos. Há uma ignorância com relação ao Brasil e uma falta de esforço no sentido de procurar, realmente, compreender o que é o Brasil. Há também uma influência muito grande no sentido negativo daqueles que daqui saíram depois de terem praticado seqüestros e outras atividades terroristas e que emigram para certas áreas da Europa, onde, juntamente com elementos da extrema-esquerda, se empenharam numa ativa propaganda contra o Brasil. É evidente que nós compreendemos tudo isso e sentimos o que está acontecendo. Mas creio que progressivamente vai-se verificando que o quadro brasileiro não é este que tem sido apresentado. Quem vive no Brasil sabe que o Brasil é um País livre, onde todos podem viver livremente e exercer todos os seus direitos. No Brasil não se admite que haja subversão. Mas essa questão que se apresenta, de torturas, de sofrimentos e de ação terrorista contra aqueles que não apóiam o Governo brasileiro, absolutamente não é verdade. E eu, pessoalmente, como Presidente, tenho-me empenhado, sinceramente, em que todas as denúncias que se verificam nesse sentido sejam devidamente apuradas. Mas é preciso compreender que o Brasil é País muito grande, muito extenso. É um País que tem um regime federativo, em que os governos estaduais exercem sua autonomia. É evidente que, como em toda parte do mundo, ocorrem fatos que não nos agradam. De vez em quando há crimes, assassinatos, roubos, mas isso ocorre na Europa, ocorre nos Estados Unidos. E não significa absolutamente que se possa admitir que aqui não exista segurança, que aqui os direitos individuais não sejam respeitados e que este seja um País diferente dos outros. O Brasil vive um regime democrático dentro de sua relatividade. Não se pode querer transplantar para o Brasil a democracia americana ou a democracia inglesa, porque a democracia brasileira tem características próprias. Todos os poderes existem e funcionam livremente.

P - Todo estadista é cioso de seus privilégios. Que política deseja o senhor implantar? Qual a sua concepção da liberdade?

R - Eu não penso nos privilégios do Presidente. Eu penso muito nas responsabilidades, nos deveres do Presidente. Por natureza, por feitio, eu sou um homem simples, procuro levar uma vida simples, sem vaidades, sem dar valor aos privilégios que tenho. Penso muito, de fato, que atrás de mim há mais de 100 milhões de brasileiros e que eu sou o maior responsável pelo destino destes brasileiros. É claro que todos são responsáveis; mas eu sou, talvez, o mais responsável de todos, e é esta responsabilidade que pesa sobre mim, que eu pretendo enfrentar e cuidar durante o meu mandato presidencial. A minha política é a de desenvolver o Brasil. Mas acho que esse desenvolvimento é integrado, é um desenvolvimento político, econômico e social. Não se pode pensar em desenvolver-se uma parte sem olhar a outra. Esse desenvolvimento tem que ser integrado e harmônico. Do ponto de vista político, evidentemente, que o desenvolvimento tem que ocorrer no campo da democracia; nós temos que aperfeiçoar a democracia, nós desejamos evoluir e cada vez termos uma democracia melhor; mas só podemos ter isso se tivermos o desenvolvimento econômico. Então, veja que são coisas que se conjugam: não se pode sonhar em ter uma democracia perfeita numa que socialmente tem lacunas, tem defeitos e tem deficiências. Nesse quadro todo se situa esse problema a que o senhor se referiu, que é a da liberdade. Eu torno a dizer: o Brasil é um País livre; nós devemos zelar para que essa liberdade se exerça efetivamente. Mas não devemos esquecer que a todo direito corresponde um dever. Não se pode falar em direitos, é preciso falar nos deveres. Quando se fala em liberdade, é preciso colocar ao lado da liberdade a responsabilidade. Veja que se fala muito em liberdade de imprensa, eu me preocupo em assegurar a liberdade de imprensa. Mas o jornalista que quer ser livre e escrever o que bem entende, também deve ser responsável. E, assim como os jornalistas, os demais cidadãos que vivem dentro de um grupo social, na família, ou na comunidade, ou no quadro nacional, todos são responsáveis; devem ser livres, mas devem exercer essa liberdade dentro de um limite, que seja fixado pela responsabilidade correspondente.

P - Como o senhor concilia o passado e o futuro? Que lições traz a história?

R - Analisando este aspecto, do ponto-de-vista brasileiro, eu considero o passado extraordinariamente importante para nós. O Brasil foi dentro da América Latina, o único País que conseguiu conservar a integridade territorial. Isto é uma decorrência da capacidade dos portugueses da época que, com a sua sabedoria política, a mantiveram e que nós conservamos. Nós incorporamos nossa história a nossa vida, os feitos dos portugueses, no tempo em que o Brasil era colônia do Reino português. É nesta tradição do passado que nós vamos buscar as raízes da formação da nossa nacionalidade e que cultivamos inclusive para inspirar as gerações mais novas. O Brasil é no mundo um País acentuado de unidade nacional, a começar pelo idioma: o português que se fala desde o Amazonas até o Rio Grande do Sul é o mesmo. Nós não temos, como outros, países dialetos. Embora existam peculiaridades regionais nas diferentes áreas do País, o espírito nacional é muito acentuado. Isto é o que acontece no presente, aprofundado no que foi no passado. E acredito que assim será no futuro. Admito que exista uma estreita vinculação entre o passado e o futuro passando pelo presente. E quanto a esse futuro, eu alimento, no caso brasileiro, reais esperanças de que seja promissor. Justamente pelo que o passado proporcionou, pelo que estejamos realizando no presente, e também pela esperança fundada que tem na capacidade das novas gerações. Eu acredito em nossa mocidade, acredito nas gerações novas que crescem no Brasil, certo de que estarão à altura dos problemas que o futuro venha a trazer para o Brasil. Mas desejo registrar a minha preocupação do futuro em relação ao mundo. Acho que a humanidade precisa criar um pouco mais de juízo par construir um futuro melhor, precisa eliminar as tensões, precisa, sobretudo, diminuir o fosso que está separando os países mais ricos e os países mais pobres. É preciso que a humanidade seja menos egoísta e procure ter um sentimento humanitário mais desenvolvido do que tem hoje. Este problema se agrava, ainda mais, pela rapidez com que o desenvolvimento tecnológico está trazendo o progresso. Essa rapidez, acentuada pelo desenvolvimento tecnológico, cria problemas, sobretudo para os países pobres. Tenho esperanças de que os países industriais, os países mais desenvolvidos, tenham uma compreensão maior dos problemas, sejam um pouco menos intransigentes do que são hoje, que venham a cooperar para o desenvolvimento dos países mais pobres. Se fizerem assim, possivelmente o futuro da humanidade será brilhante do que o que estamos vendo hoje.

P - O senhor é Presidente eleito ou um Presidente imposto?

R - Eu tenho a presunção de ter sido escolhido pelo meu partido, que é a Aliança Renovadora Nacional, pela unanimidade dos convencionais, e registro com muita satisfação que, me escolha de candidato, a votação foi secreta. Não houve nenhum voto nulo, nenhum voto negativo. Em seguida, fui eleito pela forma indireta, prevista na nossa Constituição, pelo Colégio Eleitoral, e até hoje eu governo, convicto de que sou o Presidente dos brasileiros.

P - Que lembranças, senhor Presidente, o senhor guarda de onde esteve há pouco tempo?

R - Ao encerrar esta entrevista, desejo recordar a satisfação que tive na minha viagem a Paris. Não só pela acolhida amiga do Governo francês, principalmente sua Exa. o Senhor Presidente Giscard D'Estang, mas também do povo de uma maneira geral, das autoridades, das entidades industriais e comerciais que comigo conversaram, mostrando que a tradicional amizade que existe no passado continua nos dias de hoje. Os nossos povos, aqui semelhantes pelo menos os seus idiomas, na mesmas origens foram amigos no passado e continuam a ser amigos no presente. E bons amigos.

A ERA GEISEL
15.03.74 - O general Ernesto Geisel recebe o cargo do general Emílio Garrastazu Médici. Começa a política da distensão, que prevê a redemocratização gradual do País.

15.03.74 - Geisel e Alfredo Stroessner, presidente do Paraguai, firmam a ata de criação da Hidrelétrica de Itaipu. O Estado passa a investir pesadamente nos setores de infra-estrutura para reduzir as importações e equilibrar a balança comercial, afetada pela crise do petróleo. É o chamado 2º PND (Plano Nacional de Desenvolvimento).

15.08.74 - São restabelecidas as relações diplomáticas do Brasil com a República Popular da China. O governo Geisel marca a consolidação da política externa do pragmatismo responsável, que visava estreitar as relações com o Terceiro Mundo se apunha à política de alinhamento automático com os EUA, adotada por Castello Branco.

10.10.74 - O STF condena o deputado Francisco Pinto (MDB-BA) a seis de detenção. Ele havia feito discurso contra Augusto Pinochet, presidente da Junta Militar do Chile, que veio ao Brasil para a posse de Geisel.

15.11.74 - O MDB vence as eleições para o Congresso, obtendo 16 das 22 cadeiras do Senado em disputa.

27.06.75 - É assinado o acordo nuclear entre Brasil e Alemanha, visando a construção das centrais nucleares em Angra dos Reis.

25.10.75 - O jornalista Vladimir Herzog, conduzido a depor no DOI-Codi do 2º Exército (SP), é encontrado enforcado numa cela. As autoridades alegam suicídio. Três meses depois o operário Manoel Fiel Filho é encontrado morto também no DOI-Codi.

20.01.76 - Geisel afasta o general Ednardo D'Ávila Mello da chefia do 2º Exército. NO dia seguinte D'Ávila pede transferência para a reserva. A linha dura militar perde espaço no aparelho estatal.

24.01.76 - O Grande Prêmio de Fórmula 1 do Brasil marca a estréia do Carro Fitti-1, construído por Émerson Fittipaldi, com o patrocínio da Copersucar.

19.05.76 - Geisel envia ao Congresso projeto de lei regulamentando o pleito municipal. A Lei Falcão, como ficou conhecida, limita a propaganda eleitoral no rádio e na TV. Foi aprovada no Congresso em 24 de junho.

19.08.76 - Atentado a bomba na Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro. NO mesmo dia , é encontrada uma bomba na sede da Ordem dos Advogados do Brasil, no Rio. Os atentados são reivindicados pela organização de direita Aliança Anticomunista Brasileira.

08.08.77 - Professores da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (SP) divulgam a "Carta aos Brasileiros". Assinado por mais de 200 advogados, o texto defende o Estado de Direito e a soberania da Constituição.

22.09.77 - A PM invade a PUC-SP, onde se realizava o 3º Encontro Nacional de Estudantes. São detidas 800 pessoas - 32 são enquadradas na Lei de Segurança Nacional.

22.10.77 - Geisel exonera o ministro do Exército, general Silvio Frota, candidato à Presidência apoiado pela linha dura. Os "frotistas" tentam articular uma reação militar, mas Geisel mantém o apoio do Alto Comando das Forças Armadas.

03.01.78 - O general Hugo Abreu, chefe do Gabinete Militar da Presidência, pede demissão a Geisel, por discordar da escolha do chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações) João Batista figueiredo, para ser o candidato do governo à sucessão presidencial.

12.05.78 - Começam as greves no ABC paulista, com a participação de 80 mil trabalhadores.

08.06.78 - Os jornais O São Paulo, Movimento e Tribuna da Imprensa passam a circular sem censura prévia.

15.10.78 - O general João Baptista Figueiredo é eleito presidente, vencendo o general Euler Bentes Monteiro (MDB) no colégio eleitoral por 355 votos a 225.

07.12.78 - Governo suspende a censura prévia à propaganda de rádio e televisão.

31.12.78 - Geisel revoga o AI-5 (Ato Institucional nº 5).

15.03.79 - O presidente João Baptista Figueiredo toma posse.

Meio século militar
Ao longo de quase meio século, Ernesto Geisel percorreu os degraus da hierarquia do Exército participando de episódios que balizam o período turbulento que vai da Revolução de 1930 à ditadura de 1964. Com 13 anos, ingressou no Colégio Militar de Porto Alegre a lá fez a reputação de estudioso. Em 24, concluiu o curso em primeiro lugar e se credenciou à Escola Militar do Realengo, no Rio. Novamente como primeiro, foi declarado aspirante de artilharia em 1928.

Em 1964
Anos mais tarde, no posto de general-de-brigada, Geisel assumiu o comando militar de Brasília e atuou na crise de 1961, causada pela renúncia do presidente Jânio Quadros. Geisel participou das negociações do parlamentarismo, que permitiu a posse do vice de Jânio, João Goulart. Geisel conspirou contra Goulart integrando o grupo do general Humberto de Alencar Castello Branco. Na nova ordem, em 64, coube a Geisel a chefia do Gabinete Militar.

Projeto político
Foi num discurso de 29 de agosto de 1974 que Geisel tornou explícito seu projeto político na Presidência. Sua proposta para o País defendia "o máximo de desenvolvimento possível com o mínimo de segurança indispensável". Assim, promoveria "uma distensão lenta, gradual e segura". Na prática, ele misturou medidas de abertura e afirmações de autoridade. Para muitos, Geisel foi o último a exercer os poderes da Presidência com uma concepção definida de estratégia geopolítica e econômica para o Brasil.

Crescimento, concentração e inflação
No governo Geisel, o Produto Interno Bruto (PIB), a soma de todas os bens e serviços produzidos pelo País, pularam de US$ 286,2 bilhões em 1974 para US$ 426,5 bilhões em 80, enquanto a renda per capita passava de US$ 2,7 mil para US$ 3,5 mil em 79. Porém, houve uma profunda concentração de riqueza. Os 10% mais ricos respondiam por mais de 50% desse bolo. A inflação no período de Geisel também deu um grande salto: passou de 15,54% no acumulado de 1973 - fim do governo Médici - para 34,55% em 74, situando-se no patamar de 40% anuais em média nos outros três anos de governo.

No Ceará
Geisel esteve sete vezes no Ceará. A primeira foi em 1930, segundo ele mesmo declarou quando esteve pela última vez no Estado. Como tinha apenas 22 anos, sua passagem foi anônima. Na segunda vez, em 1964, já era Chefe da Casa Militar da Presidência da República.. Geisel veio acompanhar o então presidente, marechal Castello Branco. A mais demorada foi em maio de 1977, um mês antes desta entrevista. Como presidente, participou de diversas inaugurações no Estado, entre elas o atual prédio da Assembléia Legislativa.

HIPERTEXTOS
Depoimento de Francisco Pinto, ex-deputado, cassado no governo Geisel: "Quando eu estava preso em 1964, em Salvador, Geisel era Chefe de gabinete do ex-presidente Castello Branco e foi visitar as prisões do Nordeste, onde havia denúncias de tortura. Esteve no quartel onde eu estava preso, viu presos torturados, um rapaz com a mão esmagada. Depois voltou a Brasília e deu entrevistas dizendo que não havia tortura. Foi um farsante."   

Maria Teresa Ayres mariateresa@opovo.com.br
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